Do Inesc
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O Orçamento da Função Agrária da União tem, desde 2008, sofrido uma diminuição de recursos orçamentários. Os recursos disponíveis em 2011 voltaram ao patamar de 2005 e o desembolso financeiro, ao de 2004, conforme demonstra o gráfico abaixo.
A diminuição de recursos orçamentários, seja na disponibilidade como na execução, implica na negação da reforma agrária, como uma política de efetivação do direito humano a uma vida digna. É também uma negação da função social da propriedade à medida que mantém a terra improdutiva.
O Executivo, desde que o Judiciário começou a conceder sistematicamente liminares aos proprietários contra as desapropriações, recuou e mantém mais de uma dezena de processos de desapropriação engavetados. O Diário do Pará (05/01/2012) publicou uma matéria que relata a luta do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra a indústria das liminares: “A Superintendência do INCRA em Belém impediu, no final do ano passado, o cumprimento de 14 mandados judiciais de reintegração de posse expedidos pelo Juizado da Vara Agrária de Castanhal”.
Impulsionada pela postura do Judiciário, a Bancada Ruralista retomou um movimento contra qualquer tipo de uso e ocupação da terra que não seja “economicamente sustentável”. Esta formulação conceitual, de diversos entendimentos, está sendo utilizada tanto para obstruir a reforma agrária; como para desfigurar o Código Florestal; e para atentar contra as terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação e os territórios de remanescentes de quilombos.
O Estado tem dificuldade de reconhecer que a reforma agrária é uma política pública social que visa beneficiar as populações mais pobres. Neste sentido há um paradoxo: os segmentos pobres é que pagam o custo do Estado, mas as políticas que os beneficiam são pouco executadas.
Na década de 1980, os mais ricos pagavam uma alíquota de 55% e atualmente estão pagando 27,5%, como a classe média. Os ricos são isentos de IPVA para jatinhos particulares, iates e carros de luxo, entre outras isenções fiscais. Estes benefícios são possíveis porque o sistema tributário é regressivo. É preciso impor um sistema progressivo e retomar a cobrança de imposto de renda sobre dividendo de remessas para o exterior, imposto sobre grandes fortunas, diminuição do ICMS da cesta básica e da cesta de medicamentos básicos e extinguir a cobrança de ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural) dos territórios de remanescentes de quilombolas.
A ladeira dos Assentamentos
Se o desembolso financeiro e a disponibilidade orçamentária começaram a cair em 2008, a queda no número de assentamentos começou em 2006, no início do segundo mandato do ex-presidente Lula. O censo agropecuário de 2006, que foi saudado com euforia pelas organizações familiares e campesinas, foi um dos fatores na mudança de rota da prioridade governamental. O governo foi progressivamente se afastando do discurso pela reforma agrária e avançou no sentido da agricultura familiar.
Esta mudança de prioridade vinha sendo ensaiada desde o primeiro mandato de Lula. O debate sobre uma política agrícola produtiva se contrapondo a uma política agrária marcou uma das primeiras tensões no campo da esquerda, em especial a petista. Neste embate de visões de mundo a reforma agrária se manteve devido ao seu potencial transformador diante de um discurso de mercado agrícola.
Nesse contexto – do primeiro mandato de Lula – houve um impulso na política agrária, mas a partir do segundo mandato a resistência começa a ruir e os movimentos sociais e sindicais deixam de ser ouvidos em suas reivindicações por novos assentamentos. A partir de 2006, o Plano Safra da Agricultura Familiar começa a ganhar espaço no marketing político governamental. O problema não é o apoio necessário à agricultura familiar, em especial a agroecológica, mas a progressiva marginalização dos projetos de reforma agrária, que se traduz, ano a ano, em um menor número de famílias assentadas.
Dessa forma, a ladeira que se apresenta aos 180 mil acampados à espera de um lote da reforma agrária chegou a um limite desesperador. Este mesmo sentimento começa a tomar conta também das quase 800 mil famílias assentadas que se debatem sem ou com pouca infraestrutura. As promessas de campanha e os discursos sobre a reforma agrária de qualidade não se cumprem.
A reforma agrária é um problema em si, pois demanda para sua realização um enfretamento com a oligarquia agrária, com os latifundiários modernos vinculados às instituições financeiras apoiadas no Legislativo pela Bancada Ruralista. O fato das famílias assentadas e as acampadas comporem uma população de baixa visibilidade faz com que as autoridades criem um sentimento de diminuição da responsabilidade em realizar a reforma agrária que poderiam minimizar as assimetrias sociais.
Quanto à atuação do governo e de sua base de apoio no Congresso Nacional, o balanço da reforma agrária, realizada pela equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT)/Nordeste, traz um parágrafo lapidar “Para os Povos indígenas e quilombolas que travam no dia-a-dia um embate pelo direito a terra, enfrentando a chegada do agronegócio e dos projetos governamentais, não há o que comemorar em 2011. Foram homologadas apenas três terras indígenas, sendo duas no estado do Amazonas e uma no Pará.
O Governo não se sensibilizou nem com a situação dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial os Kaiowá e Guarani, que vivem em conflito com fazendeiros e usineiros da região. Nenhuma ação foi feita para homologação das terras neste estado. No caso das populações descendentes de Zumbi dos Palmares, fora a desapropriação do território da comunidade de Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais, poucos foram os resultados conseguidos frente às reivindicações e resistências das 3,5 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil. De todas, apenas 6% tem a titulação de suas terras”.
Orçamento da Função Agrária da União – 2011
Na introdução pode-se observar a diminuição de recursos disponíveis e executados durante 2011. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), até o início de janeiro de 2012, havia executado apenas 37,1% do orçamento de 2011 que foi autorizado pelo Congresso Nacional. Assim, o MDA deixou de executar R$ 3,3 bilhões que deverá se somar ao superávit primário para pagar os juros e serviços da divida pública do país em vez de servir às famílias assentadas.
Dos R$ 5,2 bilhões autorizados, o Ministério liquidou apenas R$ 1,9 bilhão. A relação dos recursos disponibilizados para os programas da Função Agrária estão dispostas na Tabela 01. Nesta tabela os recursos estão elencados em três colunas: (1) Autorizados são os recursos aprovados pelo Congresso Nacional; (2) Liquidadas são as transferências já realizadas (obras, serviços, etc.); (3) Restos a Pagar Pago são os recursos que não foram executados nos anos anteriores e que estão sendo utilizados no ano corrente. Na linguagem técnica o liquidado diz respeito à execução orçamentária e o RP-Pago diz respeito à execução financeira.
A execução orçamentária do MDA foi abaixo da crítica em um momento em que as preocupações nacionais e internacionais se voltam para a questão da fome, da segurança alimentar, da proteção das florestas, da biodiversidade e dos recursos naturais.
Esta má utilização dos recursos públicos não decorre da falta de pressões realizadas pelas trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra, quilombolas e indígenas. O número de famílias envolvidas nestes conflitos aumentou de 234.150 para 245.420, e foram realizadas mais de 350 mobilizações, de acordo com os dados parciais da CPT.
O Ministério poderá argumentar que aplicou os recursos que não foram gastos nos anos anteriores (Restos a Pagar Pago). Essa aplicação não deveria limitar a execução do orçamento autorizado, principalmente se considerar que a questão da terra é um dos entraves mais graves para o desenvolvimento do país. Mas, o recurso é um só: ou se executa ações novas previstas no presente exercício ou se executa o que ficou pendente de anos anteriores.
Outro detalhe é que não se pode justificar a baixa execução orçamentária com a execução financeira. Como ressaltamos há em execução duas modalidades de recursos – os orçamentários e os financeiros.
Os orçamentários deveriam seguir o princípio da anualidade; ou seja, ser executado durante o ano. Porém o Executivo desde o governo FHC não adota este princípio e vem acumulando, como recurso empenhado, um montante significativo de recursos. Dessa forma, o resultado é uma concorrência entre os orçamentos e as ações que são postergadas infinitamente.
Pode-se observar na Tabela 01 que em 50% dos 14 programas da Função Agrária os recursos executados por meio dos Restos a Pagar é maior que os recursos liquidados da LOA de 2011.
Ações Orçamentárias
Para contabilizar as ações foram consideradas apenas aquelas que receberam recursos autorizados. Das 85 ações que compõe os programas da Função Reforma Agrária, 19 (22,4%) não liquidaram nenhum recurso do orçamento.
A maioria das 85 ações foi desenvolvida com os restos a pagar de anos anteriores e os gestores provavelmente deixarão as ações constantes da lei orçamentária de 2011 para os próximos exercícios.
Destas ações, 28 estão com execução orçamentária abaixo de 20% dos recursos autorizados para 2011. Esta baixa execução é resultado da concorrência entre os orçamentos – financeiro e orçamentário. Os recursos das ações são postergados e o superávit primário é engordado. E a reforma agrária adiada. Como exemplo, segue a Tabela com algumas ações selecionadas.
Nestas poucas ações selecionadas percebe-se o enorme prejuízo socio-organizativo que sofrem as famílias assentadas. Trabalhadoras sem documentação necessária ao exercício da cidadania; recursos inativos do crédito-instalação significam famílias aguardando a conclusão dos projetos de assentamentos; descaso com a educação rural ou entendida como um bem urbano; sucateamento tecnológico dos empreendimentos familiares; abandono dos territórios de quilombos e desvalorização de suas culturas.
A baixa execução orçamentária dos programas e ações demonstra, também, a inércia político-administrativa em que o MDA se encontra quando se trata da reforma agrária. Em outras áreas como a de agricultura familiar, tratados internacionais e mudanças climáticas, por exemplo, o MDA se mostra pró-ativo, apesar de não ter se envolvido no debate do Código Florestal, enquanto o Ministério do Meio Ambiente reunia-se com as lideranças dos movimentos representantes da agricultura familiar e assentados da reforma agrária.
Uma das formas para que o MDA e o governo voltem a considerar a reforma agrária com um tema na agenda político-social é que as organizações sociais e sindicais retomem o diálogo a fim de compatibilizarem suas agendas. O governo entende a linguagem da sociedade, ainda mais em um ano eleitoral, assim as organizações devem trabalhar para reconquistar o apoio social para a reforma agrária. Se isso não ocorrer, as reivindicações não serão ouvidas.
Os movimentos pela reforma agrária têm a responsabilidade de aproveitar o momento de crise do capitalismo para destravar as forças sociais rurais e urbanas que estão vivendo em condições precárias nas cidades e no campo. Se o processo de reforma agrária real não for colocado em marcha neste governo, as forças progressistas e de esquerda terão perdido uma oportunidade histórica singular. E o governo se omitido frente a uma das mais antigas questões do desenvolvimento brasileiro.
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