sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

2012, um ano de lutas e pouca conquista popular

*Waldemar Rossi

 Apesar da crescente (embora modesta) mobilização social, não dá para dizer que, do ponto de vista do movimento popular, tenha havido alguma conquista. Mais fácil afirmar que os trabalhadores tiveram fortes perdas no mundo inteiro. Começando pela Europa, aonde os governos vêm atacando direitos conquistados e promovendo o rebaixamento do padrão de vida do povo europeu, sem exceções. Nem mesmo a tão proclamada potente Alemanha está conseguindo escapar da crise financeira, que beneficia pequenos e poderosos grupos ocultos de financistas, enquanto vai provocando a “bancarrota” dos países membros da comunidade do euro. Essa tal “crise financeira” está afetando todo o sistema produtivo industrial, gerando crescente desemprego, especialmente entre a juventude que sente seu futuro sem perspectivas de uma vida economicamente segura e humanamente feliz. Para as novas gerações, o futuro é muito sombrio.

Não é diferente em outras partes do mundo. Seja na Ásia, Oceania, África ou na América do Norte, o presente revela grandes dificuldades e o futuro assombra a todos, sem exceção. O Oriente Médio continua em chamas, literalmente: guerras, revoluções, gerações dizimadas, vitimando indiscriminadamente crianças, jovens, adultos e idosos. Enquanto a fome se instala cruelmente em centenas de países.

A América Latina não escapa deste mapa. As dificuldades que afetam o sistema capitalista atingem em cheio os países latinoamericanos, uns mais, outros menos, mas afeta a todos, porque dependentes dos países da matriz capitalista. Seus governantes não têm a visão de estadistas, não têm a perspectiva nem a coragem para a ruptura com essa dependência. Quase todos têm mostrado falta de visão e de compromisso com a construção de países autônomos e independentes. Permanecem com sua cultura de colônia e assumem o papel de “lambe-botas” do capital. E o povo vai pagando o preço dessa incapacidade e pusilanimidade.

Ainda que com uma realidade tão deprimente, não se pode dizer que tudo caminhou na maior tranquilidade. Movimentos de insurreição vêm ocorrendo em várias partes do mundo. Populações ocuparam e ocupam praças em dezenas de capitais e cidades importantes em todos os continentes; protestos contra o assalto a direitos e à espoliação dos povos marcaram o ano de 2012 em várias partes do mundo; movimentos de libertação contra ditaduras continuam a ocorrer em vários países; protestos contra a destruição do planeta se multiplicaram e greves marcaram a retomada do movimento dos trabalhadores. São sinais de esperanças que ocorrem em nível mundial. Mas, a correlação de forças é ainda muito desfavorável ao povo que trabalha. Os partidos políticos de esquerda perderam seu rumo e os grandes sindicatos sucumbiram ao poder cooptador do capital. O grande capital ainda é todo poderoso e vêm nos impondo derrotas seguidas.

No Brasil, o ano que se finda revelou ligeiro crescimento da consciência crítica de parte significativa das gerações mais novas – que vinham se mantendo distante de tudo até bem pouco tempo. Desiludidos do “mar de rosas” oferecido pelos meios de comunicação e do vazio de vida desse mundo de fantasias oferecido pelo sistema, decepcionados como os “salvadores da pátria” eleitos, saturados com a corrupção em alto estilo, com a falência dos podres Poderes da República, com a falta de expectativa para suas vidas, parte dessas jovens gerações resolveu descruzar os braços e dar os primeiros passos para ocupar os espaços que lhes cabe na vida política nacional.

A começar pelas inúmeras greves ocorridas em muitos setores de atividade, como na construção civil, nas universidades, nos bancos; do professorado em geral, do funcionalismo público, da saúde pública e privada, na aviação e na indústria. Mobilização também ocorreu com ocupações dos sem terra e dos sem teto, na resistência dos ribeirinhos e dos indígenas cruelmente massacrados. Entre os estudantes - apesar da UNE ausente porque mancomunada com o governo federal -, protestos vêm marcando a insatisfação com um sistema de ensino caduco e de baixíssima qualidade.

Em todos esses movimentos foi constatada a presença agressiva e criminosa das forças policiais dos estados, até mesmo da Força Nacional de Segurança - setor do Exército criado por Lula em 2005 para reprimir os movimentos populares –, repressão praticada com a “legitimação” da Justiça, revelando, mais uma vez, que os poderes públicos estão a serviço do capital, em prejuízo do povo e da justiça social. Enquanto isso tudo acontece, centrais sindicais e históricos movimentos populares continuam fazendo de conta que estão preocupados com a vida do povo, promovendo manifestações vazias de conteúdo, sem coragem de romper com forças políticas que um dia estiveram com o povo.

Entre pequenas conquistas e algumas derrotas, um novo movimento social vai se esboçando, apesar da ausência de alguma força unificadora dessas novas forças, capaz de organizar um plano de lutas comum, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Ainda teremos uma longa caminhada até chegarmos a um desejável e possível momento em que a correlação de forças venha sofrer a alteração necessária e o povo tomar para si o protagonismo das mudanças historicamente desejadas. Quem nos dera um salto qualitativo venha a ocorrer já a partir de 2013!

*Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

Cresce o movimento contra o aumento da passagem em Taboão da Serra.

*Por José Afonso da Silva
Do Blog "A Luta é pra Valer!"
Desde quando o prefeito de Taboão da Serra, Dr. Evilásio Cavalcante Farias, presenteou a população da cidade com o segundo aumento da tarifa de ônibus em menos de um ano no último dia 22 de dezembro, a insatisfação e indignação da população só faz crescer.
Milhares de pessoas compartilham imagens, textos e comentários nas redes sociais e até uma ato em frente ao shopping Taboão foi organizado por cerca de 20 jovens.
Através deste blog, lançamos uma petição pedindo ao prefeito eleito, Fernando Fernandes/PSDB, como primeira medida de seu governo que vete o aumento promovido pelo prefeito Evilásio, já que o mesmo afirmou em entrevistas que não aumentaria a passagem em 2013.
Esse será o primeiro teste de Fernando Fernandes, pois se não vetar esse aumento, ficará claro que aquilo que ele fala não deve ser escrito. Não é possível pensar em dias melhores em 2013 com uma condução no valor de R$3,30.

Evilásio: um prefeito corrupto, perverso e maquiavélico

Faltando poucas semanas para terminar seu mandato, a percepção que a maioria da população tem é que Evilásio foi o pior prefeito que já passou pela cidade. E olha que os anteriores também não são motivo de orgulho pra ninguém.
Não há uma única área em que seu governo seja reprovado, da cultura à saúde; do trânsito à educação; da assistência social à habitação.
Isso pra não falar dos escândalos de corrupção na qual se governo está envolvido e da política de arrocho e de retirada de direitos do funcionalismo público municipal.
O aumento da passagem no período de final de ano, quando boa parte da população está viajando ou ocupada com os preparativos das festas de final de ano, é no mínimo perverso e maquiavélico.
Evilásio, seu secretário de transporte e a Viação Pirajussara sabem que neste período é muito difícil organizar uma grande manifestação da juventude e dos trabalhadores contra o aumento. Se ele aumenta a passagem neste período é porque tem consciência da repulsa popular a essa medida. Isso demonstra também a covardia deste prefeito.

Intensificar a luta pela revogação do aumento até o dia da posse de Fernando Fernandes

Com todas as dificuldades que o momento nos impõe, é possível intensificar a luta virtual no intuito de revogar o aumento da passagem.
Militantes do PSOL estão distribuindo seu jornal e denunciando o aumento da passagem. O companheiro Stan (candidato a prefeito pelo PSOL de Taboão da Serra) está participando das panfletagens.
O PSTU de Taboão também soltou uma nota se opondo ao aumento e o caracterizando como um assalto.
A página anonymous foi montada no facebook para divulgar a campanha.
O perfil Olho Taboão da Serra também está fazendo sua parte divulgando a petição pelo veto de Fernando Fernandes: Assine aqui

Se você não foi viajar e tem possibilidade de participar de alguma ação, faça, caso contrário, pagaremos $R3,30 até o final do ano que vem.

*Jose Afonso é militante da LSR - SP

Um Papai Noel desses ninguém quer: salário mínimo de R$ 678 não atende à necessidade de trabalhador

  O salário mínimo de 2013 foi anunciado às véspera do Natal: R$ 678. O anúncio foi feito com toda pompa pela ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, como se fosse um presente de Papai Noel. O que ninguém diz é que esse valor não é o suficiente para sustentar uma pessoa por mês, muito menos uma família.


De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o salário mínimo do trabalhador, em outubro de 2012, deveria ser R$ 2.616,41. Quatro vezes maior do que o valor real.

O mínimo mensal deveria suprir as necessidades básicas do brasileiro e de sua família, constata a Pesquisa Nacional da Cesta Básica, divulgada nesta sexta-feira pelo (Dieese). Segundo a Constituição Federal, o mínimo deve ser suficiente para garantir as despesas familiares com alimentação, moradia, saúde, transporte, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência.

O reajuste será de cerca de 9% sobre o valor atual, de R$ 622, considerando uma variação real de 2,73% mais a reposição da inflação pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 6,1%. Os aposentados do INSS terão 5,63% de reajuste em 2013, índice abaixo da inflação.

As centrais sindicais governistas que antes do governo Lula reivindicavam o salário mínimo do Dieese, agora tem levantado esta “valorização” do salário mínimo como uma grande conquista. Uma vergonha! Esse valor é muito menos que o necessário para se viver. Além disso, os aposentados terão um reajuste abaixo da inflação. Mas, o que está ruim pode ficar pior. Com o pibinho (PIB) em torno de 1% o reajuste do ano que vem deve ser menor ainda, já que o reajuste da aposentadoria está ligado ao aumento do PIB dos anos anteriores.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Governismo, a vertente tupiniquim do stalinismo e o sopão dos pobres

 *Por Raphael Tsavkko Garcia

É interessante notar que desde que começamos, eu e o @elcapeto, a alimentar o a página Governismo, a doença infantil... as pérolas fanáticas dos governistas não pararam de chegar; na verdade, a coisa vem piorando, chegando ao machismo, racismo, outros preconceitos lamentáveis e teorias conspiratórias sem pé nem cabeça.

Mas algo tem me chamado a atenção há alguns dias: a guerra civil que começa a crescer no seio dos governistas. Não que não sejam todos fanáticos, mas parece que há gradações. Desde bestas completas que não veem problema em passar por cima de qualquer um pelo dito desenvolvimento dilmista, através, por exemplo, da defesa fanática de Belo Monte, até a quem critique pontualmente, por exemplo, a aliança com Maluf ou o PP na Habitação de São Paulo – sem que isto abale seu apoio geral a tudo que faz ou manda o partido.

A questão é que, agora, estes que criticam minimamente têm sido ferozmente atacados pelos mais fanatizados, por aqueles que acham que Lula é deus e que o caminho lulista é a única resposta para os problemas da humanidade. Gente que sempre foi governista e/ou petista tem sido duramente atacada por essa horda de acéfalos que apenas sabem repetir ordens da direção. Uns chegam a ser chamados de Cabo Anselmo!

E a coisa é realmente feia, com acusações de traição, de falso petismo e rompimento de amizades e relações. Não à toa o Governismo, a doença infantil... tem tido menos pérolas nos últimos dias: os esforços parecem concentrados nos expurgos que os fanáticos tentam orquestrar contra os moderados (se é que podem ser chamados assim).

E chamar de "expurgo" não é de graça. A semelhança não apenas com o stalinismo, como com outras ideologias de supremacia (ideológica, racial, étnica, etc.) é clara. Repete-se fanaticamente, sem qualquer crítica, aquilo que vem de cima, da direção. Mesmo que as ordens sejam para que se esqueça todo o passado, tudo o que se defendia antes – antiprivatismo, direitos humanos etc. Limita-se a obedecer e encontrar maneiras de justificar – mesmo que seja impossível – porque seu partido, sua direção e mesmo você mudaram de ideia, ou melhor, se negam a aceitar que mudaram de idéia.

O ponto alto é dizer que SEMPRE defenderam o que estão fazendo, no máximo alterem o nome (chamando privatização de concessão) e, quando for impossível defender, mudar o nome ou disfarçar, atacando o interlocutor de tucano, de vendido, de antipatriota etc.

Quando não for possível sustentar a defesa de algo tão absurdo como, por exemplo, remoções forçadas para obras feitas sob medida para a máfia da FIFA, a máfia do PMDB, acusem o interlocutor.

Caso recente é o da re-privatização das empresas do setor elétrico patrocinada por Dilma. A maioria dos fanáticos e dos portais ligados ao PT, ao invés de criticar a privatização repetida – e desta vez pior, pois sequer o Congresso é consultado – se limita a acusar o PSDB de não querer se juntar à farra.

Obviamente, como já disse em artigo passado, o PSDB se recusa a se juntar à farra por birra, mas é sintomático. O PT copia FHC sem o menor problema, mas seus ‘militontos’ garantem o discurso de que são diferentes, mascarando a realidade e criando um mundo de fantasia que só eles enxergam – mas tentam impor aos demais.

Meu temor é que estes expurgos acabem por piorar a situação. Mesmo que caminhando para o fanatismo e cegos para muitas coisas, os mais moderados têm o papel de, ao menos, servir como uma barreira de contenção do fanatismo máximo. Mas estão falhando e sendo suplantados.

Podemos chamar estes fanáticos de stalinistas, mas outros termos servem da mesma forma. Como querem posar de esquerda, ainda que não sejam, e no fim apenas acabam denegrindo a imagem da esquerda, uso o termo.

Governo privatiza? O discurso é que vai "salvar" o povo, que não é privatização, é concessão. Governo é corresponsável pelos massacres contra indígenas? Oras, quem se importa com aqueles nômades invisíveis?

A ideologia por detrás nada mais é que o lulo-dilmismo (uma mistura de teoria lulista com práxis dilmista, talvez?). Ideologia esta que se entende por um misto de sopão aos pobres com incentivos pesados ao capitalismo, aliado a um entreguismo ímpar.

Em outras palavras, entrega-se ao pobre aquilo que é mínimo para sua sobrevivência, o básico do assistencialismo (que é necessário, diga-se de passagem), mas chega a um ponto em que fica só nisso e tudo que vem depois é precarizado, feito nas coxas – vide ProUni, que de boa ideia descambou para garantir crescimento de UniEsquinas ao invés de incentivar educação de qualidade.

E, passadas as necessidades mais básicas, resta o consumismo. O incentivo perpétuo a se ter mais, acumular. Ter uma TV de LCD e computador ultramoderno, mas morando em favela sem saneamento básico. Afinal, saneamento é caro, a TV mais barata e, quem sabe, serve como cala-boca e garante votos.

De um necessário assistencialismo passamos para o consumismo incentivado e defendido com orgulho.

Uma classe média de 291 reais – que não é classe média nem aqui e nem no inferno –, cujo mantra é repetido à exaustão até que vire verdade.

Se não pode convencer sem argumentos, repete-se incansavelmente, até que, por osmose, sigam o que a direção do partido mandar.

E é óbvio que o assistencialismo – via Estado – tem outras intenções. O povo com mais dinheiro consome, gasta dinheiro com os parceiros e financiadores de campanha do partido. Partido este que, além de incentivar o consumismo, garante o princípio do toma lá dá cá com seus patrocinadores, através de projetos megalomaníacos reavivados da Ditadura ou fazendo vista grossa a abusos sistemáticos aos direitos humanos.

Aliás, um aparte: a ministra Maria do Rosário é uma das figuras mais patéticas da República com seu discurso simplesmente inverossímil de defesa dos Direitos Humanos, ao passo que genocídios são lugar comum no país e o governo não prepara uma única política para melhorar a situação. Indígenas, LGBTs, população negra... Nada. Dilma pessoalmente faz questão de agradar aliados e vetar políticas a favor de índios e LGBTs.

Um governo aliado de Katia Abreu, Bolsonaro, Malafaia, Igreja Universal e Cia. não pode governar para o povo e para as minorias. Não faz "propaganda de opção sexual", enquanto gays morrem como moscas e ultrapassamos o recorde de mortes, não demarca terras e garante a segurança das diversas tribos ameaçadas pelo país, pois, oras, índio atrapalha o progresso. Bom mesmo é que suas terras sejam usadas para mineração, soja ou hidrelétricas mil. E não surpreende almoço com militares e afagos aos bandidos enquanto quem foi torturado, perdeu amigos e parentes continua nas ruas tentando reparação e justiça.

Dilma só recebe quem tem poder – e farda.

Democratização das comunicações? Respeito aos direitos humanos?

Desmilitarização da polícia? Memória e justiça e revogação da Lei da Anistia?

Direitos reprodutivos? Direitos LGBTs? Direitos indígenas? Educação de qualidade para todos e todas? Salários decentes para professores?

Assuntos irrelevantes no entender governista. Mais importante é privatizar e garantir lucros ao Eike.

Mas, voltando, o lulo-dilmismo conseguiu o que parecia impossível. FHC apenas conseguia contentar os ricos, deixando trabalhadores com ódio e pobres abandonados, mas Lula e a Dilma, com pesada propaganda e dinheiro para a grande mídia e seus parceiros, conseguiram unir políticas assistencialistas eficazes e necessárias com lucros históricos para todos os principais setores capitalistas do país, ao passo que, graças ao esforço imenso dos seus fanáticos pagos e não-pagos, retira direitos atrás de direitos dos trabalhadores – privatização da previdência dos funcionários públicos, pretensão de flexibilizar a CLT, além das já conhecidas desonerações da folha.

Chegamos num ponto, porém, em que o processo de aprofundamento do capitalismo, do mais violento, no país acabou por causar algum desconforto entre as hostes menos fanáticas do governismo. É o momento em que veremos qual grupo prevalecerá. Pessoalmente não tenho dúvida de que o mais fanatizado irá prevalecer, e os mais moderados irão ter de se contentar a serem sacos de pancada ou abandonar o partido.

Para a maioria, prevejo a conformação e a piada de que "lutam internamente", um eufemismo para "iremos fingir discordar internamente, mas votaremos TUDO com o governo", só que cada vez mais enfraquecidos, cada vez menores e cada vez menos eficazes e conscientes.

Estamos beirando um totalitarismo dentro do chamado "campo governista" e meu temor é que se espalhe, que transcenda esse campo já tão frágil em termos de resistência. Sou e sempre serei defensor de democratização das mídias, mas o que vemos hoje, em geral, é uma luta entre a mídia próxima do PT e a grande mídia, com raras exceções no meio. Lutas sociais são colocadas de lado em nome da governabilidade, direitos humanos são relativizados e, neste cenário, temo que tipo de processo de "democratização" possa vir de um governo que governa pro capital e dá migalhas ao povo.

O mesmo vale para a "reforma política". Oras, com esta base aliada que tudo pode, que tudo ganha mesmo que não se preocupe em votar com o governo para justificar todas as benesses, imaginem a maravilha que sairia a tal reforma!

(E tem quem chame de voto de cabresto a mera exigência de que "aliados" sejam... aliados! Na hora de privatizar o PMDB não vota "errado", mas pra questões populares...)

Ano que vem a Dilma já declarou que seu objetivo é reduzir impostos. Educação? Direitos Humanos?

Não, reduzir impostos. E pra isso não se importa em privatizar, em subsidiar lucros das empresas, em manipular discursos sem, no fim, realizar uma necessária reforma tributária. É o Estado renunciando a arrecadar, mas sem mexer no lucro dos amigos empresários. Temos a produção de carro mais barata do mundo, para dar apenas um exemplo, mas pagamos o valor mais alto do mundo pelo produto final. O governo? Oras, reduz IPI, ou seja, impostos, pra baixar o preço de forma irrisória, ao invés de FORÇAR uma menor margem de lucro às montadoras.

O Estado renuncia arrecadação (no caso criando um caos em municípios), mas mexer no lucro dos empresários? NUNCA! Isso seria de esquerda!

Militontos não cansam de xingarem o STF, não cansam de xingarem qualquer opositor dentro ou fora do partido, mas batem palmas para higienismo e políticas genocidas, repetindo cegamente que "quem não está conosco, é de direita", mesmo que o PT de hoje cause invejas ao PSDB que nunca conseguiu manipular tão perfeitamente as massas. É um nível de fanatismo que beira ou roça no totalitarismo.

*Raphael Tsavkko Garcia, jornalista e blogueiro, formado em Relações Internacionais (PUC-SP), é mestre em Comunicação (Cásper Líbero).

A violência aumenta contra o povo Xavante em Mato Grosso

SERÁ PRECISO MAIS 20 ANOS?

Companheiros e companheiras a situação aqui na região do Araguaia está tensa, cada dia mais preocupante.

Após idas e vindas à Brasília daqueles que são opositores à desintrusão não contavam com a firmeza do Supremo Tribunal Federal ao manter a decisão da desocupação do território de Marãiwatséde, historicamente pertencente ao povo Xavante. Criou-se uma expectativa de que o prazo máximo da desintrusão seria cumprido, afinal o Governo Federal garantiu sua tropa de Elite para o cumprimento dessa ordem judicial.

Mas o que estamos vendo e assistindo através da mídia é que, ao invés de se resolver um problema que já se arrasta por mais de 20 anos, estão criando centenas de outros, principalmente para as cidades do entorno.

O nosso bispo D. Pedro Casaldáliga, foi forçosamente obrigado a ir para o exílio – está fora de sua casa para não ser sequestrado e assassinado.

Uma indígena Xavante estava em trabalho de parto e saiu da aldeia na viatura da saúde, escoltada pela polícia da Força Nacional e mesmo assim não conseguiram ultrapassar a barreira feita na BR 158, que está acontecendo desde a cidade de Barra das Garças até o local da desintrusão (Posto da Mata).

Em várias cidades aqui da região já começa acontecer o desabastecimento de alimentos, combustível, etc. O pior dessa situação é que cresce assustadoramente a Ideologia do etnocentrismo acompanhada de forte preconceito de morte aos povos indígenas, particularmente Xavantes. Não foi por acaso, que tentaram assassinar o cacique Damião e seu filho Mário, por pouco não morreu em uma emboscada próximo à aldeia.

Comenta-se por aqui que até pistoleiros do Estado do Pará foram contratados para executarem alguns trabalhos na região. Boa coisa não pode vir daí. Surge o boato de que até o linhão (cabos de energia que abastecem a região) serão cortados caso o “Governo” não desista da desocupação. Pasmem todos se isto, de fato vir acontecer.

Os agentes de pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia são frequentemente hostilizados quando saem às ruas, nos supermercados, etc. Tememos que o pior possa acontecer com alguns deles.

A situação está gravíssima a ponto de acontecer uma tragédia sem precedentes, a qualquer momento. É claro que não queremos violência, mas sim uma operação da força do governo mais enérgica e eficaz, no sentido de garantir a população em geral o seu direito de ir e vir e que a vida continuasse “normal”. Toda a população irá ficar refém de um grupo de oportunistas que, conscientemente roubararam a terra dos Xavantes e agora estão espalhando o terror em toda a região com bloqueio nas estradas, pontes, obrigando as pessoas a caminharem a pé para trocar de ônibus na BR 158.

Antes de terminarmos essa carta chegou a notícia da continuidade da barbárie, atingindo diretamente a aldeia dos Xavantes com a derrubada de uma ponte deixando-os completamente isolados sem água potável e alimentos suficientes para aguardarem o fim da operação desintrusão, que lhes reparará essa injustiça que já dura meio século.

Acreditamos que o aparato montado para executar o processo de desintrusão deva, ao mesmo tempo em que colocar os intrusos para fora, garantir que a vida das pessoas das cidades do Baixo Araguaia continue sem ter que ficar a mercê de um pequeno grupo de pessoas que querem a todo custo continuarem sobre ao território tradicional de Marãiwatsédé desde sempre.

Segue abaixo os nomes dos agentes de pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia que participaram da construção dessa carta, que tem como objetivo chegar ao conhecimento de entidades e autoridades constituídas desse país, a fim de juntos buscarmos uma solução para esse estado de coisas, garantindo a segurança do povo xavante que aguarda com ansiedade a hora de tomar posse de uma vez por todas da terra que lhes pertencem.

Pedimos aos companheiros e companheiras que na medida em que forem lendo essa carta acrescente o seu nome para fortalecer mais ainda esse grito de defesa a Vida.

Diacóno José Raimundo Ribeiro da Silva
Rita de Cássia de Azevedo
Padre Paulo César Moreira Santos
Francisco Machado
Diácono Eliseo Gobato
Umbelina de Oliveira
Irmã Olímpia Soares
Irmã Eismar Vieira
Dandara Terra de Azevedo e Silva
Antonio Carlos Pereira da Silva – Tonny
Edevaldo Aparecido Marques
Luiza Pedrolina Dantas
Eder Francisco da Silva
Cheila M. Subenko Olalla- MNDH- São Paulo

domingo, 23 de dezembro de 2012


2012: acirram-se os conflitos, face a uma era perdida para os direitos sociais e trabalhistas


Mensalão e eleição serão, inegavelmente, marcas registradas do ano de 2012. Daquelas que vêm primeiro à mente ou aparecem de maneira mais imediata ao senso comum. O primeiro, no entanto, passado o momento de arrebatamento inicial, repleto de rompantes e querelas políticas, ficará para a história como mais do mesmo da política nacional, com a sua equalização por baixo a partir do vale-tudo institucional.  E as últimas eleições municipais tampouco serão capazes de se registrarem mais qualificadamente na memória coletiva, vez que, no geral, não chegaram a modificar de modo substancial a atual composição de forças dominantes.

Na economia mundial, a desaceleração voltou a mostrar força retumbante em 2012, mais notadamente no continente europeu, às voltas com as imposições barbarizantes da chamada Troika. Um processo que, ressalte-se, já vem se delineando bem antes da explosão da crise financeira internacional de 2008, e que não chega a ser surpreendente para quem acompanha o desenrolar da vertente econômica dominante – norteada pela satisfação dos interesses do capital financeiro e das grandes corporações internacionais.

Se o Brasil pôde, por um bom tempo, passar relativamente incólume à degringolada do capitalismo mundial, em especial em sua vertente neoliberal, não foi bem assim em 2012. Estaria aqui uma das novidades do ano que finda? Sim, mas somente para aqueles que têm carregado a imagem do Brasil como uma das ‘meninas dos olhos do capital financeiro’ e que se iludem com a noção de que o país ascendeu socialmente, agora que a classe média comporia uma boa parte da população. Aos olhos de quem se atenta para as frágeis bases em que está assentado o modelo econômico interno, fortemente calcado no consumo de supérfluos, no endividamento familiar e, portanto, em uma expansão insustentável do crédito, não há como não antever que, cedo ou tarde, a barbárie vai se instalar em solo pátrio.

Movimentações e protestos mundiais em reação à forte crise externa e, especialmente, às medidas fiscais restritivas e pauperizantes que vêm sendo impostas têm se alastrado por vários países. E no Brasil, não foi diferente. É certo que, neste ano, houve um forte recrudescimento da reação popular aos atropelos dos direitos das populações urbanas vulneráveis e também às agressões aos povos originários. Os movimentos sindicais mais organizados também irromperam na arena política exigindo, dentre outros, a recomposição de rendimentos há longos anos defasados, em função da negligência dos governos com os setores e o funcionalismo público.

Toda esta movimentação é, sem dúvida, indicativa da agudização da percepção das mazelas e contradições no seio da sociedade, e de que possam começar a se mover alguns dos arraigados e retrógrados alicerces sociais. Trata-se, de todo modo, de uma movimentação ainda incipiente, carente de amplitude e organicidade. E tão ou mais essencial que este caráter incipiente, e a ele associada, esta reação tem sido respondida a partir da lógica vigente em nossa economia e sociedade, qual seja, a lógica de governos submissos aos interesses econômicos e financeiros. A repressão e a violência policial têm aparecido, assim, notoriamente como a resposta mais imediata aos grupos que se organizam na defesa de seus interesses.

Com esta visão em mente, o sociólogo do Trabalho e professor do departamento de Sociologia da USP, Ruy Braga, é o nosso entrevistado especial neste final de ano. Seus estudos, assim como seu mais recente livro, ‘A política do Precariado’ – do populismo à hegemonia lulista, são emblemáticos em meio a este cenário, visto lançarem sobre ele um profundo e sensível olhar.

Um dos destacados registros de seu último livro diz respeito ao processo de concessões reais que embasam aquela que é chamada de ‘hegemonia lulista’, basicamente calcada em um consentimento passivo das bases sociais e em um consentimento ativo por parte das direções sindicais. Neste sentido, o sociólogo ressalta que “as condições de vida e inserção da classe trabalhadora nas cidades e locais de trabalho são muito precárias. A despeito do que ocorreu no mercado de consumo, por conta da relativa desconcentração de renda, as condições de vida são muito limitadas, o que não tem mudado significativamente. Em alguns casos tem piorado, e muito. Portanto, temos um aumento de consumo e, ao mesmo tempo, condições de vida e trabalho muito degradantes”.

Leia a seguir a entrevista completa.

Correio da Cidadania: A ideia do ‘precariado’ é um dos temas de análise de seu último livro‘A política do Precariado’ – do populismo à hegemonia lulista. O que você destacaria como essencial na apreensão deste conceito e o que o motivou a desenvolvê-lo?

Ruy Braga: O conceito sociológico de precariado já vem sendo utilizado por alguns sociólogos de forma bastante intensa na Europa, em especial na França e Inglaterra, a fim de se pensar a formação daquilo que eles próprios denominam uma classe social de novo tipo. E o que seria uma classe social de novo tipo? Seria aquele conjunto de indivíduos progressivamente expulsos da proteção do Estado de bem estar social, tendo em vista o avanço do neoliberalismo e o aprofundamento da crise econômica.

Significa que, com base nas políticas de ajuste, em especial as chamadas e debatidas políticas de austeridade impostas pela troika (mas, antes disso, com base nas políticas de ajuste que viabilizaram a criação da União Europeia como unidade econômica, a implantação do euro, o Tratado de Maastricht e tudo o que envolvia o contexto da expansão do neoliberalismo), houve uma diminuição da chamada proteção social, ou da amplitude de aplicação dos direitos sociais na Europa.

A flexibilização da contratação de trabalhadores – que em Portugal se dá via contratos livres, que são aqueles feitos via Pessoa Jurídica (PJ), de prestação de serviços – acaba produzindo uma diminuição muito grande do impacto da proteção trabalhista, em especial nos setores mais jovens dos trabalhadores. É a ampliação daquela franja desprotegida do mercado de trabalho, que cresceu nos anos 90 e se tornou muito vistosa e saliente agora, por conta do aprofundamento da crise econômica europeia. De modo que se identifica essa nova classe social, formada pelos indivíduos que sofrem a diminuição da proteção social na Europa.

E quanto à motivação para este estudo, havia uma inquietação da minha parte com relação a tal diagnóstico. Porque, olhando as coisas de uma perspectiva brasileira ou mesmo norte-americana, vemos que, a rigor, a insegurança é a regra, sempre foi assim. No Brasil é regra historicamente estabelecida, através da insegurança do mercado e dos trabalhadores. Eu olhava para aquela discussão e percebia problemas, que, diga-se de passagem, têm a ver basicamente com certa sobreavaliação do papel histórico do chamado compromisso socialdemocrata do pós-Segunda Guerra. Este compromisso foi de fato muito eficiente pra proteger aquela fração branca, masculina, nacional, sindicalizada e adulta da classe trabalhadora. Mas, evidentemente, não foi tão eficiente assim pra proteger a parcela feminina, jovem, imigrante, não qualificada e não sindicalizada – mesmo na classe trabalhadora européia, durante o auge do fordismo. O fordismo socialdemocrata também sempre teve seus descontentes. Mas isso não era muito discutido, não era tão exuberante, já que se tratava de trabalhadores periféricos.

A partir de certo momento, essa franja periférica cresceu muito, e daí vem o precariado. O precariado é nada mais nada menos que a boa e velha superpopulação relativa da qual já falava Marx, ou seja, aquela fração da classe trabalhadora composta majoritariamente por aqueles que entram e saem muito rápido do mercado por falta de qualificação - aquela parcela rural ou da informalidade, setores formados por jovens no primeiro emprego e aqueles que têm ocupações tão degradantes que os obrigam a produzir de forma anormal, ou seja, vender sua força de trabalho abaixo de seu valor. São todos esses fatores somados.

O que tentei fazer foi uma leitura construtivista, do ponto de vista da sociologia marxista, dessa parte da classe trabalhadora que podemos chamar de proletariado precarizado. Procurei separar setores mais qualificados da classe trabalhadora daqueles setores pauperizados (ou lumpenizados) e populares, e concentrar a análise neste proletariado precarizado, formado pelo conjunto de frações da classe trabalhadora. A isso chamei de precariado, aquela classe trabalhadora permanentemente pressionada pelo aumento da atual exploração capitalista e a ameaça de exclusão social.

Correio da Cidadania: Partindo deste olhar, como tem enxergado, de modo geral, o mundo do trabalho no Brasil, especialmente no que diz respeito à condução de políticas e medidas nas áreas trabalhista e sindical nestes dois últimos anos sob o governo de Dilma Rousseff?

Ruy Braga: Eu argumento no livro que o precariado é uma parte fundamental do mundo do trabalho no Brasil. Fundamental especialmente a partir dos anos 90, em função de uma profunda reestruturação produtiva, com integração da economia brasileira à economia internacional, através da liberalização comercial e financeira, mas também pelo fato de que foi a década da multiplicação das formas de contratação, quando tivemos o aprofundamento da precarização. Foi a década do desemprego.

Temos, assim, um manto bastante saliente, notável, do setor precarizado da classe trabalhadora. Viu-se um aumento da informalização, seguido de aumento do desemprego, da exploração, das formas de contrato por tempo determinado, enfim, essas formas não canônicas de contratação - a despeito de a década de 2000 representar certa guinada em algumas tendências, em especial, notavelmente, da informalização, já que esta década foi de maior formalização do trabalho. Apesar disso, o aumento da formalização foi acompanhado do aumento das taxas de volatilidade do trabalho, de flexibilização, da precarização, da terceirização e, consequentemente, do aumento daquele que é o aspecto mais visível da deterioração das condições reais de consumo da força de trabalho, isto é, o aumento dos acidentes e mortes no trabalho.

Percebo que, apesar desse processo de formalização dos anos 2000, temos a reprodução da centralidade de tal precariado no mercado de trabalho brasileiro, que acaba se tornando o principal mecanismo de ajuste anticíclico das empresas, contratando à vontade e consumindo a força de trabalho em condições muito duras. Intensificam turnos e assim têm uma espécie de fórmula de ajuste, com a volatilidade da demanda concentrada especialmente sobre essa fração precarizada do proletariado brasileiro.

Na transição do governo Lula para o governo Dilma, não tivemos grandes novidades do ponto de vista do mercado de trabalho, que continua relativamente estável, a despeito das ameaças de demissão de 2011. Estas ameaças foram contornadas por políticas específicas do governo, principalmente desonerações da folha de alguns setores estratégicos, que consomem muito trabalho, como notoriamente o faz a construção civil. A não ser no contexto da famosa desaceleração econômica, o que evidentemente coloca mais pressão sobre o desemprego e pressiona as empresas a demitirem, não temos percebido um mercado de trabalho muito diferente do que era no governo Lula.

Do ponto de vista sindical, a partir de 2008, percebe-se nitidamente uma elevação do número de greves no Brasil. Tem-se uma retomada da mobilização grevista, que, diga-se de passagem, se acentuou de 2010 para 2011, com um aumento de 27% do número de greves. Algumas delas de abrangência nacional, como a dos bancários e dos Correios. Foram greves longas e com pautas bastante agressivas, exigindo reajustes reais, ganhos e participações, melhorias da condição de trabalho, com forte adesão dos seus trabalhadores. Acredito que esta seja uma tendência para os próximos anos, até porque é uma tendência que vem de 2008.

Portanto, acredito que o futuro aponta para uma retomada da mobilização grevista.

Correio da Cidadania: Ainda neste sentido, um dos registros profundos de seu último livro diz respeito ao processo de concessões reais que embasam aquela que é chamada de ‘hegemonia lulista’, basicamente calcada em um consentimento passivo das bases sociais e em um consentimento ativo por parte das direções sindicais. Nesta linha de raciocínio, o que teria a dizer quanto ao atual patamar das lutas trabalhistas e sindicais e a direção para a qual têm apontado?

Ruy Braga: Eu costumo dizer que o precariado se encontra relativamente satisfeito com o modo de regulação lulista, isto é, com as políticas públicas. Mas, quando nota as relações de trabalho, percebe os limites do modelo de desenvolvimento pilotado por essa burocracia lulista e setores oriundos dos sindicatos.

O argumento é simples: o precariado se sente relativamente integrado pelas políticas públicas (Bolsa-família, aumento do salário mínimo, ampliação do sistema federal de ensino superior, políticas de ampliação do crédito consignado), através de um progresso material relativo e a desconcentração da renda. O precariado percebe tais questões.

Mas, ao mesmo tempo, se dá conta de que, a despeito de tudo isso, aumenta também o endividamento das famílias trabalhadoras. Apesar de existir emprego, é de baixa qualidade; apesar da formalização, ganha-se muito mal. Pra se ter uma ideia, durante o governo Lula foram criados 2,1 milhões de empregos por ano. Porém, destes, 94% (2 milhões) remuneram até 1,5 salário mínimo, ou seja, até 980, 1000 reais. São muitos empregos, mas remuneram muito mal, porque não se requer uma força de trabalho qualificada e sequer é necessária uma qualificação especial. Absorve-se bastante gente, mas em condições degradantes, com salários ruins.

O precariado percebe esta situação, pois a vive no dia a dia. Assim, desenvolve uma relação ambígua com o conjunto do modelo de desenvolvimento formado pelo modo de regulação e o nível de exploração. Esse é o meu argumento.

Correio da Cidadania: Como analisa o nível de inserção sindical, auto-organização e também leitura da realidade dessa parte mais precarizada de nossa classe trabalhadora?

Ruy Braga: O nível histórico de sindicalização da classe trabalhadora brasileira é baixo, historicamente baixo, em especial em setores privados da economia. Se encontrarmos setores com 10%, 15%, de sindicalização, já pode ser considerado muito elevado. Isso mudou profundamente na última década, quando, com o aumento do emprego formal, aumentou-se também o nível de sindicalização. Porém, ainda tem baixo impacto.

Mas o ponto que considero mais importante da questão diz respeito basicamente ao processo de reorganização sindical. Porque, afinal de contas, com um sindicato integrado à estrutura de governo, pelo fato de ter acontecido uma certa fusão entre sindicalismo e Estado, os trabalhadores se veem inseridos numa relação que é mais ou menos a seguinte: por um lado, não podem colocar muita pressão nos governos, porque são aliados; por outro, têm de satisfazer reivindicações de suas bases, pois o sindicalismo está lá pra isso e quem está no comando pode ser substituído numa eleição interna – deixando de lado, obviamente, a questão do gangsterismo sindical.

No entanto, o fato é que o poder sindical precisa de consentimento das bases, o que tem colocado pressão sobre alguns setores, até mesmo do sindicalismo governista. Isso pôde ser percebido na greve nacional bancária, na greve dos Correios, e em várias questões que dirigiram greves de outros trabalhadores. E mesmo sindicalistas lulistas, governistas, se veem pressionados em suas bases e precisam dar resposta - afinal, representar os interesses das bases é uma questão elementar do sindicalismo.

De todo modo, essa integração sindicatos-Estado coloca uma série de problemas. Se pegarmos os dados de greve, vemos que ela é muito forte no BB e na Caixa. E a negociação tende a ser bem mais favorável aos trabalhadores quando a economia cresce a 4%, 5% ao ano, como ocorreu até 2008, diferente de agora, com um crescimento na casa de 1,5%, 1,6%. Essa diferença se viu entre os governos Lula e Dilma. O governo que espera crescer 1% ou 2% ao ano vai endurecer a negociação, em comparação ao que ocorre quando a economia crescia 6%, 7%. Tal fato tem acrescentado tensões dentro do sindicalismo, o que vem levando a uma relativa reorganização do movimento sindical, com o reaparecimento de algumas centrais descoladas do governismo, como a Conlutas e a Intersindical.

Temos uma reacomodação do sindicalismo brasileiro e uma dinâmica mais tensa no sindicalismo governista.

Correio da Cidadania: Tomando os conflitos sociais de forma mais abrangente, o ano de 2012 marca-se de forma relevante por uma série de confrontos, envolvendo, além dos movimentos grevistas de categorias sindicais, a luta pelos direitos indígenas, movimentações sociais em várias esferas e embates das periferias urbanas pela conquista e/ou reconquista de seus direitos. O que poderia dizer sobre 2012 neste quesito e, principalmente, da forma com que os vários níveis de governo, municipal, estadual e federal, têm enfrentado tantas e legítimas demandas sociais?

Ruy Braga: Os governos estaduais e municipais são um desastre total. Governos que militarizaram o conflito social, colocaram a PM pra reprimir famílias de trabalhadores, como no Pinheirinho, enviaram 400 policiais pra desocupar uma reitoria ocupada por 70 estudantes, entre outras repressões policiais. É desastroso do ponto de vista social. Isso evidentemente vai cobrar seu preço, haja vista que em São Paulo já cobrou, com o governo municipal tendo sido conquistado pela oposição petista. E acho que o mesmo acontecerá no nível estadual, a fatura vai ser cobrada.

Isso porque as condições de vida e inserção da classe trabalhadora nas cidades e locais de trabalho são muito precárias, devemos ressaltar. A despeito do que ocorreu no mercado de consumo, por conta da relativa desconcentração de renda, as condições de vida são muito limitadas, o que não tem mudado significativamente. Em alguns casos tem piorado, e muito.

Portanto, temos um aumento de consumo e, ao mesmo tempo, condições de vida e trabalho muito degradantes. E evidentemente nada será resolvido com PM atirando bala de borracha em família de trabalhador. Trata-se de uma forma absolutamente desastrosa, trágica e equivocada de se lidar com a questão social.

O governo federal é um pouco diferente no quesito, mas também não vejo avanços realmente significativos nessa esfera de poder. Não existe reforma agrária séria, por exemplo. Pelo contrário, o governo federal legalizou terras griladas, esqueceu demandas históricas por terra e, através do Ministério das Cidades, fez muito pouco em termos de legalização de terras ocupadas.

Assim, não sou muito otimista quanto à relação entre governos e movimentos, em questões como moradia e luta pela terra.

Correio da Cidadania: 2012 foi também um ano de eleições municipais. O que os resultados dos pleitos municipais de 2012 enunciaram, a seu ver, quanto ao andamento e composição das forças políticas de nosso país? 


Ruy Braga: Acredito que houve uma vitória do governismo, consolidando a hegemonia lulista nesse campo da sociedade, na versão micro, mais próxima do cidadão. Mas temos alguns movimentos contraditórios. Eu chamaria a atenção para que os setores populares, plebeus, mais empobrecidos, de fato procuram alternativas. Aqui em São Paulo houve a visibilidade estrondosa da candidatura Russomanno, especialmente em regiões periféricas, o que mostra certa disposição da parcela mais popular em buscar alternativas àquelas que são as opções mais tradicionais, representadas no caso por Haddad e Serra. O desempenho eleitoral do PSOL também mostra um pouco disso, uma aproximação de setores mais plebeus a opções mais descoladas do establishment, inclusive em São Paulo. Os eleitores do Russomanno mantiveram a postura de procurar alguém mais permeável a suas demandas, de modo que repassaram seus votos para o Haddad no segundo turno.

Estabeleceu-se uma hegemonia lulista, mas ela se reproduz em terreno não tão firme quanto se acredita.

Correio da Cidadania: Inescapável é a constatação de que 2012 se encerra também marcado pelo chamado mensalão. O que este episódio, com toda visibilidade e repercussão de que foi alvo, te diz a respeito de nosso contexto político?

Ruy Braga: O mensalão representa um pouco a constatação de que a política está muito igual, ou seja, o vale-tudo político-institucional absorve as mais diferentes forças políticas e sociais e equaliza tudo por baixo. O mesmo esquema de compra de votos utilizado pelo governo FHC foi também usado pelo PT, e com os mesmos operadores. Com isso, temos um nivelamento por baixo da política.

O grande problema é que a população não vê muitas alternativas, até o momento, a essa polaridade. Todo mundo sabe que é mais ou menos tudo farinha do mesmo saco. Mas o PT se destaca mais pelas políticas sociais e públicas, com uma interlocução maior com o movimento sindical e popular, o que evidentemente o coloca muito à frente do PSDB nesse quesito. O PT consegue representar e empunhar uma agenda (a despeito de todos os seus limites) da diminuição da desigualdade social. O PSDB não consegue fazer isso porque é tradicionalmente o partido da desigualdade.

De todo modo, prevalece a noção do vale-tudo eleitoral, que equaliza todo mundo por baixo - o cenário fica sem muita diferença. Assim, entre as opções existentes, a população se atrai mais para o lado de quem se apresenta com uma agenda de diminuir um pouco a desigualdade.

Correio da Cidadania: Pensando um pouco em termos mundiais, estamos diante do que se pode chamar de repique da crise de 2008, com a evidente e atual desaceleração da economia mundial, impactando a Europa de modo avassalador, e já reverberando notavelmente nos países em desenvolvimento, entre eles, o Brasil. Como vê esse cenário e o que pensa da conduta do governo Dilma na condução da política econômica interna, essencialmente no que diz respeito ao caráter das medidas que vêm sendo tomadas para evitar uma desaceleração maior da economia?
Ruy Braga: A crise mundial é muito intensa e o modelo de desenvolvimento brasileiro durante os anos 2000 foi se deslocando aceleradamente para aqueles que hoje são os principais motores da acumulação de capital no país: bancos, mineração, agronegócio, petróleo, siderurgia, construção civil... Muitos deles dependem notoriamente do mercado internacional. Agronegócio e mineração, dois motores importantes, dependem efetivamente de encomendas externas.

Com uma recessão mundial estabelecida, a economia brasileira é obviamente atingida. O governo tentou por um tempo aplicar medidas anticíclicas apoiadas no crédito, o que teve seu fôlego, mas, a partir de certo momento, começou a claudicar, pois as pessoas começaram a se intimidar e ver que não iriam conseguir pagar suas dívidas. O governo modificou, portanto, tal agenda, não radicalmente, mas acrescentando os investimentos em infraestrutura. Nos últimos quatro, cinco anos, a partir de 2008, isso se intensificou, com anúncios de obras de infraestrutura, integração da malha viária, qualificação dos portos, construção de barragens, concessão de aeroportos...

São medidas importantes, mas não têm capacidade de, por si mesmas, equacionarem o grande problema de uma economia com as características da brasileira, isto é, o investimento capitalista. O principal investidor é o próprio governo, através do BNDES. Fora ele, o investimento privado é muito baixo. O investidor privado efetivamente não se arrisca, até porque não precisa, além de buscar remunerações bastante generosas. Agora que a taxa de juros tem caído, o investidor se sente mais obrigado a investir o dinheiro, mas continua covarde. O que, então, acontece hoje? O governo não consegue seduzir o investidor privado, que por sua vez não é capaz de equacionar sozinho o problema do investimento no país.

A realidade é que crescemos pouco. Não estamos em recessão, mas vivemos um momento de flagrante desaceleração econômica, no qual praticamente só se vê um único jogador em campo, o governo. E ele não é capaz de resolver sozinho o problema.

Qual a solução? Ou se nacionalizam os grandes meios de produção, com a estatização dos grandes intermediários financeiros ou... Vai ser difícil.

Correio da Cidadania: Você possui uma visão esperançosa das movimentações sociais que vêm rondando o mundo, desde a primavera árabe até a grande quantidade de movimentos ‘Occupy’ que têm varrido diversos países, passando por alguns protestos massivos na Europa?

Ruy Braga: Eu costumo citar Antonio Gramsci, sendo muito pessimista na razão e otimista na vontade. Sinceramente, não coloco muita esperança nos movimentos ‘Occupy’, muito espontaneístas e pouco orgânicos. A primavera árabe é um processo diferente, no qual a palavra final não foi dada ainda, mas que ocorre num contexto muito contraditório, com várias forças internacionais assumindo protagonismo a partir de dado momento. Na Europa, sou mais otimista com as movimentações dos trabalhadores e da juventude, mas vejo grandes barreiras nacionais.

Assim, é necessário internacionalizar tais lutas, especialmente na Europa, onde há mais base para tal. Mas não tem ocorrido este contexto. Os trabalhadores gregos lutam na Grécia, os trabalhadores espanhóis lutam na Espanha... Não há até, o momento pelo menos, o desenvolvimento de um internacionalismo mais agudo e radical. Minha esperança é de que não fique assim, que haja uma internacionalização das lutas, em escala regional no caso da Europa, e em escala mundial, acrescentando-se EUA, países árabes, latinos...

Correio da Cidadania: Finalmente, 2012 acaba sob forte desaceleração econômica e 2014 é ano de Copa e eleições presidenciais. O que você espera pra 2013, no sentido de medidas a serem tomadas pelo governo para sanear as contas públicas e promover crescimento, visto o reduzido espaço que terá para empreender tais tarefas no ano seguinte?

Ruy Braga: O governo ainda tem mecanismos, bala na agulha pra gastar. O BNDES é um dos maiores bancos do mundo, o governo tributa muito fortemente, tem condições de reforçar mecanismos anticíclicos...
Quanto aos direitos trabalhistas, a pressão por flexibilização é grande, haja vista as propostas que têm pipocado, como o Acordo Coletivo Especial (onde deve prevalecer o negociado sobre o legislado), pressões do empresariado por desonerações em todos os setores, com impacto sobre a previdência, pressões pela diminuição do “custo Brasil”, flexibilização em contratações...

É o que eu digo, o mercado de trabalho brasileiro é excessivamente flexível, não é pouco, longe disso. O trabalhador precisa de mais direitos, não menos. Só que não vejo muita decisão do governo de atacar tal problema, pelo contrário. Se for aprovado o acordo especial, acredito que o princípio do acordado sobre o legislado, que vigoraria a partir de então, vai diminuir ou eliminar direitos para a grande parcela dos trabalhadores que não são representados nos sindicatos fortes.

Ao mesmo tempo, não vejo, como disse, disposição do governo em ampliar direitos trabalhistas. Afinal, passamos todo o período de crescimento econômico nos anos Lula sem ver nenhum novo direito acrescentado. Acho que há um único ponto que foge à regra histórica de não criação de novos direitos, que é a legislação sobre a empregada doméstica, a ser discutida e votada. Esta talvez seja a única iniciativa do governo que possa eventualmente ser alinhada aos ganhos de direitos. Fora isso, do ponto de vista dos direitos sociais e trabalhistas, tivemos uma era perdida.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.