quarta-feira, 26 de março de 2014

Tortura: o requinte da crueldade humana

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Por Frei Marcos Sassatelli

Dia primeiro de abril de 1964 é uma data que não pode ser esquecida. Passaram-se 50 anos do golpe civil-militar, que deu início no Brasil a um longo período de ditadura, terminado somente em 15 de março de 1985. Fazemos a memória, ou seja, tornamos presente esta data para que os horrores praticados durante a ditadura nunca mais aconteçam na história do Brasil.


No dia 15 do mês corrente, participei – no Auditório Costa Lima da Assembleia Legislativa de Goiás – da Audiência Pública sobre a luta camponesa de Trombas e Formoso, no norte de Goiás, realizada conjuntamente pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembleia do Estado de Goiás (CDH-ALEGO), pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pela Associação dos Anistiados Políticos de Goiás (ANIGO), com o apoio do Comitê Goiano da Verdade, uma organização da sociedade civil.

Fizeram parte da mesa Maria Rita Kehl (integrante da CNV, que coordena o grupo de trabalho "Graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas"), o deputado Mauro Rubem (presidente da CDH-ALEGO), Marcantônio Dela Côrte (presidente da ANIGO) e Dirce Machado da Silva (representante da Associação de Lavradores de Trombas e Formoso).

Foi uma audiência que resgatou a biografia do líder camponês José Porfírio de Souza (ou Zé Profiro, como era chamado pelos posseiros) e nos emocionou a todos e todas. Dirigentes de entidades civis, que conviveram com Porfírio, e seus descendentes, nos contaram a história da luta camponesa de Trombas e Formoso, exigindo do governo a localização dos restos mortais de José Porfírio.

Essa luta começou em 1950. De um lado, estavam camponeses sem terra, apoiados por estudantes, operários e militantes de grupos de esquerda. Do outro, grileiros, apoiados por jagunços e forças policiais.

José Porfírio liderou um movimento camponês de resistência e luta pela reforma agrária, que, após dez anos de conflitos, conseguiu a vitória, conquistando terras devolutas, que os grileiros queriam tomar dos posseiros. Em 1962 – após a vitória dos camponeses –, Porfírio elegeu-se deputado estadual, o primeiro do país de origem camponesa.

Com o golpe civil-militar de 64, os camponeses da região foram perseguidos e torturados. No início dos anos 70, a repressão foi brutal. Porfírio mergulhou na clandestinidade e passou a organizar focos de combate à ditadura. Foi literalmente caçado pelos órgãos de repressão do regime autoritário civil-militar. Foi preso em 1972 no Maranhão – onde tentava articular um movimento de resistência – durante a Operação Mesopotâmia, organizada pelo Exército, que queria eliminá-lo. Foi levado para o Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do Comando Militar do Planalto, em Brasília, onde permaneceu preso até 7 de julho de 1973. Foi torturado e – no dia que foi libertado – deixado na rodoviária da capital federal por sua advogada. Desde então, José Porfírio está desaparecido.

Na época, foram realizadas, no norte de Goiás, inúmeras prisões. Entre elas, a de Durvalino, de 17 anos, filho de José Porfírio, que foi barbaramente torturado e, depois, internado, com transtornos mentais, num hospital psiquiátrico de Goiânia, onde desapareceu.

A Audiência Pública começou com a exibição de trechos do documentário Cadê Profiro?, do cineasta Hélio Brito. Durante a Audiência, a ex-militante comunista Dirce Machado da Silva, presidente da Associação dos Lavradores de Trombas e Formoso, enviada à região em 1954 pelo PCB para dar orientação política ao líder dos posseiros, afirmou: “José Porfírio foi um líder rural autêntico”. O presidente da ANIGO, Marcoantônio Dela Côrte, disse: “os militares tinham muito medo do Porfírio”.

Cláudio Maia, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), lembrou que o Estado, diante do conflito agrário, agiu sempre em defesa do latifúndio e da exploração. Trombas foi um encontro de experiências. Mesmo tendo a presença de um partido de esquerda, o mais importante neste encontro eram os militantes, pessoas que acreditavam “no modelo camponês de fazer as coisas”.

“Trombas – afirmou o professor – ficou na memória do estado de Goiás como um movimento vitorioso. E a figura de Porfírio se tornou muito conhecida no estado. Ele espelhava não só sua individualidade, como também a sua luta e a luta de cada posseiro. Porfírio mantinha a característica de uma liderança consolidada. Esta áurea da vitória de Trombas atravessou 1964”.

No final da audiência, Sebastião de Abreu, jornalista e militante da luta de Trombas e Formoso, declarou: "não vamos parar de lutar. Queremos que os militares devolvam os restos mortais de José Porfírio".

O que mais me impressionou e me chocou na Audiência Pública foram os relatos de torturas de Dirce Machado da Silva. O requinte de crueldade das torturas do tempo da ditadura civil-militar chega a ser tão sofisticado, diabólico e repugnante que é assustador. Não dá para acreditar que um ser humano seja capaz de usar sua inteligência para ser tão mau. É realmente uma barbárie!

Fala-se de dez tipos de torturas (com todas as variantes possíveis e imagináveis) praticadas nos “porões da humanidade” da ditadura: cadeira do dragão, pau-de-arara, choques elétricos, espancamentos, cama cirúrgica, afogamentos, soro da verdade, geladeira, arrastamento pela viatura, coroa de Cristo ou capacete. Que mancha indelével! Que vergonha para o Brasil!

Para qualquer pessoa, que tem um mínimo de sensibilidade humana e de senso ético, falar de torturas – seja por motivos políticos ou outros – dá vômito. Além disso, a prática da tortura denota um atraso cultural inconcebível e inadmissível no mundo de hoje. Ditadura, nunca mais! Tortura, nunca mais!

Para os torturadores de ontem e de hoje – que na realidade são verdadeiros monstros humanos – vale a advertência do profeta Isaías: “vocês estão com as mãos sujas de sangue, estão com os dedos manchados de crimes, seus lábios só falam mentira e suas línguas susurram maldade” (Is 59, 3).

Que a memória das torturas da ditadura civil-militar nos coloque, a todos e todas, num estado de silenciosa e profunda meditação sobre o sentido da vida humana e nos leve a um compromisso radical na defesa e promoção dos direitos humanos.

Que a justiça seja feita e que todos os torturadores sejam processados, julgados e punidos!

Foto: Comissão Nacional da Verdade
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Audiência Pública sobre a Luta Camponesa de Trombas e Formoso; no detalhe, acima, José Porfírio.


Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP); é professor aposentado de Filosofia da UFG.

50 anos do Golpe: TV Brasil estreia duas séries inéditas

Há 50 anos, entre o dia 31 de março e 1º de abril de 1964, deflagrou-se o golpe militar para destituir o presidente João Goulart do poder. Censura, cerceamento à liberdade de expressão e perseguições políticas fizeram parte da história recente do país. Para lembrar este período, aTV Brasil montou uma programação especial com filmes, documentários, programas de entrevistas, jornalísticos e documentários. No dia 24 de março, próxima segunda-feira, a TV Brasil exibe duas séries inéditas, produzidas especialmente para a emissora: Resistir É Preciso eAdvogados contra Ditadura.

Resistir é preciso


Com apoio do Instituto Vladimir Herzog, a série Resistir É Preciso possui dez episódios com 26 minutos de duração (de segunda a sexta, às 19h30) e resgata a trajetória da imprensa brasileira que resistiu e combateu ao golpe militar.  Os programas irão ao ar de segunda a sexta-feira, às 19h. A série traz depoimentos e material historiográfico de jornalistas que atuaram em três frentes de combate: a imprensa alternativa, a clandestina e a que atuava no exílio. A série, narrada e apresentada pelo ator Othon Bastos, recupera a história de jornais alternativos, como o PifPaf, o Pasquim, Bondinho, Opinião e outros mais, permitindo conhecer as dificuldades de produção, as perseguições e manobras para mantê-los em circulação.

Para relembrar e construir essas histórias, Resistir É Preciso conta com depoimentos de jornalistas como Audálio Dantas, Juca Kfouri, Laerte, Raimundo Pereira, Paulo Moreira Leite, Bernardo Kucinsky, José Hamilton Ribeiro, entre tantos outros. No primeiro episódio, no dia 24 de março, Resistir É Preciso faz uma viagem no tempo e recua a 1867, ano em que foi publicada a que é considerada uma das primeiras charges políticas da nossa história, desenhada por Ângelo Agostini.

Advogados Contra Ditadura


A série Advogados Contra Ditadura também estreia na próxima segunda-feira, dia 24 de março. É composta por cinco episódios, cada um com 52 minutos. Entra na grade da TV Brasil de segunda a sexta, às 23h30, e faz um apanhado do papel estratégico da Justiça Militar durante o regime e presta uma homenagem aos advogados que estiveram na defesa de presos políticos.
Advogados Contra Ditadura se tornou uma série graças ao olhar precioso de um dos maiores documentaristas brasileiros, Silvio Tendler, conhecido como o “cineasta dos vencidos” ou “o cineasta dos sonhos interrompidos” por abordar em seus filmes personalidades como Jango, JK, Carlos Marighella, entre outros. Silvio Tendler já produziu cerca de 40 filmes e agora vai contar, na TV Brasil, memórias de homens e mulheres fundamentais na luta contra as atrocidades cometidas pelo Estado: os advogados que atuaram na defesa de presos políticos.

A série foi realizada em parceria com o Projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

A ideia da série surgiu do livro Advogados e a Ditadura de 1964 – A defesa dos perseguidos políticos no Brasil, organizado pelos professores Fernando Sá, Oswaldo Munteal e Paulo Emílio Martins. Foi lançado em 2010 pela editora PUC-Rio e tomado como inspiração para a série que teve direção de Silvio Tendler.

O primeiro episódio de Advogados Contra Ditadura, na segunda, dia 24 de março às 23h30, narra os primeiros dias do golpe e como eles foram vivenciados pelos advogados que viriam a atuar na defesa dos presos políticos: conflito da Cinelândia, a resistência armada que não houve, a prisão dos advogados de esquerda, a resistência dos estudantes, o primeiro estádio usado como prisão da América Latins, entre outros assuntos com depoimentos de Técio Lins e Silva, Modesto da Silveira, Eny Moreira, Sepúlveda Pertence, Ivan Proença e Cecília Coimbra.

Militares pela Democracia

TV Brasil também vai exibir uma segunda série sobre o tema criada especialmente por Silvio Tendler. Militares pela Democracia entra no ar no dia 31 de março e fala sobre os homens do exército, da Marinha e da Aeronáutica que sofreram por reagir ao golpe dentro dos quartéis. "Sempre penso em como enfrentar injustiças e a censura, seja ela qual for. Foi assim que surgiu a ideia de realizar a série sobre os advogados, mas fiquei instigado em fazer seu irmão gêmeo, para mostrar também como nem todos os militares perseguiram, torturaram e foram algozes nessa história. Alguns se viram expulsos das Forças Armadas, cassados, tiveram suas vidas sacrificadas por conta da ditadura", conclui o cineasta.

Em Militares da Democracia, também realizada em parceria com o Projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, retoma-se o percurso de vários grupos de militares que muito antes do golpe de 1964 já vinham se organizando por novos direitos, melhores condições de trabalho, e na defesa de uma sociedade melhor. E como, a partir de 1964, esses distintos grupos passaram a ser tratados, sofrendo represálias, como a perda do direito de usar a farda, de seus direitos trabalhistas, assim como foram impedidos de exercer suas atividades profissionais.

TV Brasil


Resistir É Preciso – estreia no dia 24 de março, às 19h30 (de segunda a sexta, com dez episódios)
Advogados Contra Ditadura – estreia no dia 24 de março, às 23h30 (de segunda a sexta, com cinco episódios)
Militares pela Democracia – estreia no dia 31 de março, às 23h30 (de segunda a sexta, com cinco episódios)


Sintonize a TV Brasil:


RJ/TV aberta – canal 2 VHF e 32 UHF (transmissora da zona rural)
Em SP, canal digital 63 UHF
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Encontro nacional reafirma abertura da Copa do Mundo terá manifestações em grandes cidades

A abertura da Copa do Mundo será acompanhada de grandes manifestações populares, em diversas cidades do país. 12 de junho foi escolhida como a data de início da Jornada de Mobilizações “NA COPA VAI TER LUTA”, organizada pelas entidades que se reuniram no Encontro Nacional do Espaço de Unidade de Ação, neste sábado, dia 22, em São Paulo. Após oito horas de discussões, cerca de 2,5 mil pessoas de diferentes entidades sindicais, estudantis, sociais e populares aprovaram o manifesto “Carta de São Paulo: Vamos voltar às ruas – Na Copa vai ter luta”  e o calendário de mobilizações. O Encontro aconteceu na Quadra do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.   

O manifesto ressalta os recursos destinados pelos governos federal e estaduais às obras da Copa do Mundo, em detrimento de serviços públicos para a população.   “A Copa do Mundo é mais uma expressão desta política desigual que privilegia poderosos e impõe situação de penúria à maioria da população. O governo federal e dos estados estão gastando mais de 34 bilhões de reais com a construção e reforma de estádios, aeroportos outras obras para a Copa, dinheiro colocado nas mãos de empreiteiras, enquanto a população pobre é despejada de suas casas para dar lugar a essas obras”, diz um trecho do manifesto.   Como forma de protestar contra essa situação, as entidades participantes pretendem mostrar ao mundo o destino dado ao dinheiro público, com gastos abusivos na construção de estádios e infraestrutura, em que os grandes beneficiados são a Fifa e empreiteiras.   

“Nós queremos recursos públicos para saúde, educação, moradia, transporte público e reforma agrária!”, diz ainda o manifesto (veja a íntegra no final deste texto).   Durante o encontro, aconteceu também uma passeata na Radial Leste, em São Paulo, para dar um alerta à presidente Dilma Rousseff: “Dilma, escuta, na Copa vai ter luta”, gritavam os manifestantes. Cerca de 2,5 mil pessoas ocuparam a avenida, entre as 14h e 14h30 deste sábado.   (SEGUE LINK DE VÍDEO DA PASSEATA: http://www.youtube.com/watch?v=4V2C59qq_V4&feature=youtu.be   Leia o manifesto, final, atualizado nesta segunda-feira (24)   CARTA DE SÃO PAULO Vamos voltar às ruas! NA COPA VAI TER LUTA   Chega de dinheiro para a FIFA, grandes empresas e bancos! Recursos públicos para saúde, educação, moradia, transporte público e reforma agrária! Basta de violência e de criminalização das lutas populares! Ditadura nunca mais!   O país se prepara para a Copa do Mundo, nosso povo gosta de futebol e quer apoiar a seleção brasileira. O governo e a mídia tratam de transformar tudo isso em uma grande festa nacional e internacional.  Mas nada disso pode esconder uma certeza: o Brasil vai se consagrando como campeão da desigualdade, injustiça, exploração e violência contra seu próprio povo.   

Estamos convivendo com o caos da saúde pública, o descaso com a educação, a precariedade do transporte e nos serviços públicos, nas três esferas, assim como a falta de moradia e de terra para plantar e produzir alimentos. Desde junho do ano passado este tem sido o grito cada vez mais alto dos trabalhadores e da juventude brasileira. Os governos –federal, estaduais e municipais – não atendem as reivindicações dos que lutam. Nunca tem verbas para atender as necessidades do povo.   

Para bancos e grandes empresas nunca faltam recursos. O governo isenta as empresas de pagar impostos, repassa quase metade do orçamento para os banqueiros todos os anos através do pagamento da dívida pública. Além disso, o patrimônio publico é privatizado e entregue aos empresários, do petróleo aos portos, aeroportos e estradas.   Isto condena os trabalhadores a uma condição de vida cada vez pior. Dentro da classe trabalhadora, as mulheres, negros e negras e LGBT’s sofrem ainda mais com essa política, pois estão também sujeitos a toda sorte de discriminação e violência. Na periferia das grandes cidades a única presença visível do Estado é a da polícia, promovendo um verdadeiro genocídio contra a juventude e a população pobre e negra.   As mobilizações dos trabalhadores e demais segmentos são violentamente atacadas pela polícia. Há uma escalada militarista e um processo de criminalização dos ativistas e jovens lutadores, com prisões, inquéritos policiais e administrativos, e demissões dos que lutam. Esta política tem sido praticada pelos governos dos estados (PMDB, PSDB, PSB, PT e etc).   

Mas o governo Dilma segue o mesmo caminho, colocando a Forca Nacional de Seguranca e o Exército Brasileiro a serviço da repressão das lutas populares. Tudo isso acontece quando se completam os 50 anos da instauração da ditadura militar no Brasil. Ao invés de punir os torturadores do passado e revogar toda a legislação antidemocrática faz o contrário, não atende as necessidades da população e quer impedir o povo de lutar por seus direitos, assim como na ditadura. Lamentável!   Os trabalhadores estão lutando e buscando fazer ouvir a sua voz. Assim o fizeram os garis do Rio de Janeiro, em pleno carnaval carioca mostraram ao mundo a real situação a que são submetidos. Assim também fizeram os rodoviários de Porto Alegre (RS), os operários do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) e tantas outras categorias, como os servidores federais que estão iniciando sua campanha salarial deste ano. O movimento popular luta sem trégua por moradia e por melhores condições de vida nos bairros.   

Na Copa, vamos ocupar as ruas   A Copa do Mundo é mais uma expressão desta política desigual que privilegia poderosos e impõe situação de penúria à maioria da população. O governo federal e dos estados estão gastando mais de 34 bilhões de reais com a construção e reforma de estádios, aeroportos outras obras para a Copa, dinheiro colocado nas mãos de empreiteiras, enquanto a população pobre é despejada de suas casas para dar lugar a essas obras.   Chega! Vamos dar um basta nesta situação. Vamos apoiar e unificar as lutas que já estão em curso e unificar as nossas bandeiras. Voltaremos às ruas com grandes mobilizações sociais em todo o país no período da Copa do Mundo. Vamos mostrar ao mundo que o que acontece de fato no Brasil é a destinação do dinheiro público para as mãos de poucos beneficiados, entre eles a Fifa, grandes empresas e bancos. Nós queremos recursos públicos para saúde, educação, moradia, transporte público e reforma agrária!   Vamos voltar às ruas!   

Nossas reivindicações:   - Chega de dinheiro para a Copa, Fifa e para as grandes empresas! Recursos públicos para a saúde e educação! 10% do PIB para a educação pública, já! 10% do orçamento federal para a saúde pública, já!   - Chega de dinheiro para os bancos! Suspensão imediata do pagamento das dívidas externa e interna! Dinheiro para a moradia popular e para o transporte coletivo! Tarifa zero já! Transporte e moradia são direitos de todos!   - Chega de arrocho salarial e desrespeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras! Fim do fator previdenciário! Aumento das aposentadorias! Anulação da reforma da Previdência de 2003 e do Funpresp!   - Respeito aos direitos dos trabalhadores assalariados do campo e agricultores familiares! Reforma agrária e prioridade para a produção de alimentos para o povo!   - Chega de privatizações! Reestatização das empresas privatizadas! Petróleo e Petrobras 100% estatal! Estatização dos transportes!   - Basta de machismo, racismo, homofobia e transfobia!   - Respeito aos direitos dos povos originários, quilombolas e indígenas!   - Basta de violência, repressão e criminalização das lutas sociais! Desmilitarização da PM!  Arquivamento de todos os inquéritos e processos contra movimentos sociais e ativistas! Liberdade imediata para todos os presos! Revogação das leis que criminalizam a luta dos trabalhadores e da juventude! Ditadura nunca mais!   Plano de lutas   Vamos transformar nossa indignação em um amplo processo de mobilização social para defender nossas demandas e reivindicações. Lançamos este Manifesto como um chamado a todos e todas que neste pais querem lutar por uma vida melhor. E orientamos a realização de encontros e plenárias em todos os estados, que reúnam todos os lutadores e lutadoras de cada região, preparando de forma concreta as mobilizações previstas no calendário de lutas.   Calendário   A organização das manifestações começa efetivamente em abril e maio, com a realização de plenárias nos estados. Entre os dias 1º e 3 de maio, acontecerá o I Encontro de Atingidos por Megaeventos e Megaempreendimentos, em Belo Horizonte (MG). Haverá ainda o Dia Internacional contra as Remoções da Copa, marcado para 15 de maio. Segue abaixo o calendário.   - 22 de março: Encontro Nacional “Na Copa vai ter luta”.   - Abril e Maio: Realização dos encontros plenárias nos estados para organizar o calendário de lutas.   - Abril: Realização de um ato nacional contra a criminalização das lutas, dirigentes e ativistas, da população pobre e de periferia, vinculando ao aniversário dos 50 anos do golpe militar de 1964. Ampliar essa iniciativa para além dos movimentos sociais, procurando outras entidades como a OAB, ABI, Comissão Justiça e Paz, Comissões de Direitos Humanos etc.   - 28 de abril:  Dia de luta e denúncia dos acidentes de trabalho.   - Abril e maio: Jornada de lutas convocada por vários segmentos do movimento popular para defender o direito à cidade (moradia, transporte e mobilidade, saneamento etc.).   - 1º de maio: O Dia Internacional do Trabalhador/a será com a organização e participação em atos classistas.   - 1º a 3 de maio: I Encontro de Atingidos por Megaeventos e Megaempreendimentos (Belo Horizonte – MG).   - 15 de maio: Dia Internacional contra as Remoções da Copa.   - 12 de junho: Abertura da Jornada de Mobilizações “NA COPA VAI TER LUTA”, com grandes mobilizações populares em todas as grandes cidades do país.   - Período dos jogos da Copa: realização de manifestações nos estados conforme definição dos encontros e plenárias estaduais   - 15 e 16 de julho: Mobilizações contra a Cúpula dos BRICS (Fortaleza).   - 1º a 7 de setembro: Semana da Pátria e Grito dos/as Excluídos/as, com o lema: “Ocupar ruas e praças por liberdade e direitos”.     Entidades que assinam o manifesto “Carta de São Paulo”:   

CSP-Conlutas 
A CUT Pode Mais (RS) 
Feraesp 
Condsef 
Jubileu Sul 
Fenasps 
Andes-SN 
Sinasefe 
FNTIG 
FNP 
Conafer 
Cobap 
Asfoc 
Sindicato dos Metroviários de São Paulo 
CPERS Simpe (RS) 
APCEF (RS) 
Sindserf (RS) 
Sindjus (RS) 
Sindicato dos Aeroviários (RS) 
ANEL 
MTL
 Luta Popular 
Quilombo Raça e Classe 
MML 
Coletivo Construção 
Juntos

1º Encontro Nacional de Negras e Negras da CSP-Conlutas é sucesso com a presença de 1.500 pessoas

Encontro  aprova resoluções sobre campanha contra a violência racista na Copa e sobre a  organização dos Negros e Negras da CSP-Conlutas    A abertura do 1º Encontro Nacional de Negras e Negros da CSP-Conlutas, que ocorreu neste domingo (23), no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, foi emocionante. As cerca de 1.500 pessoas que lotaram o plenário mostraram sua determinação e disposição e unidade para dizer “Chega racismo, exploração e dinheiro para a Copa”.   Veja também: Encontro de Negr@s da CSP-Conlutas destaca a importância da aliança internacional   O membro do Quilombo Raça e Classe e também do Setorial de Negros e Negras da CSP-Conlutas, Wilson Honório, antes do anúncio da composição da mesa de debates, saudou os presentes. Disse que simbolicamente a mesa era composta também personalidades históricas da luta contra o racismo, machismo, e de luta contra as opressões. Entre os nomes citados, estavam Zumbi dos Palmares, Rosa Park, Solano Trindade. Também lembrou dos que tombaram recentemente e se tornaram símbolo da luta contra o racismo e contra o machismo, como Claudia e Sandra  e tantos outros.   A mesa foi composta pelo representante do Moquibom do Maranhão, Antonio Lambão, pela integrante Luta Popular, Helena Silvestre, pelo dirigente do Andes-SN, Gean Santana, representando a CSP-Conlutas, Julio Condaque, do Quilombo Raça e Classe e Tamiris Rizzo,  o integrante da Frente Nacional em Defesa do Território Quilombola,  Nelson Morale,  a representante da Comissão Organizadora do Encontro  Maristela Farias, e a representante do GT de Negros do Sinasefe, Eugênia Tavares Martins.   Gean foi mediador da mesa e também saudou a todos dizendo que sentia grande emoção em participar dessa atividade, considerada por ele, histórica.   Compartilhou da mesma opinião o membro da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas, Julio Condaque. O dirigente resgatou seu histórico de mais de 25 anos de militância. “Para nós que temos mais tempo de luta esse encontro representa um marco. Podem ter certeza que nós incomodamos o governo”, ressaltou.   Lembrou-se de sua militância desde 2001 quando a entidade que fazia parte se desfiliou da CUT, e  da importância da reorganização e seu fortalecimento. “Hoje, essa reorganização sela um desafio que foi o espaço de unidade de ação. De unificar todos os lutadores contra a copa e contra o racismo. Por isso esse encontro vai apontar uma direção”, frisou.   A integrante do Luta Popular, Helena Silvestre, com a voz embargada pela emoção parabenizou a todos pela realização do Encontro. “A emoção é muito forte. Nós não queremos só trabalhadores aqui, mas também que deem espaço para os oprimidos. Somos nós que estamos submetidos a todo o tipo de exploração e opressão. Somos aqueles que são transformados em mercadoria. Temos que disputar nossos espaços. A nossa cultura de resistência para que os negros possam se reconhecer na sua história que é a história da classe trabalhadora”, disse emocionada.   A luta dos povos quilombolas foi salientada pelo integrante do Moquibom do Maranhão, Antonio, que fez a exigência da necessidade da titulação dessas terras. Criticou o governo que em sua avaliação está sucateando o Incra. “Mas estamos lutando e desde 2005, são mais de 100 entidades, para ajudar nossos irmãos. Nosso foco principal é luta pelos territórios livres. Nos unimos a entidades e a povos como a  CSP-Conlutas, Quilombo e  Anel e para lutar por educação, saúde, transporte, mas fundamentalmente também queremos as terras tituladas  para plantar, não queremos bolsa do governo”, completou.   Tamiris também muito emocionada falou em nome do Quilombo Raça e Classe sobre os recentes casos de racismo. “Choramos pela morte de Claudia. Mas estamos aqui resistindo respondendo contra o racismo”, disse. Citou também os outros casos de racismo, como os do pedreiro Amarildo, justiceiros.   A representante do Quilombo Raça e Classe também criticou a Copa  que colocou uma lente de aumento para o racismo que ocorre no país há quatro séculos. Criticou o PT de Dilma e Lula que em dez anos de governo tem uma dívida com negras e negros do país.  “Não foi capaz de acabar com a desigualdade entre negros e não negros. Ainda ganhamos 30% a menos do que os não negros. Mas isso ocorre porque o governo privilegia empresário e banqueiros e não os trabalhadores negros e negras”, destacou. Segundo ela, no país morrem em média 150 negros por dia.   “Vamos organizar os negros a para assumir sua negritude sob a perspectiva de raça e classe. Trabalhadores garis, operários do Comperj e rodoviários deram o exemplo. Nós, negros, que vivemos essa exploração e racismo temos a  tarefa histórica de sermos vanguarda na classe trabalhadora”, reafirmou, também emocionada.   A representante do Sinasefe, Eugênia fez uma saudação a todos os presentes e abordou a importância de se fazer nos sindicatos a discussão sobre o racismo. “Entendemos a importância dessa luta que precisa ser cíclica. A educação é a base. Trabalhar a questão racial e desmascarar o mito da democracia racial, leis que prejudicam os negros, e lidam com as opressões”, pontuou.   Nelsinho da Frente Negra Quilombola também destacou a importância da educação para combater o racismo. “Tivemos um avanço nesse sentido nas comunidades quilombolas. Uma das vertentes é com a questão da educação, fizemos um trabalho para acabar com o analfabetismo”, destacou. Ao final, homenageou sua mãe que tombou e “não pode ver em vida o seu quilombo titulado”, completou: “é em sua memória que vamos fazer a luta. Axé a todos os quilombos”, finalizou.   Logo em seguida, a mesa abriu para as saudações de representações de diversos segmentos. Garis de Niterói, indígenas da Aldeia Maracanã, companheiros do Comperj, e as representações internacionais da África do Sul.   O companheiro Rasta do Comperj informou que sairia fortalecido daquele encontro. “Travamos uma luta contra o sindicato pelego eles podem me matar, mas a luta continua. Amanhã vamos fazer uma paralisação junto com as mulheres que trabalham na cozinha”, disse. Uma trabalhadora da cozinha fez o uso da palavra e disse que vai lutar junto com os operários do Comperj. “Sem a gente o Comperj não vai andar. Nós mulheres decidimos que amanhã nossa luta vai continuar”, disse.   O gari Luiz Fernando também deu sua contribuição “estou nessa luta, pois quero estar junto aos negros e negras e alcançar o que é de cada um de nós”.   As representações da África do Sul do movimento estudantil, Thando Manzi, e o representante da organização sindical dos metalúrgicos NUMSA , Hlokoza também saudaram o plenário.   Thando  disse que estava feliz por estar ali. “Estou feliz em estar participando desse capitulo da historia e levar comigo hoje esse momento. Nós somos parte dessa luta internacional que também tem cor”, disse.   Hlokoza falou que o racismo sobre  o regime democrático é algo que acontece de forma velada. E finalizou, “precisamos acabar com o sistema capitalista, não vamos esperar mais 500 anos para ter o mesmo salários que os brancos”, disse.   As saudações também foram feitas pelos militantes da Anel, do MML, setorial LGBT, da Anel que também fizeram saudações ao plenário.   Além de representantes das organizações  LRS, LER e POR. Todas as falas convergiram na importância do combate ao racismo e na unidade de todos para combatê-la.   Ao final, Julio pediu um minuto de silencio em homenagem a todos os negros  que tombaram. Ao final entoou junto com o plenário:   Todos, presente! Todos, presente! Todos, presente!   Em seguida a mesa de abertura saudou os presentes que se reuniram em 13 grupos de trabalho.   Tudo o que for discutido nos grupo, bem como moções, serão enviadas num relatório final do encontro.   Encontro aprova resoluções sobre campanha contra a violência racista na Copa e de organização dos Negros e Negras da CSP-Conlutas   Na volta do almoço foi apresentada duas resoluções, uma  sobre a violência racista e a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, outra resolução é sobre a organização de negras e negros na estrutura da base, para ser votada pelo plenário. Ambas foram aprovadas pelo plenário.   Confira abaixo, as resoluções aprovadas:   Resolução sobre a violência racista e a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza   Considerando:   

1. Que a violência, nas suas mais diversas manifestações, tem marcado a vida e a história de negros e negras desde que nossos ancestrais foram sequestrados da África, num projeto perverso e cruel que tentou, desde sempre, “coisificá-los” e desumanizá-los para satisfazer os interesses da elite branca capitalista. 

2. Que, após quase 400 anos de escravidão, negros e negras ingressaram no mundo do trabalho assalariado predominantemente nos serviços mais pesados e precarizados, quando não no completo desemprego e marginalização, ficando expostos às piores condições de vida e, consequentemente, imersos na violência cotidiana das moradias precárias, do transporte desumano, da falta de acesso à saúde, à educação ou qualquer tipo de direitos ou serviços. 

3. Que as políticas compensatórias e reformistas desenvolvidas nos 10 anos de governo da Frente Popular não têm contribuído para reverter esta situação. Pelo contrário, a adoção do projeto neoliberal pelo governo petista, só tem acirrado o racismo e suas consequências, em particular a violência. 

4. Que, desde o início, o projeto da Copa construído pelos governos (federal, estaduais e municipais) e a FIFA (em benefício dos empresários e banqueiros) tem significado um acirramento desta violência em relação a todos os trabalhadores, mas particularmente em relação aos mais explorados e oprimidos, através, por exemplo, de despejos, ataques higienistas (remoções forçadas, expulsão de pobres – majoritariamente negros e negras – dos centros das cidades-sede etc.) e a quilombos e comunidades de povos originários. 

5. Que, também como reflexo da Copa, negros e negras tem sido ainda mais expostos a trabalhados insalubres e perigosos, sendo a maioria daqueles que fazem os serviços mais pesados na construção civil e nas obras do PAC, nas terceirizadas, bem como nos serviços de limpeza etc. O que, particularmente na construção dos estádios, já resultou na morte de vários operários. 

6. Que, na atual situação, a população negra é vítima cotidiana de um processo de genocídio e higienização social que atravessa todas as políticas do governo petistas e seus aliados e cujos efeitos podem ser constatados em dados como os seguintes: a) a possibilidade de um jovem negro ser assassinado no Brasil é 135% maior do que a de um branco (dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade – 53,3% — dos 49.932 mortos por homicídios, no Brasil, em 2010, eram jovens, dos quais 76,6% eram negros; b) segundo o “Mapa da Violência, 2012”, entre 2002 a 2010 foram registrados\ 272.422 assassinatos de negros, sendo 34.893 só em 2010 e que, como exemplo da cumplicidade da Frente Popular, entre 2002 e 2010 houve uma redução de 24,8% nos homicídios de jovens brancos entre 15 e 24 anos, contra um aumento de 36% no assassinato de negros. 

7. Que, como também temos presenciado, a imposição do projeto da Copa, bem como a crescente insatisfação popular, particularmente a partir de Junho de 2013, têm sido encarados pelos governos com um grau sem precedentes de repressão aos movimentos sociais e o emprego de forma cada vez mais violenta da Política Militar e dos aparatos de repressão (orientados e amparados pela fascista “Lei de Garantia e da Ordem”), o que já resultou em milhares de presos, centenas de feridos e, inclusive, mortos entre os que saíram às ruas para protestar. Que este projeto tem se combinado com processos anteriores, como, por exemplo, a implementação da UPPS’s no Rio de Janeiro, que já significaram um aumento enorme nos índices de genocídio da juventude negra e repressão da população em geral. Uma situação que tem feito que ganhe cada vez mais força a reivindicação pelo fim das PM e forças de repressão. 

8. Que Amarildo, Douglas, Jean e, recentemente, Claudia, dentre tantos outros, são lamentáveis exemplos do processo de genocídio a que nos referimos e do destino que o governo petista e o sistema que ele defende reserva a negros e negras. 

9. Que a combinação de todos os fatores da atual conjuntura tem aumentado a polarização racial no país (tanto através do aumento de ataques quanto do maior número de denúncias), algo expresso em lamentáveis exemplos como a de jovens negros acorrentados a postes (e, ainda, atacados pela mídia, como foi o caso da jornalista Sherazade, do SBT); violentos ataques racistas nos campos de futebol etc. 

10. Que toda e qualquer forma de violência é particularmente perversa em relação às mulheres negras entre as quais a combinação de racismo e machismo resulta em ataques físicos, assédio moral e sexual, super exploração etc. Algo que, como já temos visto, só tem piorado com a Copa do Mundo, particularmente no que se refere à exposição ao turismo e à exploração sexual (como ficou evidente na asquerosa camiseta comercializada pela Adidas). 

11. Que a CSP-Conlutas e as entidades a ela filiadas, desde sua fundação e em seus princípios, defendem a luta contra toda forma de opressão e suas consequências no cotidiano da vida dos trabalhadores e da juventude, através da ação direta e na luta pela reorganização sindical e política dos movimentos, dentro de uma perspectiva classista e de transformação socialista da sociedade. 

O I Encontro do Setorial Negros e Negras da CSP-Conlutas resolve: 1. Desenvolver uma ampla campanha, na base da CSP-Conlutas e em aliança com as organizações que se articularam em torno do Espaço Unidade de Ação e do movimento negro combativo em torno do tema“Chega de dinheiro para os patrões, banqueiros e a FIFA: contra violência racista na Copa!”, englobando todos os aspectos da violência (inclusive a provocada pela falta de acesso aos serviços públicos básicos), mas centrada no tema do genocídio negro e do avanço do aumento da repressão e da militarização. 2. Que a Campanha tenha como base o mesmo calendário de lutas que será aprovado no Encontro do Espaço Unidade de Ação, o que significa, por exemplo, a confecção de faixas voltadas para o tema para os atos, a formação de colunas de negros e negras nestas atividades e a inclusão dos temas da Campanha em todos os materiais e debates que promovamos neste período, procurando apoiar-se tanto nos dados gerais quanto naqueles específicos a cada setor ou categoria. 3. Que um dos eixos desta campanha seja a luta pela desmilitarização das polícias, visando o fim de todas as polícias. 4. Que durante a campanha seja dada a devida ênfase e particularidade ao tema do turismo sexual e a luta contra violência à mulher negra e às mulheres trans e conseqüente mercantilização de seus corpos. 5. Que, como parte da campanha, sejam tomadas iniciativas institucionais tanto como forma de denúncia como para apoiar as vítimas (apoio jurídico, denúncia às cortes internacionais) e defender, juridicamente, os companheiros e companheiras que têm sido criminalizados. 6. Fortalecer a luta pela descriminalização das drogas e fim do tráfico, pois são uma das principais justificativas para o extermínio da população negra. 7. Aprofundar a discussão e atuar para fortalecer a autodefesa e resistência do movimento, contra a repressão policial nas manifestações e periferias. 8. Combate a discriminação religiosa, que também se materializa em preconceito e violência contra o povo negro e sua cultura. 9. Combate ao racismo institucional, que respalda a violência racista e promulga o mito da democracia racial por meio de várias instituições (como a escola e a imprensa) e também, na forma de não fazer valer os direitos já conquistados pela população negra, como a aplicação da Lei nº10.639 e o trato do racismo como crime. Segunda resolução Resolução sobre a organização de negros e negras na estrutura e base da CSP-Conlutas Considerando: 1. Que, no interior dos movimentos sociais – sindical, estudantil, de mulheres, LGBT, popular etc. –, um dos principais reflexos do “mito da democracia” é a “invisibilização” da questão racial em todos seus aspectos – da história às reais condições de vida de negros e negras –, o que faz com que a abordagem sobre os temas relacionados ao racismo seja formal, secundarizada ou simplesmente menosprezada. 2. Que reverter esta situação é uma tarefa extremamente difícil, já que esta postura está profundamente enraizada na própria história dos movimentos operário e sociais do Brasil, particularmente pela forte tradição que o populismo (fortemente alicerçado no mito da democracia racial) e o stalinismo (que , na prática, sempre se recusou a fazer um debate de raça e classe) tiveram em nossa história. 3. Que os efeitos sociais, econômicos e ideológicos do racismo têm como uma de suas consequências a maior dificuldade que negros – e muito particularmente as mulheres negras – têm em se organizar e participar do dia a dia das entidades do movimento, o que se reflete na presença “racialmente desproporcional” nas direções e inclusive militância das categorias (o que pode ser facilmente verificado particularmente naquelas em que a base é formada majoritariamente por negros e negras). 4. Que a ideologia racista está profundamente enraizada no interior da classe trabalhadora e da juventude (sendo propagandeada cotidianamente pelos instrumentos de “formação” da burguesia, como o sistema educacional, os meios de comunicação etc.), o que faz com que, pela falta de um “contradiscurso” (classista e anti-racista), trabalhadores e jovens reproduzam toda e qualquer forma de preconceitos e discriminação, o que, evidentemente, divide a classe e os lutadores. 5. Que, em consequência de tudo isto, negros e negras têm enormes dificuldades para se identificar com os movimentos (e, consequentemente, suas políticas), exatamente por não “se verem” na estrutura e atuação das entidades, o que é um enorme obstáculo para qualquer projeto de mudança social em um país composto majoritariamente por negros e negras. 6. Que a CSP-Conlutas, desde seu processo de fundação, tem se caracterizado por lutar para romper esta tradição, a começar pelo seu caráter “sindical e popular” e a inclusão, em suas fileiras, dos movimentos de combate ao machismo, ao racismo e à homofobia. Contudo, exatamente pelos motivos apontados acima, este é um processo extremamente difícil que necessita medidas concretas e permanentes que busquem trazer negros e negras para nossas fileiras. 7. Que a realização dos Encontros do Espaço de Unidade de Ação e do Encontro de Negros e Negras da CSP-Conlutas e, principalmente, as mobilizações que ocorreram no próximo período, irão, certamente, colocar milhares de negros e negras em contato com a Central e suas entidades, muitos deles procurando uma alternativa de organização. O I Encontro do Setorial de Negros e Negras resolve: 1. Que as direções de todas as instâncias da CSP-Conlutas – suas coordenações nacional, estaduais e regionais; as diretorias sindicais; as coordenações dos movimentos popular, estudantil, LGBT e de mulheres e dos grupos do movimento negro combativo; bem como as minorias e oposições – tenham como uma de suas tarefas prioritárias a organização e implementação da Campanha contra a violência racistas na Copa, que deve ser tomada como parte de uma política permanente de incentivo à construção de Secretarias, Setoriais, Coletivos ou qualquer outra forma de estrutura destinada a organizar negros e negras, no interior das entidades, na base das categorias e setores (como os movimentos negros etc.). Essa Campanha deve continuar após a Copa, denunciando o extermínio da juventude e do povo negro da periferia, que já acontecia antes da Copa e que se refletiu nos casos do Amarildo, Douglas, Jean e Claudia. 2. Que a exemplo do que já foi feito em algumas entidades – como a Secretaria de Combate ao Racismo do Sindicato dos Metroviários (SP) – as entidades filiadas a CSP-Conlutas realizem censos e pesquisas que auxiliem a entidade a fazer uma análise mais objetiva e concreta da situação de negros e negras em suas bases, com objetivo de construir políticas concretas que respondam à “realidade racial” da categoria e suas demandas. 4. Que as instâncias da CSP-Conlutas – a começar por suas coordenações – promovam uma política de formação em torno do tema racial, através de cursos e palestras que visem atacar os problemas apontados acima. Neste sentido, estes cursos devem abordar tantos aspectos ideológicos e históricos, como também servir para armar a militância para o cotidiano de suas lutas e atividades, como, por exemplo, atividades de formação em torno de temas como “saúde da população negra”, “aplicação da lei 10.369”, “comunidades quilombolas” etc. Estes cursos devem ser formulados em parceria com o Setorial e aliados da CSP-Conlutas nos projetos de formação, como o Ilaese; como também em propostas formuladas pelos membros do Setorial, como o curso “Globalização e Racismo”, que já vem sendo oferecido pelo Quilombo Raça e Classe. 5. Que além de garantir publicações especiais nas datas simbólicas da luta contra o racismo – Dia Internacional de Combate ao Racismo (21/03), Dia 14 de maio Dia de discussão e de luta pós fim da escravidão; Dia de Protesto Contra a Ocupação do Haiti (01/07), Dia latino americano e caribenho da Mulher Negra (25/07) e Dia Nacional da Consciência Negra (20/11) – as instâncias da CSP-Conlutas adotem a política de publicar regularmente materiais (como cartilhas, boletins especiais etc.) que auxiliem no debate sobre o racismo e na armação da militância. No mesmo sentido, que, em base a dados concretos, se procure sempre dar um “corte” de raça e classe nos materiais publicados regularmente pelas entidades (jornais, boletins etc.). 6. Que nos processos eleitorais, as chapas em que os militantes da CSP-Conlutas participem abordem o tema racial em seus programas e debates. 7. Que, como parte de seus esforços internacionalistas, a CSP-Conlutas – a exemplo do que vem sendo feito, através de viagens a Inglaterra e a África do Sul – estimule a troca de experiência e o desenvolvimento de parcerias e campanhas em relação ao racismo, tema que deve ser levado a todas iniciativas internacionais que a Central tem desenvolvido. 8. Que a CSP-Conlutas discuta nas suas instâncias a realização de encontros de negros e negras com mais freqüência e que reflita nos seus congressos esse debate. 9. Incentivar a construção de espaços de auto-organização de negras e negros para que sejamos protagonistas das construção das lutas. 10. Incentivar a construção de comitês de base que organizem as lutas das negras e negros e nível local, acumulando para futuros encontros nacionais.     11. Campanha contra a impunidade e pelo julgamento dos assassinos de Quilombolas (negros e índios). Contra a violência no campo e pela Reforma Agrária.    

Exportação 'oculta' pelo agronegócio daria para abastecer 1,5 bi de pessoas

Por Liana Melo
Do Valor 

O Brasil é o quarto maior exportador de água virtual do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Índia. São 112 quilômetros cúbicos (km3) de água que saem anualmente do país sob a forma de soja, frango, açúcar, café, carne bovina e uma enorme lista de produtos manufaturados. Como para atender às necessidades básicas de higiene, saúde e bem-estar uma pessoa consome em média 200 litros de água por dia, o volume de água virtual que o país exporta seria suficiente para abastecer 1,5 bilhão de pessoas, o que significaria sete vezes e meia a população brasileira.
A grandiosidade desses números traduz o excesso de consumo de água nos processos produtivos. O Brasil, apesar da seca que impera no semiárido, é um país rico em recursos hídricos e dono de solos agricultáveis espalhado por diferentes regiões. Não à toa essa vantagem comparativa acaba saindo de graça daqui. Países com escassez de água preferem, por sua vez, seguindo uma lógica do mercado, importar água virtual, por meio da compra de produtores alimentícios ao invés de usar seus limitados recursos hídricos para a produção agrícola interna.
Os maiores importadores de água virtual do mundo são, pela ordem de grandeza, EUA, Japão, Alemanha, China e Itália. O Brasil não consta da lista dos grandes importadores do mundo.
"Qualquer país que almeja a preservação e a conservação dos seus recursos naturais deve ter estudos que avaliem as demandas hídricas das suas commodities agropecuárias", avalia Julio Palhares, da Embrapa, que está à frente do estudo sobre a "Pegada Hídrica da Produção Animal". "O Brasil deve ter estudos que avaliem essa demandas, caso contrário, o país sempre será refém de estudos internacionais."

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O levantamento comandado pela Embrapa está previsto para ficar pronto em 2016 e a maior dificuldade para concluí-lo vem sendo, segundo Palhares, a inexistência de uma cultura hídrica nas cadeias de produção de bovinos, de suínos e das aves. A empresa está trabalhando em parceria com a TNC (The Nature Conservancy) e com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
O estudo é uma resposta aos cálculos internacionais que apontam um consumo de 15,5 mil litros de água para produzir um quilo de carne bovina. A pegada hídrica da cadeira produtiva do setor, computada do campo à mesa do consumidor, há anos é contestada por empresários do agronegócio.
Eles dizem que aqui não se adota o sistema de confinamento, como ocorre em outros países produtores. Daí vem uma certeza, ainda não comprovada, de que a pegada hídrica da produção animal no país seja bem menor. O Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina do mundo e o terceiro em aves. Em ambos os casos, o país é o maior exportador mundial.
"O valor da água no preço das commodities precisa ser incluído no preço final dos produtos", defende Arjen Hoekstra, criador do conceito de pegada hídrica, no início dos anos 2000.
Por email, Hoekstra explicou que "essa precificação deve levar em consideração as diferentes realidades do país", que combina áreas secas com regiões ricas em recursos hídricos.
Ao lado da pegada de carbono e a ecológica, a pegada hídrica, que é divulgada pela ONG Water Footprint Network, é a menos famosa. Todas tentam entender os sistemas de produção como elos de uma cadeia, que se inicia na geração de insumos e termina na oferta de produtos ao consumidor.
"A falta de preparação para situação de escassez de água nos países emergentes, mesmo em países como o Brasil, é uma receita para o desastre", alerta o australiano Michael Young, do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide e um dos autores do capítulo sobre água do estudo apresentado pelas Nações Unidas durante a Rio + 20.
O gerente de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan, não concorda com esse tipo de análise. "A soja brasileira se abastece exclusivamente da água da chuva."
O coordenador do Programa Água para a Vida do WWF-Brasil, Glauco Kimura de Freitas, defende uma gestão hídrica mais responsável. "Como apenas 10% da nossa produção agrícola é irrigada, nossa pegada azul tende a ser baixa. Em compensação a agricultura brasileira tem uma pegada verde bastante alta." A água da chuva entra na categoria de pegada verde, enquanto os recursos de rios, lagos e águas superficiais são definidos como pegada azul. A produção de soja do país tem uma pegada verde alta e uma pegada azul baixa.

Jagunços recebem camponeses à bala e atingem Sem Terra, na Paraíba

(página do MST)

O conflito se arrasta há mais de 8 meses, desde a primeira ocupação feita no dia 25 de Julho de 2013. 

O pedido de desapropriação da área já foi feito ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)  e ao governo do estado, mas nenhuma das autoridades deram informações sobre o processo de desapropriação.

Solidariedade
Em consequência da violência do latifúndio, os Sem Terra receberam solidariedade de defensores da Reforma Agrária e de amigos e amigas do Movimento. 
Na tarde desta terça-feira (25), representantes do Núcleo de Estudos de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do Comitê Memória, Verdade e Justiça e do Conselho Estadual de Diretos Humanos farão uma visita ao acampamento para acompanharem de perto as denúncias de violência sofrida pelos camponeses. 

A propriedade pertence ao Doutor Leonardo e, segundo os Sem Terra, os 2 mil hectares da Fazenda Imbiguida estão improdutivos e abandonados, por isso exigem a desapropriação da área para que seja destina a Reforma Agrária. 

As famílias prometem permanecer na fazenda até que Incra o governo do estado solucione esse conflito.

Pneu, fogo e a madrugada da liberdade

Por Antonio Claret, militante do MAB e missionário na Prelazia do Xingu

No início era um pouquinho de pneu de nada, a gasolina parecia fria e faltava piche, que ajuda o fogo a pegar com rapidez. Uma fumaçazinha tímida, depois as pequenas labaredas vão crescendo, de um lado e de outro, e o povo fica aglomerado no meio, protegido.

É madrugada, antes de quatro horas. Vem um ônibus da CCBM. Vozes se levantam e ressoam longe: ‘mais pneu, mais pneu!’. Seguem-se gritos de ordem. O motorista afunda o acelerador para impor respeito e intimidar. O ônibus não anda nem um metro. Há um paredão de gente bem à sua frente. São quase duzentas pessoas na estrada. Então desiste, e dá meia volta.

É impossível impor-se à indignação de um povo!

Luzes vermelhas piscam na escuridão, no teto do carro, indicando que a polícia fardada já está ali. À paisana ela já se acha no meio do povo. Já teria passado, também, pela Perpétuo Socorro e pelo Parque de Exposições, onde havia gente do Movimento.

O coronel se diz aberto à negociação. E se justifica afirmando estar ali para garantir a segurança dos manifestantes. Mas, apenas com agendamento de reunião com Norte Energia e governo federal, para as nove horas daquele dia 13 de março, ele já quer desobstruir a estrada. Isso é como tirar o fogo da panela de pressão com o feijão ainda por cozinhar.

Na parte da tarde, terminada a reunião, ele vem correndo à frente e afirma que tudo agora está liberado. Diante de um não firme, apenas diz: ‘aproveitem enquanto estou do lado de vocês!’. Daí em diante não se vê mais o Coronel nem os outros policiais. Claro! Foi organizar a logística da operação para retirar os manifestantes, que, a essas alturas, já somam próximo de mil pessoas.

Uma das coisas que mais existem na região de Belo Monte são policiais: Civil, Militar, Operação tática, Força Nacional... Federal, que cuida da segurança nas estradas, o número é ridiculamente pequeno. Guardas particulares existem aos montes.

Também pela tarde, após a saída do Coronel, um carro da Força Nacional chega e pede licença para passar, alegando que precisa buscar sei lá o quê do outro lado. Certamente vai juntar-se ao Coronel. É a cabeça-pensante.

Naquela madrugada, as labaredas, antes miúdas, vão crescendo sempre mais.  Ninguém passa! Em poucos instantes, formam-se filas de carros, de um lado e de outro.

Há motoristas que, tomados de curiosidade, descem e vão à barricada, e ficam ali, reparando. Não parecem enraivados. Apenas olham. Um que outro até faz brincadeiras, ensaia sorrisos, enquanto a noite vai se dissipando, com o clarão do fogo, que sobe, e do dia, que se aproxima.

Operários se achegam. Muitos encontram ali seus conhecidos, moradores dos alagados em Altamira, área atingida pelas cheias do Xingu e ameaçada pelo lago de Belo Monte. Sentem-se imbricados numa mesma causa, e se abraçam, e fincam o pé ali, em apoio à luta.

Alguns operários a pé tentam driblar o cordão de pessoas na rodovia para tomar o ônibus do outro lado, rumo ao canteiro de obras, e recebem vaia dos próprios colegas de trabalho.

Os operários em Belo Monte estão divididos. Uns apóiam o sindicato dos trabalhadores da indústria pesada, braço da Norte Energia. Dizem que o governo federal quer oficializar esse sindicato como a desarmar uma bomba prestes a explodir. É algo semelhante ao que foi feito no Madeira, também por iniciativa do governo federal. Uns poucos operários se fazem indiferentes. Uma boa parte, porém, vai se aproximando das famílias atingidas, e a porta vai se abrindo para uma organização unificada entre operários e Movimento dos Atingidos por Barragens. Isso pode fazer Belo Monte tremer nas bases.

À noite todo gato é pardo. Mas quando o dia chega, pode-se ver fuligem por todo lado. Quem tem camisa branca a vê cheia de pontinhos pretos, minúsculos, que vão aumentando, se espalhando, grudentos, até mudar por completo a coloração da roupa.

Alguns militantes, ao final, estão irreconhecíveis, com o rosto e os pés pretos, feitos carvão. Mas ninguém, absolutamente, se importa com isso. É dia de luta!  E a causa é nobre demais! A luta pelo direito é uma luta altamente nobre! Vale mais que milhares de fotos, choros e discursos radicais.

O mau cheiro, esse sim, é sufocante. Então quando o vento dá na direção das pessoas, dobrando a fumaça, aquele canudo contorcido parece atingir uma colméia, formando-se aquele zumbido de gente. Cada qual arranja um jeito: uns mudam de lugar, outros tampam o nariz com o dedo, um lenço ou com a beirada da camisa.

Um policial reclama do odor quase insuportável e aproveita para ordenar a diminuição do fogo. Mas não! Famílias condenadas diuturnamente ao mau cheiro dos esgotos nos alagados, durante anos, lhe respondem que suportam, sem problema, aquela fumaça por um dia ou por uma semana inteira.

A vontade que o carroceiro tem de alimentar o fogo é do tamanho de sua vontade de conquistar seus direitos, e maior que a prepotência da empresa. São cento e trinta famílias que ficaram fora da lisa da Norte Energia. Durante todo o dia, ele anda para lá e para cá. Cavalos bem adestrados e homens traquejados, habituados ao trânsito caótico de Altamira, vão e voltam, continuamente.  As carroças saem discretas, vazias, e chegam lotadas de pneus. De onde? Não se sabe.

Parte dos carroceiros se desloca para outro ponto da estrada, numa bifurcação, onde haveria um desvio, e tranca lá também, com carroças, pneus e fogo.

Entra em cena, de repente, um motoqueiro com uma carrocinha acoplada à moto. Ele também sai e chega diversas vezes, com algumas dezenas de pneus, provavelmente buscados mais distantes.

O poder ditador precisa explicar-se. O poder democrático também precisa justificar-se, constantemente. São quase sempre ‘poderes’ tomados de assalto! O único poder que é legítimo por si mesmo é o poder popular, a união organizada da classe trabalhadora.

 Luta não tem que pedir licença a ninguém! Quando se torna processual, é caminho seguro para elevar o nível de consciência do povo. Tomás de Aquino tem razão quando afirma que ‘nada existe no intelecto sem que tenha passado pelo sentido’. Karl Marx também está certo quando diz que ‘não é a consciência que gera o ser social, antes é o ser social que gera a consciência’. E Beto lembra que ‘a cabeça pensa onde os pés pisam’. Somos de algum modo o que fazemos.

No processo de luta, a camuflada luta de classes se explicita; opressores e oprimidos se posicionam em lados opostos e isso mexe com a cabeça das pessoas.

Luta não tem mesmo que pedir licença a ninguém! E quando vai além de eventos, anima o povo e faz avançar o direito. A ocupação do Jatobá no dia 4 de março iniciou-se com trinta pessoas e terminou com duzentas. A paralisação do dia treze começou com duzentas e chegou a reunir quase mil pessoas. Famílias esquecidas pela Norte Energia, que já passam de duas centenas, serão reconhecidas como atingidas. As famílias cadastradas, organizadas no Movimento, terão prioridade na transferência para suas casas. Não é a ‘casa dos sonhos’, mas a conquista do farelo do pão pode criar o clima para a conquista do pão inteiro. O Acampamento Novo Horizonte, em Brasil Novo, com espaço para cento e setenta e três famílias, terá sua terra regularizada. 

Não é à toa que a Norte Energia impôs um Interdito Proibitório ao Movimento, com multa de R$ 500,00/dia. O processo de luta organizada pelo direito é, hoje, uma pedra no sapato de Belo Monte, e forma eficaz de resistência. É certo que ninguém chuta cachorro morto!

Em manifestações, queimar pneu é uma questão de segurança. Apesar desse cuidado necessário, um motorista da CCBM avança sobre o fogo, e sobre o povo. Um militante pula à frente, e ergue os braços. Outros se juntam. O ônibus fica ali, parado, e o motorista de castigo. Os trabalhadores da empresa descem e seguem a pé.

Os manifestantes tomam a decisão de liberar dezenas de ônibus enfileirados, lotados de operários, que voltam exaustos, após uma noite de trabalho nos canteiros de obra de Belo Monte. Eles passam pelo acostamento, controlados pela segurança do Movimento. Somente depois que todos passam, o motorista apressadinho é liberado.

Soube-se depois que esse motorista estava, assim, de cabeça tão quente porque sua casa está debaixo d’água em Altamira por causa das chuvas intensas no Norte do país e por causa da barragem que, iniciada na Volta Grande do Xingu, prende o rio: antes com seis quilômetros, agora ele tem uma abertura de quatrocentos metros. A preocupação com a casa, com as condições de sua família, o esgotamento pela exploração seguida, pela pressão psicológica no cumprimento dos horários, tudo isso explode seus miolos.

A condição precária e degradante de trabalho imposta pela Norte Energia faz o operário estressado. Diversos acidentes ocorrem em Altamira, supostamente associados a essa pressão sobre motoristas de ônibus e caminhões.

Uma caminhoneta chique, com vidro escuro e fechado, também atravessa o sinal. Em terras de coronéis eles mandam e desmandam. Por nada atropela manifestantes. O povo se indigna e se aproxima num átimo, como a saltar sobre uma presa. Socos e pontapés acertam o veículo, que sofre pequenos amassados. Acuado pela força popular, o motorista atrevido desce o vidro manso feito cordeiro e diz, meio gaguejando, que vai voltar. Então militantes se aproximam, acalmando o povo revoltado, e a caminhoneta dá um ré até aquietar-se no seu lugar, na fila de espera.

O fogo dá segurança à manifestação! Mesmo assim, há os aventureiros, alguns ricaços, acostumados à lei do mais forte. Isso torna as manifestações na região mais complexas.

Soma-se a esse fato o risco real de infiltrados. Um motorista gordo, baixo, chega pela madrugada e fica ali, tranqüilo, sempre perto do suposto Comando da atividade, dando palpites, apoiando o Movimento, dizendo-se indignado com tudo que a Norte Energia faz ali, degradando a natureza, explorando operários e abandonando o povo atingido. Pela tarde, porém, por nada, ele trata de plantar uma revolta entre os outros motoristas.

Uma mulher bem vestida aparece do nada, de capacete na mão. Quando o microfone falha, por ser ruim mesmo, enquanto muita gente pede a fala para desabafar, ela afirma revoltada que não se quer deixar o povo manifestar-se. Seu discurso populista parece querer colocar em cheque a condução do Ato. Seu grito alto, num radicalismo verbal incomum, espalha-se pelo ar: ‘greve é greve, vamos fechar tudo!’.

O Movimento inicialmente decide parar apenas os ônibus da Norte Energia, com mais de cinco mil operários. Depois resolve parar tudo ganhando margem de negociação. E faz um acordo com a polícia de liberar periodicamente a rodovia, exceto para carros da Norte Energia. Quebrar o acordo naquela circunstância era aumentar a insegurança do povo, e tudo indica que a mulher desconhecida quer isso.

A mulher, que depois sumira de repente, espalha entre as pessoas em conversa miúda que aquela manifestação não iria dar em nada.  

Um dos militantes, que circula entre os manifestantes, ouve uma voz a chamá-lo pelo nome e, virando-se, depara um com senhor claro, aparentando uns 50 anos, vestido de camiseta e bermuda. Ele para e o senhor se aproxima. O estranho pergunta-lhe o nome e de onde veio. Seu olhar é sereno e, sua fala, mansa. Sabendo que o militante é mineiro, diz-lhe que também é de Minas. E por cinco minutos se disse católico praticante e defensor da manifestação: ‘vocês têm que fazer é isso mesmo, colocar fogo, essa empresa não presta, ela está brincando com o povo’, afirma. Quem era, afinal, esse senhor? Descobriu-se depois. O desconhecido é um dos maiores latifundiários da região, supostamente participante do consórcio que encomendara o assassinato de Irmã Dorothy, morta no dia 12 de fevereiro de 2005.

Exercer a segurança nas manifestações em Belo Monte é particularmente importante. Além de pneu e fogo, há que se ter habilidade para administrar um conjunto de conflitos de ordens diversas e motivações inconfessas. Um passo fora pode ser fatal! Mas cada acerto é passo segura na madrugada da liberdade numa luta unificada.