Justiça para quê(m) ?
*Por Igor Lodi Marchetti
Diante dos constantes ataques por parte do Poder Público a direitos básicos como moradia, o que pode ser notado de forma visível no caso da população do Pinheirinho em São José dos Campos, algumas questões são colocadas e que devemos buscar respondê-las para nos armar para as lutas que estão em curso e àquelas que ainda virão, bem como desmistificar determinadas ilusões que persistem em ser colocadas para a população, confundindo-a com falsas alternativas que na verdade servem exclusivamente para a desmobilização e confusão da classe trabalhadora, mas que acabam demonstrando muitas vezes o caráter reformista de alguns grupos.
O caso Pinheirinho
O Pinheirinho para quem não sabe é uma região que estava totalmente desocupada e com uma dívida de cerca de 15 milhões de reais com a Prefeitura. Este terreno está sob o controle da administração da massa falida do grupo Selecta, cujo principal sócio é ninguém mais ninguém menos do que o foragido da polícia federal, Naji Nahas (ligado diretamente aos escândalos do Banco Opportunity, junto com Daniel Dantas).
Diante da total inatividade naquele terreno e tendo em vista o enorme déficit habitacional em todo o Brasil, sendo que o Estado de São Paulo e seus respectivos municípios também comportam essa situação de descaso com os direitos de moradia, a população local resolveu sair da mera expectativa de um direito que não chegava para ela mesma concretizar sua moradia na região, ocupando o terreno em 2004 e erguendo casas, formando um bairro popular.
De terreno totalmente desprovido de mínima legitimidade, pois sua inatividade e mera especulação imobiliária geravam uma visível afronta à função social da propriedade (algo inclusive determinado pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XXIII e 170, inciso III e 182, caput), o lugar passou a servir a moradia daqueles que sem recursos oriundos do Estado, e dando a um terreno morto, vida e convivência social.
Em tempos de preparativos para Copa do Mundo 2014 e disputa entre as cidades do interior para serem sub-sedes do evento, há um intenso processo de desapropriações e desalojamento em regiões mais pobres, para a construção de grandes prédios e condomínios de luxo, shoppings, estádios e demais obras que estão sendo devidamente denunciadas em documentos como o dossiê da Copa: http://comitepopulario.files.wordpress.com/2011/12/dossie_violacoes_copa_completo.pdf .
Nesse sentido, o interesse da Prefeitura é a reintegração de posse na região para a criação de um condomínio de luxo que servirá para aumentar a especulação imobiliária no lugar, aprofundando mais o déficit habitacional na cidade, atendendo os interesses de empresários que querem vender uma imagem falaciosa de progresso.
Com o objetivo de conseguir no Poder Judiciário guarida para seus anseios, a Prefeitura propôs ação de reintegração de posse com medida liminar para retirar as pessoas do local.
Após a concessão da liminar, os moradores do Pinheirinho sabendo de seus direitos e da arbitrariedade e total envolvimento dos interesses econômicos que envolviam a decisão, resolveram legitimamente resistir.
O Tribunal Regional Federal decidiu suspender pelo prazo de 15 dias a reintegração para que durante o período fosse regularizada a situação, pois havia uma proposta de compra por parte da União do terreno, e isso acarretaria na possibilidade de manutenção da população no local.
No entanto, representando a presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo Capez (parente do Dep. Estadual Fernando Capez - PSDB) decidiu manter a decisão da juíza de primeira instância, ocasionando um violento ataque à população na madrugada do dia 22 de janeiro de 2012, às 5:00 hs da manhã, com a Polícia Militar invadindo o bairro atirando, prendendo lideranças locais, aterrorizando a população, inclusive várias crianças que ali moram com seus pais, além de figuras públicas como a prisão de José Maria de Almeida (PSTU), mantendo em cárcere privado o Dep. Federal Ivan Valente (PSOL) em uma escola, e há até notícias de que o Senador Suplicy (PT) também teria sido preso.
Durante a tarde companheiros do MTST se mobilizaram dando amplo apoio a população do Pinheirinho, mas a repressão também foi cirúrgica em prender e espancar violentamente o dirigente do movimento, Guilherme Boulos, como mostra o vídeo publicado pela CSP-Conlutas: http://cspconlutas.org.br/2012/01/video-mostra-dirigente-do-mtst-guilherme-boulos-sendo-preso-durante-acao-de-desocupacao-do-pinheirinho/
Foi expedido pela Justiça Federal mandado de prisão à juíza e ao comandante do batalhão da PM, inclusive com determinação para que a Polícia Federal intervenha no caso. Na noite do dia 22 de janeiro de 2012, iniciou-se o processo de derrubada das casas construídas pelos trabalhadores e trabalhadoras que moram no Pinheirinho, por meio de tratores, não se importando se as pessoas ainda se encontram nas casas.
No entanto, até o momento as atitudes tomadas pelo Governo Federal soam muito mais como marcação de terreno do que uma eficaz medida para a sustação da violação aos direitos humanos amparados até por tratados internacionais.
Cogita-se o exército para manter a decisão federal, mas isso até o momento está longe de ser realidade. Parece que no fim, a solução federal não será a garantia de moradia da população no Pinheirinho, mas sim com a implantação dos famigerados cadastros de auxílio-moradia que nem de perto amortecem os impactos sofridos pelas pessoas, muito pelo contrário trazem uma ideia de solução para aquilo que realmente é: a acomodação das pessoas ao desalojamento.
Do papel da Justiça como ferramenta do poder econômico
Mas como já ressaltado anteriormente, temos o dever de desmascarar o caráter conservador e contrarrevolucionário da Justiça, desmistificando ilusões que muitas vezes persistem em incidir nas mentes da população em geral.
Conservador porque mantém a lógica do poder econômico como algo a ser garantido acima dos interesses sociais como moradia, como fica visível no presente caso, em que mesmo a Justiça Federal apenas suspende a reintegração, mas não a impede totalmente. Fato que mesmo essa decisão foi descumprida pela Justiça Estadual, mas também serve para demonstrar que mesmo aqueles que se põem episodicamente mais favoráveis aos interesses dos trabalhadores, mantém essa lógica de serviço ao capital, mesmo com um caráter mais moderado.
Contrarrevolucionário pois induz a um sentimento popular de imparcialidade, neutralidade e equilíbrio falsos, mas traz consigo um produto que pode ser usado como forma de tentar legitimar a atuação do sistema capitalista, fornecendo a população uma idéia fetichista e totalmente equivocada de que conseguirá seus direitos e se emancipar por meio do Poder Judiciário.
Acreditando que o Poder Judiciário faz justiça, há um grande caráter desmobilizador para a luta de classes, pois muitas vezes alguns burocratas negam a resistência, partindo para o aparato institucional que pode garantir eventuais vitórias, mas nunca servirá como emancipação de classe.
Não compreender isso é se iludir, caindo no reformismo e revisionismo tão criticados por Lênin e Trotsky, por exemplo. Não podemos perder de vista a compreensão crítica histórica da realidade, associada diretamente à luta de classes. Não será com reformas ou com sentenças parcialmente procedentes, que conseguiremos as vitórias necessárias para a classe trabalhadora, mas com a revolução gestada a quente nos enfrentamentos de classes.
Compreender que o Poder Judiciário e todo o seu aparato fazem parte da superestrutura do sistema capitalista, e como tal se submete aos interesses econômicos do capital, é tarefa de suma importância para a compreensão do papel que essa Justiça possui.
Do contrário qual seria a resposta para o ataque visível da própria legalidade do sistema, como percebemos no caso do Pinheirinho ?
Fica evidente pela crise institucional entre União, Estado e Município no presente caso que para defender os interesses econômicos da burguesia o Estado capitalista passa por cima das próprias instâncias por ele criadas, quando seus objetivos não encontram respaldo nas normas.
Outro aspecto esclarecedor é que o Direito, como forma de regulamentação social, nada mais é do que algo para soar como legítimo para os interesses capitalistas, e quando confrontados com as suas limitações por ele mesmo impostas, tem que ser superadas desconsiderando-o, até porque não mais serve aos interesses aos quais foi destinado.
Não queremos dizer que nesse momento, o Direito tenha um lado progressista, pois absolutamente não se trata disso, mas como é um sistema que originariamente surge para disfarçar seu caráter de classe perante os trabalhadores e trabalhadoras, com uma imagem de neutralidade, cria contradições quando a própria superestrutura é rompida.
E no caso do Pinheirinho é exatamente isso que percebemos. A superestrutura jurídica em crise porque os interesses do capital não verificam mais como necessário o disfarce da imparcialidade e equilíbrio.
Para isso, a própria organização e promoção dos juízes para instâncias superiores já demonstram como conseguem afrontar a legalidade por meio de seus interesses, elegendo, por exemplo, familiares de coronéis e verdadeiros representantes da burguesia. É só verificar que o representante do Tribunal de Justiça é nada menos do que o parente do Deputado cujo partido é o mesmo do Prefeito de São José dos Campos.
A alternativa necessária
Diante do exposto, a conclusão que tiramos é que são legítimas tentativas de articulação com Superior Tribunal de Justiça para por um ponto final na arbitrariedade da Prefeitura no presente caso, ou também com a impetração de habeas corpus aos presos durante a ofensiva da Polícia Militar, mas apenas com isso o movimento por moradia e a classe trabalhadora sofrerão duras derrotas, pois no momento em que a população do Pinheirinho mais se sentia reconfortada com a decisão judicial proferida, desativando as barricadas, armas improvisadas, foi quando a repressão utilizou-se dos meios do sistema para atacar as pessoas.
Utilizar as brechas do sistema em favor da classe trabalhadora é algo positivo, mas considerar que isso basta é um equívoco que diz respeito a estratégica que se propõe, no caso o reformismo, uma vez que acredita que as próprias instituições burguesas podem ser emancipatórias.
Nesse sentido, reafirmamos nosso compromisso com a luta pelos que estão sofrendo com a reintegração de posse perpetrada pela Polícia Militar a mando da Prefeitura por meio da ordem da juíza que deferiu a liminar da reintegração.
Mas ressaltamos que o momento atual necessita de unidade dos setores combativos de esquerda como forma de articular uma pauta comum que coloque todos os trabalhadores em ação na defesa por direitos básicos, insistentemente atacados pelos governos municipais, estaduais e federal.
Portanto, nós da LSR reivindicamos a construção de um pólo de esquerda que esteja a serviço da luta de classes ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem na região do Pinheirinho, que segundo estimativas é a maior ocupação da América Latina.
Esse fato traz consigo a necessidade de planejar a inserção não só nacional, mas buscando apoio internacional, tal como o CIT propõe, de forma a ampliar a luta por moradia no mundo todo, tendo como parâmetro a resistência da população do Pinheirinho, tirando as lições essenciais para a construção de uma ampla organização em defesa da habitação digna para todos.
Por isso reafirmamos:
• Contra o massacre e a desocupação do Pinheirinho!
• Pelo direito à moradia!
• Pela prisão dos responsáveis pelo massacre no Pinheirinho!
* Militante da LSR - CIT
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