segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta Aberta à Comissão Nacional da Verdade


 
Sexta, 15 de Junho de 2012

Nós, familiares de mortos e desaparecidos políticos abaixo-assinados, saudamos a instalação da Comissão Nacional da Verdade, que realiza essa primeira reunião conosco, abrindo um diálogo que possibilitará o aprofundamento das questões que são nossas bandeiras de luta ao longo de quase quatro décadas.

Consideramos que a criação da Comissão Nacional da Verdade é uma vitória da perseverança de pessoas como Dilma Alves, Cyrene Moroni Barroso, Alzira Grabois, Helena Pereira dos Santos, Julieta Petit da Silva, Helena Grecco, Jorge Delizoicov, Eunice Santos Delgado, Ruy Berbert, Felícia  Mardini de Oliveira, Edgar e Irene Corrêa, João Luis Lopes de Moraes, Davi Capistrano Filho, Elza Joana dos Santos, Jayme Wright, Márcia Santa Cruz, Iracema Merlino, Maria Helena Molina que, dentre outras, estiveram à frente na luta pelo paradeiro de nossos parentes e que, infelizmente, morreram sem conhecer a Verdade e sem alcançar a Justiça.

Desde a luta pela anistia nossas reivindicações são as mesmas: queremos saber onde estão os nossos familiares; que seus restos mortais sejam localizados; queremos saber como morreram e quem são os autores intelectuais e materiais das torturas, assassinatos e ocultação dos corpos. E, apesar da decisão do STF, continuaremos a lutar pelo julgamento dos responsáveis por essas atrocidades, de acordo com o devido processo legal: a única luta que se perde é a que se abandona.

Entendemos que essa Comissão Nacional da Verdade deve examinar os crimes do Estado contra opositores políticos durante a ditadura militar, com foco no período de 1964 a 1985. O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela Justiça brasileira a esclarecer os casos de desaparecimentos forçados que se deram no Araguaia e nas diversas cidades do país. Entendemos que essa Comissão – apesar dos limites impostos pela lei que a criou – reúne força política suficiente para possibilitar a implementação da execução dessas sentenças.

A Comissão Nacional da Verdade deverá considerar no seu trabalho o conjunto dos documentos já produzidos pelos poderes Executivo (Comissão da Anistia, Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos e comissões estaduais de indenização aos presos políticos), Judiciário, Legislativo, e por vítimas e familiares dos mortos e desaparecidos políticos. Deverá, ainda, procurar trabalhar de forma articulada com as demais comissões do tema existentes.

A Comissão, no seu trabalho de investigação, deve ter pleno acesso aos arquivos militares. Deve identificar e ouvir os integrantes de todos os organismos militares e civis de repressão política em todos os escalões - comandos, direções, interrogadores, participantes de equipes de busca, analistas, escrivães, carcereiros, médicos-legistas, motoristas, fotógrafos; bem como os empresários que financiaram os órgãos de tortura, clandestinos e oficiais – enfim, todos que de alguma forma contribuíram para a implementação do terror de Estado.

A Comissão deve cumprir o papel pedagógico junto a uma sociedade que ainda desconhece essa história e, para isso, as audiências devem ser amplamente convocadas e públicas.

Por fim, solicitamos expressamente aos integrantes dessa Comissão Nacional da Verdade que não mais usem o termo revanchismo quando se referirem à nossa busca por Justiça. Justiça não significa vazar olhos; estuprar; dilacerar crânios; decepar cabeças; esquartejar, incinerar corpos; ocultar os assassinatos cometidos pelo Estado. Justiça não é anistia para os dois lados.

São Paulo, 11 de junho de 2012.


TORTURA NUNCA MAIS.
PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA,
PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA!

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