*Por Marcus Kollbruner
Durante a última década, o
Brasil tem se qualificado para o grupo de países que representavam a
“esperança” para a economia mundial – os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).
Esses países “emergentes” seriam o novo motor para a economia mundial, em uma
situação onde as antigas potencias não tinham o mesmo fôlego.
Apesar da economia brasileira
também ter sofrido com a eclosão da crise mundial em 2008, a sensação foi que
com a intervenção do governo de Lula, e depois Dilma, o pior foi evitado e o
país retomaria um crescimento acelerado. Após a queda do PIB de 0,3% em 2009,
houve uma retomada em 2010, com um crescimento de 7,5%.
O governo do PT usou esse
fato ao máximo durante as eleições 2010, para mostra que o país mudou, que a
política do governo foi bem-sucedida e que o Brasil agora é uma nova potencia
mundial. Mas apesar de alguns avanços, as debilidades da economia brasileira e
começa a se revelar e os efeitos da crise estão ficando cada vez mais
evidentes.
Crescimento para quem
Primeiro é importante
resgatar os limites da “redução da pobreza” e “distribuição de renda”. Houve
sim uma melhora da situação das camadas com renda mais baixa nessa última
década. O aumento do salário mínimo tem elevado a renda daqueles com salários
mais baixos e políticas compensatórias como a bolsa família também teve um
efeito.
Mas o que ocorreu foi
principalmente uma redistribuição de renda entre os assalariados, já que
trabalhadores com salários num patamar maior, especialmente o funcionalismo
público, tem sofrido uma política de arrocho salarial durante anos.
Porém, na relação entre
trabalho e capital não vimos nenhuma redistribuição. Pelo contrário, os lucros
bateram recordo e os mais ricos ficaram mais ricos ainda, com um brasileiro, Eike
Batista, se qualificando entre os 10 mais ricos do mundo. Em 2011, entre as
maiores economias, o Brasil foi o país onde houve o maior crescimento
percentual do número de milionários.
A base do crescimento da última década
A indústria brasileira passou
por duas décadas de baixo crescimento. Entre 1981-2003 a crescimento anual era
de só 1,4%. De 2004 até 2010, o crescimento anual deu um salto para 5%. O
principal motor por traz desde crescimento tem sido o avanço das exportações de
matérias primas, principalmente para China.
Em uma década (2001 a 2011) o
volume de comércio do Brasil com a China cresceu de US$ 3,2 bilhões para US$
77,1 bilhões. Mas 85% das exportações para China são de produtos básicos,
principalmente minério de ferro, soja, petróleo e celulose.
Isso tem sido em detrimento
do resto da indústria. Em 2011 a parcela da indústria de transformação do PIB
tinha retrocedido para 14,6%, voltando ao patamar dos meados dos anos 50.
No cenário favorável dos anos
2000, antes da crise, o Brasil conseguia chegar a um crescimento de cerca de 5%
anual. Junto com as políticas compensatórias e aumento do salário mínimo,
diminuição do desemprego, aumento da formalização e um aumento do crédito, isso
favoreceu um crescimento do consumo.
Mas o motor industrial da
economia brasileira não acompanhava esse crescimento. Ao contrário. Se juntamos
o crescimento relativamente estável com os juros mais altos no mundo, e uma
abundancia de capital especulativo no mundo, o Brasil começou a ter um influxo
de dólares que valorizou o real. Isso tem elevado o preço das mercadorias
industriais brasileiras comparado com outros países, principalmente China.
A lógica que se autoalimentava
era que o Brasil exportava matérias primas para China e importava produtos
industrializados, em detrimento da indústria doméstica.
A política do governo em 2008
Quando a crise estourou em
2008, o Brasil não chegou a ser tão afetado como outros países. Um fator foi
que não tivemos nenhuma crise bancária mais grave (já que os bancos já tinham
passado por uma crise e restruturação nos anos 90 e também estavam bem gordos
aproveitando dos altos juros) e também nenhuma fuga de capital. O governo abriu
as torneiras do crédito estimulou o consumo com redução de impostos. Isso junto
com um de fato aumento das exportações para a China garantiu a retomada da
economia.
Essa foi uma situação
totalmente diferente da crise em 1999, quando houve fuga de capital e o real
despencou.
Mas em 2011 podíamos ver as
contradições da economia. O real voltou a se valorizar, com o influxo de
dólares, e chegou quase a bater o recorde de 2008, chegando a 1,60 reais por um
dólar. Isso afetava a indústria que começou a estagnar, mesmo com o aumento do
consumo, ao mesmo tempo que a inflação estava acelerando e chegou a superar 7%.
O governo respondeu puxando o freio, aumentando os juros e implementando
medidas para dificultar a entrada de dólares.
O resultado foi que o PIB de
2011 só cresceu 2,7%, longe da meta de 4,5% do governo. O fato é que o Brasil
teve o crescimento mais baixo da América do Sul no ano passado. Desde os meados
do ano passado a economia tem estado quase estagnada. O desempenho da indústria
e os investimentos continuaram fracos.
No início desse ano começamos
a ver como o agravamento da crise na Europa e a desaceleração da China
começaram a afetar a economia brasileira.
Em pouco tempo a situação
cambial mudou. Em março esse ano o governo ainda implementava medidas para
conter a entrada de dólares, o que a presidenta Dilma chamava de “tsunami
financeiro”. Mas em maio houve um fluxo de dólares saindo do país e o real já perdeu
quase 30 % do seu valor comparado com o dólar desde junho do ano passado. Isso
não tem ajudado a indústria nacional, já que a principal concorrente, as
indústria chinesa, ainda é mais barata. Além disso, as empresas começaram
novamente reclamar das dificuldades de obter crédito no exterior, algo que
tinha ficado mais caro com as medidas do governo.
Repetindo a dose de 2008
O ano de 2012 começou como o
ano passado terminou. O PIB cresceu somente em 0,2% no primeiro trimestre. O
governo ainda mantém a meta de um crescimento de 4% para esse ano, mas isso só
seria possível com uma forte retomada no segundo semestre e poucos acreditam
nisso. Na verdade, muitos acreditam que o resultado será pior que em 2011. A
média das previsões do mercado para o PIB de 2012 caiu para 2,3%. O banco
Credit Suisse aposta num crescimento de somente 1,5%. Além do fraco desempenho
para a indústria o banco aponta que os investimentos só devem crescer 0,3% esse
ano.
O governo Dilma agora tentar
retomar as medidas de 2008: incentivo ao consumo com redução de impostos e dos
juros, e aumento no crédito, especialmente para os investimentos em grandes
obras. O governo também começou a revogar as medidas que dificultava a entrada
de dólares.
A redução de impostos como
IPI ajudam no consumo de certas mercadorias. Eletrodomésticos e materiais de
construção continuam em alta. O IPI para automóveis foi reduzindo novamente,
diante uma situação em que as montadores estavam com seu estoques cheios e já
reduziam a produção, com férias coletivas. A GM lançou um programa de demissão
voluntária. Com a redução do IPI e dos juros, as montadores estão apostando
numa retomada das vendas. Os carros ficaram 2,6% mais baratos no último mês, a
maior queda de preço desde 2008.
Endividamento impõe limites ao consumo
Mas o efeito deve ser mais limitado
que em 2008. O endividamento e inadimplência tem aumentado, o que limita a
capacidade das famílias a aumentar o seu consumo baseado no crédito.
A taxa de crédito/PIB tem
aumentado constantemente na última década. Em 2002 o total do crédito privado
correspondia 22% do PIB. No início de 2012 tinha crescido para 49,3% do PIB.
Embora isso ainda é um nível relativamente baixo comparado com o resto do
mundo, temos que levar em conta os juros altíssimos.
Em março desse ano, 22,3% da
renda familiar no país estava comprometido com pagamento de dívidas, comparado
com 15,5% em janeiro 2005. Esse patamar é superior ao de por exemplo EUA, onde
o endividamento é visto como um entrava para a retomada do consumo.
Apesar do desemprego estar
num patamar baixo historicamente (5,8% em maio nas 6 grandes regiões
metropolitanas segundo o levantamento do IBGE) a inadimplência já vem crescendo
e estava em maio 21,4% acima do mesmo mês em 2011. Imagina o que pode acontecer
se o desemprego começa a subir.
A inadimplência de veículos
bateu recorde histórico em abril. O calote nos cartões de crédito, a principal
forma de endividamento no país (responsável por 32% das dívidas de pessoas físicas),
também está em alta. 27% estão com pelo menos 90 dias de atraso no pagamento
dos cartões. Apesar do alarde sobre o rebaixamento dos juros dos bancos, isso
só tem afetado algumas linha de crédito mais seguras, e que muitos não tem
acesso. Os juros dos cartões de crédito permanecem no mesmo patamar faz mais de
dois anos: 10,69% ao mês. Os juros médios estão no nível mais baixo desde 1995,
mais ainda estão em 6,18% ao mês, o que em muitos países se paga ao ano!
Não é a toa que a parcela da
população que se dizem ter menos vontade de comprar casa ou carro comparado com
6 meses atrás aumentou para 40%.
As investimentos públicos
também tem seus limites. Se descontamos a corrupção e burocracia que os tornam
muito ineficientes, também temos que levar em conta que 90% dos investimentos
no país vem do setor privado, que não querem investir. O governo federal só faz
3% e os estados e municípios o restante 7%.
O Brasil ainda é vulnerável a choques externos
Apesar da propaganda oficial,
o Brasil ainda tem uma economia bastante vulnerável. Muito se fala da grande
reserva cambial sob posse do Banco Central, que ultrapassa US$370 bilhões.
Embora essa reserva dá um
certo fôlego, existe fatores complicadores. A reserva tem crescido muito pelo
fato que o Banco Central tem sido forçado a absorver o grande influxo de
dólares para evitar que o real se valorize mais ainda. É um negócio ruim, já
que esses dólares são investidos em grande parte em títulos estadunidenses, que
rendem muito pouco e pagos com títulos da dívida pública brasileira, que pagam
juros altos. É como sacar dinheiro no cartão de crédito para investir na
poupança.
Ao contrário da China, esse
acúmulo de capital não é devido um superávit constante com o resto do mundo.
Embora o Brasil tenha um superávit comercial (exporta mais do que importa), e
esse vem caindo com os problemas da indústria e a desaceleração na China, se
levamos em conta o balanço de pagamentos da conta corrente (incluindo pagamento
de juros, remessa de lucros, turismo, etc.) o país tem um déficit crescente faz
anos. Isso só se sustenta por causa do influxo de capital especulativo (os
dólares).
Temos um crescente chamado
“passivo externo”. Isso é a quantidade de dinheiro que tem no país que pertence
a estrangeiros. Há uma parte que está investida em capital fixo, como fábricas,
minas, etc., e não saem do lugar facilmente. Mas a maioria é investido em
títulos, ações e outras aplicações financeiras que podem ser retiradas
rapidamente do país. Esse “passivo externo” cresceu de US$ 343 bilhões em 2002 para US$ 1,294 trilhões agora. Se houver uma
fuga de capital, a reserva do Banco Central não vai ser mais do que moeda de
troco para facilitar esse fuga!
Além disso, e também a pesar
da propaganda oficial, a dívida pública continua sendo um enorme problema, que
absorve enormes recursos. Dívida pública real ultrapassou 3 trilhões de reais
no final do ano passado, segundo dados oficiais coletados pela Auditoria Cidadã
da Dívida, equivalendo a 78% do PIB. No orçamento federal desse ano, 47% está
destinado ao pagamento de juros, amortizações e rolagem da dívida – 1,014
trilhões! Isso significa que a dívida pública consome 22% do PIB, em prol dos
tubarões do sistema financeiro internacional e doméstico.
Aumento da luta de classes
Tudo isso aponta para que
temos que nos preparar para um período turbulento a frente. A pesar da
propaganda ufanista do “país de mil maravilhas”, vemos como os governos se
preparam para mais conflitos sociais. Não é a toa o crescimento da
criminalização dos movimentos e lutas. Cada vez mais vemos como o direito a
greve é atacado.
Já vimos também um
crescimento significativo das lutas e greve nos últimos dois anos. Seja no
setor público por parte dos trabalhadores que querem a sua parte dos
superlucros e do crescimento. Muitos lutam pelos direitos mais básicos:
trabalhadores nas obras do PAC se revoltam por falta de banheiros, ou pelo
direito de visar sua família pelo menos cada três meses. Mas também no
funcionalismo vemos um aumento das lutas, contra o arrocho salarial, contra o
sucateamento dos serviços públicos, como as greves da universidades federais.
Mas essas lutas ainda são
bastante fragmentadas e a esquerda ainda não tem conseguido construir
instrumentos unitários suficiente poderosos para conseguir romper o domínio dos
aparatos governistas, como a CUT, Força Sindical ou a UNE. Isso, junto com a
necessidade da construção de uma alternativa política socialista coerente, onde
o PSOL ainda é bastante incipiente – é a grande tarefa diante os socialistas
para prepararem para as grandes batalhas, como já vemos em países da Europa ou
mesmo na América Latina, que podem chegar ao nosso país mais cedo do que muitos
pensam.
*Militante da LSR/CIT e do Bloco de Resistência Socialista.
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