*Por Gabriel Nader (http://www.correiocidadania.com.br)
Com a tradicional festa de abertura repleta de representações
teatrais sobre a história e cultura locais, adornadas por um vasto
desfile de manifestações estéticas e artísticas, teve início em Londres
nesta sexta-feira, 27, a 30ª edição dos Jogos Olímpicos, a última antes
de serem realizados pela primeira vez na América do Sul, mais
precisamente no Rio de Janeiro, daqui a quatro anos.
Com cerca de 10.000 atletas de 203 países, a disputarem 26
modalidades esportivas, os jogos tiveram orçamento de aproximadamente 30
bilhões de reais, financiados evidentemente pelos cofres públicos
ingleses em sua maioria. Já o Comitê Olímpico Internacional, deverá
arrecadar a bolada de 23 a 25 bilhões de reais na soma de direitos de
televisão, vendas de produtos licenciados e patrocínios.
Por conta disso, o evento terá uma das marcas dos tempos modernos, a
despeito de velhos “lemas olímpicos”, que apesar de iniciados na Grécia
Antiga não escapam do culto ao “deus” contemporâneo, o mercado. Medidas
de exceção foram tomadas para preservar os interesses comerciais dos
patrocinadores oficiais, notadamente os da área alimentar, como o
McDonalds, que só após muita pressão “liberou” o fish and chips que tanto marca o cardápio dos britânicos.
Com isso, verifica-se claramente a velha equação de custos públicos
com lucros privados. O governo e, consequentemente, a sociedade locais
bancam a maior parte dos custos e a arrecadação vai majoritariamente
para o bolso do COI e seus respectivos aliados, mantendo tal renda nas
esferas de controle da cartolagem internacional, a exemplo das práticas
da FIFA no futebol e suas confederações de aliados.
Diante da magnitude do evento, há expectativas de audiências globais
extraordinárias. Estima-se que só a cerimônia de abertura pode ter sido
assistida por 4 bilhões de seres humanos! Decisões das principais
modalidades, com alguns dos ídolos mundiais, devem superar a casa do
bilhão de telespectadores. Clichês à parte, um momento único de
congraçamento dos povos e envolvimento coletivo em torno de uma causa
universal, o que tanto urge em tempos de crises do capital e de regimes
políticos, rodeadas por cada vez mais alarmes ambientais.
Exatamente por isso, reforçou-se outra marca da atualidade: um
aparato de guerra para prover a segurança desejada aos jogos, parte
ponderável do orçamento total. Apesar disso, a G4S, empresa encarregada
de treinar e dispor 10 mil profissionais da área para trabalhar nos
cuidados e monitoramento dos eventos e pessoas, fracassou em sua tarefa,
causando uma considerável consternação interna.
O fiasco veio à tona quando a apenas duas semanas da abertura o
governo inglês não teve mais como esconder sua falta de confiança na
empresa e convocou em caráter de urgência 3.500 integrantes de suas
forças armadas para trabalharem nas ruas de Londres. O fato causou
indignação no parlamento e na população, uma vez que vários recrutas
tinham outras missões a cumprir, ou delas voltavam, dentre elas o nada
“olímpico” Afeganistão. Fora o fato de terem se passado sete anos desde a
escolha da cidade como sede.
Com isso, passou a se notar certo clima de tensão, até relatado pela
mídia, entre os novos “voluntários” dos jogos e os torcedores, vindos de
todos os cantos do mundo, de todos os estilos e espécies turísticas.
Aliado a estratégias neuróticas de revista e monitoramento dos presentes
nas competições e à enorme lista de proibições de objetos e alimentos
tolerados nas arenas (inclusive qualquer imagem de Che Guevara),
tornam-se um tanto ostensivas as facetas comerciais e militares, dentro
de algo que deveria ser presenciado em clima de despreocupação e festa,
ao menos se comparamos com outras questões mais complexas da vida
humana. Mas a bomba que matou duas pessoas e feriu outras 100 nos jogos
de 1996, em Atlanta (EUA), não saem da memória, sem esquecer, mais
atrás, do trágico assassinato de 11 atletas israelenses em Munique,
1972, por membros do Setembro Negro.
De toda forma, antecipa as mesmas operações de segurança que veremos por aqui, com a diferença que nossas forças de segurança são acostumadas a atuar na mais absurda ilegalidade e truculência contra seu “inimigo interno” de cada dia. Precisaremos estar atentos a possíveis violências contra os habitantes mais pobres do Rio de Janeiro, que certamente serão tratados como seus congêneres baianos em trios elétricos de carnaval, vendo do lado de fora uma festa para poucos e visitantes.
Para preservar os interesses dos patrocinadores oficiais, uma série
de leis de exceção já são editadas desde já (assim como o foram em
Londres), tornando crime diversas formas prosaicas de comércio, a partir
de mínimas associações de seus produtos com as Olimpíadas, seus
símbolos e imagens icônicas. Toda concorrência “extra-oficial”, entre
aspas para evitar um tratamento “marginal” aos milhares de comércios e
trabalhadores que não podem assinar contratos com o COI, será combatida e
afastada dos locais de competições.
Tratando da parte aprazível, não faltará diversão aos
telespectadores, pois não há época igual para acompanhar e se
entusiasmar com modalidades sempre ignoradas do noticiário, heróis de
ocasião cujas histórias impregnam nas mentes humanas e as esperadas
consagrações de atletas que ficarão imortalizados em suas
especialidades.
Com competições que começam e geralmente se definem em um ou dois
dias, não haverá instante em que alguma medalha não esteja sendo
colocada no peito de algum(a) atleta. A maioria das competições tem
disputas ou performances de curta duração, de modo que se pode
acompanhar de forma mais palpitante os esportes com os quais temos menos
intimidade – e avançar um pouco em sua compreensão e divulgação, se o
Brasil realmente se pretende uma potência olímpica. São poucos esportes,
como o futebol, o basquete ou a vela, em que uma disputa dura tanto
tempo, nesses casos, duas ou mais horas.
Além do mais, não faltará cobertura midiática. Pela primeira, e
provavelmente única, vez na história a Rede Globo não transmitirá o
maior evento do esporte mundial, ao lado da Copa do Mundo. Por 60
milhões de dólares, a Record ganhou a corrida e ficou com os direitos
exclusivos de transmissão, o que na prática só valerá para a televisão
aberta.
A Sportv, emissora fechada da própria Globo, desembolsou 22 milhões
de reais e disporá de quatro canais diários cobrindo os eventos 24 horas
por dia. ESPN (três canais), Band (dois canais, Sports e News), Esporte
Interativo e o próprio braço da TV de Edir Macedo, a Record News,
formam a lista dos canais que cobrirão as Olimpíadas na televisão por
assinatura. Uma overdose, a ser reforçada pela mesma Globo em 2016, que
redobrou esforços para não ficar de fora da festa dentro de seu próprio
quintal.
Ao todo, o COI arrecadou 4 bilhões de dólares em direitos de
televisão, número com alta probabilidade de ser superado pela edição
carioca, que já garantiu 3,7 bilhões, com quatro anos ainda pela frente,
tempo de sobra para novos contratos. Os ingleses fecharam 11
patrocinadores; para 2016, já existem 10 garantidos, o que também
ressalta o momento econômico das grandes, e cada vez mais
transnacionais, empresas brasileiras.
Rompendo definitivamente com certas ilusões, a terceira Olimpíada
londrina (as outras foram em 1908 e 1948) não dará contribuição alguma, a
não ser moral, “espiritual”, à complicada conjuntura econômica
britânica. Servirá como um bom anestésico a ser aplicado por 17 dias
consecutivos no combate às agruras do mundo capitalista em crise. Aliás,
crise financeira é algo que não existe no principal escalão do mundo
esportivo.
*Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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