*Por Roberto Malvezzi
Estamos atravessando uma cíclica e grande seca no
Nordeste. Quem vive por aqui sabe que, ao andar pela caatinga, se
avistar um conjunto de árvores verdes, é porque elas devem estar à beira
de um riacho intermitente. No cerrado essa vegetação também é chamada
de mata de galeria. Costuma ser mais frondosa que a vegetação ao redor.
O
próprio povo do sertão aprendeu a fazer cacimbas – pontos de coleta de
água de minação – no leito dos riachos temporários. Eles só “botam
água”, como diz o povo, quando chove. Mas, mesmo intermitentes, é em
seus subsolos que muitas vezes se busca água em tempos de seca.
Além
do mais, quando não existe mata ciliar ao redor desses rios com
características tão próprias, as suas enchentes costumam ser mais
abruptas e violentas, como aconteceu no sertão pernambucano, região de
Palmares e outras cidades, quando uma chuva torrencial arrasou cidades
que ainda hoje estão sendo reconstruídas.
O
Conselho Nacional de Recursos Hídricos fez uma oficina para debater a
questão da outorga da água nos rios intermitentes. Fui representar a
sociedade civil na oficina. Decidimos o óbvio: “outorga só para coleta
de águas, jamais para lançamento de dejetos”. É que nesses rios estão
importantes mananciais de abastecimento das populações do semiárido.
Pois
bem, a ditadura ruralista imposta ao povo brasileiro pela Câmara dos
Deputados, quer eliminar qualquer proteção aos rios intermitentes nas
novas regras do Código Florestal. A proposta é defendida pela senadora
Kátia Abreu que afirmou, em toda sua ignorância, que “se precisasse
dessas matas, na Europa não haveria mais rios”. Alguém precisa
esclarecer à senadora o que é um rio, o que é um bioma, um que é um
continente e a diferença entre eles.
O senador do
Acre, Jorge Viana, reagiu dizendo que isso é prejudicar 50% dos rios
brasileiros. O senador deveria saber que no Nordeste 99,99% dos nossos
rios são intermites, à exceção do São Francisco, Parnaíba e alguns
outros rios menores.
Assim, sem interferência do
mundo científico, desprezando as seguidas advertências dos técnicos da
Agência Nacional de Águas (ANA), contra a vontade de 80% do povo
brasileiro, a bancada ruralista, numa ditadura via Congresso, fulmina
nossas florestas, nossos rios e o promove o solapo das bases naturais
que sustentam nossas riquezas.
*Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.
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