Artigo de Chico Bicudo - Brevíssimas reflexões sobre a guerra de torcidas no julgamento do mensalão
O julgamento do "mensalão" no Supremo Tribunal Federal (STF)
transformou-se definitivamente em mais um capítulo da acirrada disputa
de torcidas que marca o atual empobrecido cenário político brasileiro.
As arquibancadas foram ocupadas e tomadas de assalto pelas duas
organizadas, a pular freneticamente, a agitar bandeiras e a entoar
gritos de guerra.
No final da semana passada, um lado estourava rojões e comemorava
efusivamente o voto do ministro Ricardo Lewandowski (uma espécie de
capitão de uma das alas), que isentou de culpa o deputado federal João
Paulo Cunha (PT/SP); vindos desse espaço no estádio, só se ouviam
elogios incontidos à Corte máxima brasileira e salvas de palmas ao
"amadurecimento da democracia nacional".
Enquanto isso, a outra metade do estádio não escondia expressões
raivosas, chutava cadeiras e se apressava a denunciar "o STF como a
vergonha do Brasil", entendendo que Justiça só seria feita com
julgamento sumário, tribunal de exceção, quase a exigir prisão perpétua
(quiçá pena de morte) em presídio em uma ilha distante e perdida para
todos os envolvidos no escândalo. Qualquer veredito que escapasse dessa
demanda seria entendido como "frustrante, tudo terminou mesmo em pizza".
Pois o jogo é dinâmico, o curso da disputa mudou – e, com ele, o rumo
da prosa foi também drasticamente alterado. Hoje, depois dos votos dos
ministros Carmen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux (a primeira, indicada pelo
ex-presidente Lula; os outros dois, indicados pela presidenta Dilma
Rousseff), que acompanharam o relator Joaquim Barbosa (o capitão da
outra equipe), a metade do estádio que se derretia em elogios acusa
duramente o STF de "fazer o jogo da mídia grande", de "ceder às pressões
da opinião pública", de "não julgar de acordo com as provas e de criar
precedentes perigosos". Em comportamento às avessas, para esses
torcedores, é como se Justiça só pudesse ser alcançada com a absolvição
incondicional de todos os réus, como se ao STF só coubesse a tarefa de
oferecer a todos os denunciados atestados incontestes de inocência.
A festa agora move a outra metade do campo, os que passaram o final
de semana de péssimo humor, que abrem largos sorrisos para, sem pudor ou
constrangimentos, jogando para debaixo do tapete as críticas que faziam
até então, derreterem-se em palavras graciosas e adjetivos para
ressaltar a atuação "sublime, perfeita, independente e republicana" do
Supremo.
Ao que tudo indica, assim seguiremos até o final do julgamento. Cada
voto será comemorado como um gol – e o outro lado vai se apressar a
indicar alguma irregularidade no tento, um impedimento de um jogador,
uma falta cometida no meio do campo, algum objeto atirado no gramado
pela torcida adversária...
Como anunciaria o genial e saudoso locutor Fiori Gigliotti, "abrem-se
as cortinas"... E "o show deve continuar", completaria o também genial e
saudoso Freddie Mercury.
Francisco Bicudo é jornalista e professor de Comunicação Social.
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