*Por Igor Lodi Marchetti
Diante da crise econômica
internacional européia, bem como da desaceleração do crescimento chinês, o
governo Dilma corre o risco de ver a crise chegando mais cedo do que imaginava.
Um sintoma disso é o baixo crescimento do PIB – Produto Interno Bruto, estimado
em 1,5% no ano de 2012.
Frente a essa desaceleração
econômica, o governo vem preparando uma série de ataques que buscam garantir o funcionamento
do capital contra os trabalhadores. Nesse sentido, várias propostas que
afrontam diretamente os direitos dos trabalhadores vem sendo encaminhadas, mas
uma delas vale especial atenção, qual seja; o Projeto de Lei que regulamenta o
ACE - Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico.
Alguns aspectos desse projeto de
lei devem ser analisados para prepararmos a classe contra a “nova” forma
encontrada pela burguesia para assegurar seus lucros.
Sobre o que trata
esse projeto ?
O projeto tenta dar um verniz de
desprendimento ao sindicalismo de tipo varguista – aquele atrelado diretamente
ao Estado – alegando que os acordos coletivos devem ter mais garantias
jurídicas para sua efetivação, trazendo consigo a concepção de que a CLT –
Consolidação das Leis do Trabalho - está ultrapassada e que muitas categorias
não possuem regulamentação específica, e que isso acaba gerando vários entraves
na relação entre os dispositivos nela constantes e a adequação ao ambiente de
trabalho.
Alegam que muitas vezes a lei não
está de acordo com a necessidade do trabalho, visto que muitas categorias de
trabalhadores não existíam na época que a CLT foi aprovada.
Mas o que não se aborda é que o
projeto estabelece que o acordado valha sobre o legislado. Tentando aparentar
uma “modernização” das relações de trabalho, o projeto na verdade é um nefasto
ataque contra os trabalhadores, pois em nome de uma suposta adequação das
relações de trabalho, flexibiliza direitos trabalhistas historicamente
conquistados com muita luta.
Com base nesse Acordo Coletivo
Especial, o sindicato e a empresa estipulariam, conforme a situação, o que
deveria ser estabelecido e o que não deveria de acordo com uma suposta
“compreensão” do que é adequado e do que não é para a relação trabalhista em
questão.
Vontade mútua das
partes ?
Para isso, segundo o projeto, as
partes deveriam estipular a realização do acordo de forma voluntária, ou seja,
de comum acordo, não existindo na teoria uma imposição a adesão.
No entanto, sabemos que a prática
não funciona dessa forma!
Acabamos de ver os trabalhadores
da General Motors de São José dos Campos tendo que fazer um acordo que
consideramos ruim, com a inclusão do PDV – Programa de Demissão Voluntária e
ainda não garantidos os empregos daqueles trabalhadores.
Mesmo com muita luta e
resistência contra a ameaça de fechamento da fábrica, medida essa inclusive utilizada
como chantagem pela empresa para a manutenção de seus lucros no país e repasse
de capital para sua matriz.
O sindicato conseguiu um período
para tentar reorganizar as lutas, e foi o que era possível, dada a correlação
de forças, mas o que queremos dizer é que mesmo quando o sindicato enfrenta os
interesses dos patrões como nesse caso, não há garantia de bom acordo.
Acreditamos que só com a luta que conseguimos conquistas, mas às vezes não é o
bastante.
Sendo assim, sabendo que na
sociedade capitalista quem detém os meios de produção é a burguesia, soa como
demagogia a ideia de que ambas partes poderiam determinar o que é melhor. A
própria abordagem dessa forma, como se empregado e patrão fossem iguais, já
demonstrou que sempre os trabalhadores arcam com as derrotas oriundas de tal
concepção.
Sobre a segurança
jurídica
Chega a ser ridículo, mas uma das
justificativas em defesa do Acordo Coletivo Especial é a dita segurança
jurídica no acordado. Tal elemento é colocado com o viés de dar efetividade aos
acordos. Mas após essa miscelânea de termos o que está por trás ?
A dita segurança jurídica que
aparentemente serviria para garantir que aquilo determinado em concordância
entre sindicato e empresa seja cumprido, na verdade serve para legitimar
acordos espúrios feitos pelos burocratas sindicais em que direitos
estabelecidos pela CLT são mitigados.
O que ocorre hoje é que quando há
um acordo que claramente prejudica o trabalhador, o Ministério Público do
Trabalho não aceita, não dando parecer favorável, o que culmina na não
homologação do convencionado. É contra isso que se insurge o ACE, uma tentativa
de legitimar acordos que na verdade retiram direitos dos trabalhadores.
Para fazer um paralelo, a
abordagem da segurança jurídica do projeto é a mesma invocada quando se alega
que a pretensão do trabalhador de pedir aquilo que não foi pago pelo
empregador, e que o próprio Direito do Trabalho o considera como devido,
prescreve em dois anos após a rescisão do contrato para trabalho.
A segurança jurídica nesse caso
tem um lado, o do patrão. No ACE, ela atua como forma de impedimento a que
qualquer trabalhador questione na justiça do acordo firmado.
CLT é base
Lógico que muitos dispositivos da
CLT estão desatualizados e necessitariam de mudanças no sentido de garantir
direitos aos trabalhadores, mas devemos considerar que o que está na lei é o
mínimo que não deve ser atacado.
O que está na lei, assim está
porque muita luta foi feita para isso, não foi dado de graça !
Nesse sentido, consideramos que a
CLT possui vários problemas e não contempla os direitos dos trabalhadores, mas
é a base, ou seja, o mínimo previsto como direito.
Os acordos coletivos não impedem
que se melhorem as condições para os trabalhadores, aliás, o próprio Direito do
Trabalho nasce desses acordos coletivos como forma de estabelecer uma igualdade
de situação, e após um processo de unificação dos acordos de várias categorias,
muitas das disposições desses acordos tornaram-se leis.
A CLT inclusive é fruto disso,
visto que não se trata de um Código, mas de uma Consolidação de Leis, o que
configura na própria forma a natureza dos dispositivos, ligada diretamente ao
enfrentamento de classes.
Mas o que o projeto do chamado
“Acordo Coletivo Especial” propõe é que o acordado possa valer sobre o
legislado, e esse é o grande problema. Com nomenclaturas conciliatórias como
negociar, adequar, dar segurança às partes, na verdade se quer retirar aquilo
considerado como mínimo.
Os trabalhadores a cada ano
teriam que conquistar tudo novamente e as negociações sairiam sempre do zero !
Vários direitos como de férias,
reajuste, 13º salário, horas extras, etc, poderiam ser convencionados conforme
os interesses da empresa, usando o sindicato como um avalista dos ataques
perpetrados pela patronal.
De onde vem o ataque ?
Incrivelmente esse projeto é uma
iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), um dos principais
dirigidos pela CUT, e que o apresenta como forma de defender uma “modernização”
nas relações de trabalho.
O mais intrigante são os termos
usados e o próprio ataque à CLT, que são feitos da mesma forma que as entidades
patronais como a FIESP sempre agiram.
Na verdade o que está em curso é
uma reforma trabalhista nos moldes neoliberais, que já foi rechaçada quando FHC
era presidente e agora, por meio dos sindicatos atrelados diretamente ao
governo Dilma tentam implantar, dizendo que é uma proposta dos trabalhadores.
Importante dizer que a proposta
não vem diretamente do governo, mas de um sindicato ligado a central com mais
capilaridade entre os trabalhadores do país, construída com muita luta mas que
cada vez mais se mostra à mercê dos interesses do governo e sua agenda de
manutenção da balança fiscal.
Disputa dos instrumentos de luta com a burguesia
O que verificamos com tudo isso é
que termos e estruturas historicamente construídos em favor dos trabalhadores
contra a burguesia, são usados agora para atacar os trabalhadores.
É impressionante, mas como já
dito acima o acordo coletivo foi um avanço aos acordos individuais realizados
entre patrão e empregado, em que aquele acabava pagando menos para um do que ao
outro. Isso era interessante para a burguesia, pois dividia a classe e desviava
a luta contra o capitalista.
O acordo coletivo pôs fim a essa
aberração e serviu para acumular forças entre os trabalhadores por melhores
condições de trabalho inicialmente, e após uma consciência de classe para
formulação de um programa de luta dos trabalhadores.
No entanto, agora sob o nome
“Acordo Coletivo com Propósito Específico” está sendo engendrado um ataque ao
que já foi conquistado por anos de enfrentamento.
Outro fato é que a proposta vem
de um sindicato, instrumento de luta dos trabalhadores, e não da patronal ou do
governo, mas que uma vez burocratizado serve de apêndice à exploração do
capital, como também a história nos mostra com inúmeros exemplos. Utilizam nesse
caso a CUT para propor ataques aos trabalhadores.
A questão é tão escandalosa que parte
da CUT já se opôs ao projeto. Trata-se do setor denominado de “CUT PODE MAIS
!”, que diante dessa atitude de colaboração de classes da direção, tenta
deslegitimar até pela criação desse movimento, a ideia de que os trabalhadores
defendem o projeto.
Contra o sindicalismo varguista !
Dizer que os sindicatos precisam
romper com a estrutura estatal e devem ter autonomia, é um palavra de ordem que
defendemos. No entanto, usado de forma vazia para simplesmente negar o que já
está garantido em lei, é outro absurdo que devemos combater.
A alegação de que temos que
romper com o sindicalismo de molde varguista, tem todo nosso apoio, e por isso
somos contra o imposto sindical que atrela ao Estado o repasse de verbas para
os sindicatos, não existindo, assim, autonomia financeira sindical.
Porém, o que se fala no projeto é
que a CLT é muito atrasada e não comporta mais sua aplicação na atual
conjuntura econômica e social. Ou seja, os direitos dos trabalhadores devem
ficar de lado dependendo da situação econômica. Isso é o que tem por trás da
crítica à CLT como vem sendo feita pelo SMABC.
Esse setor da CUT que propõe essa
ofensiva neoliberal com roupagem trabalhista, é na verdade quem, por exemplo,
defende o imposto sindical. Falam de liberdade sindical, todavia estão
diretamente vinculados ao governo atual.
Para enfrentar o sindicalismo
varguista que na prática é o modelo que CUT, Força Sindical, CTB, UGT, NCST,
etc. defendem, só com a organização e financiamento independente dos trabalhadores.
Unidade contra o ACE
Em vista desse ataque da burguesia,
temos mais do que nunca organizar a classe trabalhadora de todas as formas
possíveis, seja com manifesto subscrito pelos sindicatos e federações
sindicais, seja com encontros dos trabalhadores, pressão no parlamento por meio
dos mandatos parlamentares do PSOL, ou campanhas massivas por todo país para deslegitimar a proposta, buscando
assim apoio inclusive de setores da CUT que estão indignados com a proposta.
Mais do que nunca a unidade das
lutas se faz necessária, e para isso precisamos que as centrais sindicais
CSP-Conlutas, Intersindical, e todas as demais correntes sindicais
independentes se juntem em torno de uma campanha unificada de enfrentamento a
esse projeto neoliberal.
* Igor Lodi Marchetti é Advogado e militante da LSR - Liberdade, Socialismo e Revolução.
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