quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Levantes de massas na África do Sul - 120 mil mineiros em greve!


*Por Mariana Cristina

Entrevista realizada com a companheira Liv Shange, militante do DSM (Movimento Socialista Democrático), sessão da África do Sul do CIT-Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, durante reunião do Comitê Executivo Internacional do CIT.
Levando em consideração o aumento das lutas na África do Sul, principalmente entre os mineiros, o que desencadeou essas lutas?
Avalio que foi principalmente os enormes lucros que as companhias mineiras tiveram. Foram muitos negócios e muitos lucro, isso explica em partes a explosão de luta. Na África do Sul se encontra 86% da reserva mundial de platina. Apesar das companhias terem lucrado muito no último ano, o preço de platina caiu significativamente, pela metade do preço. Por isso algumas companhias tentaram fechar parte das minas, pois a produtividade estava baixando. No entanto, somente fecharam duas ou três minas, pois foram cuidadosos. Levando em conta sua busca por lucros, os patrões poderiam fechar mais minas, mas temeram a reação dos trabalhadores.
Penso que os trabalhadores foram muito explorados, que proporcionaram lucros muito grandes, mas estão percebendo que isso está terminando por causa da crise e estão reivindicando sua parte no crescimento.
A situação política está muito complicada neste momento e esta também é uma razão para as greves estarem ocorrendo agora. Pois existe uma desilusão com o governo do CNA. Há 5 anos houve uma campanha política pela eleição do presidente Zuma, do CNA, com a participação da central sindical Cosatu e do partido comunista, que gerou muita ilusão na população de que iria acabar com as políticas neoliberais. Julius Malema, então figura pública dirigente da juventude CNA também construiu esta campanha. Nós percebemos que o Zuma ia ter uma política mais de direita que o presidente anterior e que não era uma alternativa para os trabalhadores, então nos opusemos a ela.
CNA tinha um slogan “por uma melhor vida para todos”, gerou muita esperança e ilusão nas pessoas. Os sindicatos também sustentaram essa ilusão.
Antes de Zuma houve uma má experiência com o CNA, o Zuma era como uma última alternativa para a classe dominante, que se escondia atrás dele. Era o último freio das lutas. O Zuma é presidente há 3 anos e não melhorou em nada a vida dos trabalhadores. Foi eleito em abril de 2009. Nesses 3 anos houve um aumento nas lutas sociais. Imediatamente depois das eleições houve um movimento nos bairros para exigir serviços básico, como água, moradia digna, etc.
O mistério do interior notificou que houve em média 3 protestos por dia, por diferentes demandas. A indústria privada teve um recorde de greves, mas também no setor público. Mas boa parte das greves não foram vitoriosas.
Um fator determinante nessas greves foi a burocratização e degeneração dos sindicatos, como o sindicato dos mineiros, especialmente o NUM. Também em 2008 a crise econômica chegou na África do Sul. Em 2009 perdeu-se um milhão de postos de trabalho. O sindicato ficou imóvel e não fez nada, ele se limitou a disputa interna no CNA. O sindicato começou a reproduzir a posição das companhias, defender seus interesses. O sindicato tem sua própria empresa de fundo de investimentos. Tem uma burocracia que tem muitos privilégios, o secretário geral do NUM ganha 105 mil por mês, enquanto o trabalhador ganha 4 mil, na moeda local. Tentaram fazer uma disputa ideológica dizendo que seria melhor se não houvessem greves para ter um clima positivo para os investimentos. Os sindicatos se posicionaram contra a nacionalização da indústria de mineração. Para explicar, essa burocracia sindical ela não se restringe aos dirigentes mais altos, mas também nos níveis mais baixos. Os diretores sindicais que estão liberados ganham 14 mil a mais que seu salário. Eles geralmente são trabalhadores mais qualificados, com mais formação, que já ganham um pouco mais que os demais.
No últimos anos ocorreram vários conflitos entre os executivos das minas e os trabalhadores, o ritmo dos conflitos foi aumentando progressivamente. Na mina onde começou a primeira greve, houve um acordo salarial com um pequeno grupo dos trabalhadores e não com todos. Esse acordo teve como consequência que outros trabalhadores, que não foram beneficiados com este acordo, começassem a reivindicaram suas próprias demandas.
Elegeram seus próprios comitês independentes, em cada unidade de trabalho, com seus próprios representantes e não permitiram o sindicato participar. Os executivos chegaram a negociar com os comitês. Em 9 de agosto deste ano começou uma das maiores greves e o sindicato dos mineiros, o NUM, se opuseram a ela.

Quais sindicatos organizaram a greve?
O AMCU, o outro sindicato da categoria dos mineiros. Antes da greve este sindicato tinha delegados em duas unidades de trabalho. Os trabalhadores não permitiram que nenhum sindicato participasse das manifestações, para não ter briga entre eles. Os trabalhadores queriam falar sobre a greve e não sobre temas da burocracia sindical. Mas esse sindicato, o AMCU, gerou certa simpatia nos trabalhadores, pois foi acusado pelo NUM por ter provocado a greve, o que não era verdade, mas ilustrou a diferença entre os dois e os trabalhadores eram a favor da greve. Mas o AMCU diante das acusações recuou na luta, deixando de apoiar as greves.
Depois do monstruoso massacre na Marikana, aonde 34 trabalhadores foram assassinados pela polícia, ouve aumento das lutas. Após um mês os trabalhadores conseguiram um aumento de entre 11 e 18% na mineradora Lonmin, que tentou por um fim na luta com este aumento. Mas, os mineiros desta companhia começaram a discutir com os trabalhadores de outras mineradoras para fazerem uma greve conjunta em solidariedade aos trabalhadores mortos. Depois que começaram essas greves simultâneas o governo e as empresas tentaram desfazer a greve e por isso ofereceram 22% de aumento só para Lonmin e o acordo foi fechado em 22 de setembro. O efeito foi o contrário do que esperavam, pois os outros trabalhadores viram que foi uma vitória e queriam sua parte também. Trabalhadores das mineradoras de ouro e cobre também passaram a fazer greve e pediram um aumento mínimo de 12%. Era uma demanda simbólica, pois pediram exatamente o mesmo valor que os trabalhadores assassinados estavam pedindo. Houve muita solidariedade aos trabalhadores assassinados. Os trabalhadores nos procuraram, os militantes do CIT, por que queriam ajuda para coordenar a greve.
Fundaram um comitê nacional de greve, tinham 60 mil trabalhadores em greve que mandaram representantes para o comitê nacional, no ponto mais alto da greve teve 120 mil.

Quais as perspectivas para a continuidade da luta? Existe a possibilidade de construir um novo partido?
As perspectivas não estão claras. Este ano triplicaram o número de membros o CIT. Existem trabalhadores debatendo em vários lugares falando em nome do CIT, pois falta uma alternativa política. Há um enorme potencial de luta. Discutimos com os trabalhadores nos comitês de greve, que continua funcionando permanentemente. Para nós temos duas tarefas: construir a sessão do CIT aqui, pois acreditamos no programa socialista revolucionário; mas também existe o potencial para construir um novo partido de massas, que é urgente para atuarmos na luta de classes. Há um vazio de uma organização de esquerda que não conseguimos ocupar devido a nossas pequenas pernas. Temos um perfil muito alto e mantemos o slogan de um novo partido de massas, alternativa ao partido comunista, que apoia o governo. Estamos em contato com grupos de moradores que lutam por melhores condições de vida nos bairros e também temos contatos com outros grupos pequenos de esquerda. Há um pequeno grupo que se construiu recentemente e que em dois meses depois da sua formação já tinha conquistado vitórias eleitorais, com 12 vereadores. Estamos discutindo com eles a construção de um novo partido amplo.

Outros movimentos surgiram neste último período na África do Sul?
Outros movimentos ocorreram a partir da greve dos mineiros, como o dos trabalhadores rurais (que trabalham diariamente em latifúndios, que chegar ater 3 mil trabalhadores) que fizeram greves por demandas parecidas as dos mineiros e também fizeram comitês de greve.
A população em geral apoia a greve dos mineiros, mas existiu um pouco de confusão depois do massacre em Marikana, por causa da imprensa que os difamou. A identidade de classes fez a população apoiar os mineiros, mas nem todos, pois muitos ficaram confusos com a matança, achando que os mineiros eram “criminosos”. A imagem do governo ficou muito debilitada depois do massacre, mas não existe uma alternativa política ao governo do CNA. O governo foi para a direita e teve muito escândalo de corrupção, delitos, acusações de abuso sexual, mostrando como está muito degenerado.

Como foi a sua experiência nesta luta sendo mulher, branca e estrangeira?
A sessão do CIT está presente no país desde o começo dos anos 90 e milita com movimentos independentes dos trabalhadores. Eu moro no país faz 10 anos. Construímos uma base nos trabalhadores de platina. Nosso companheiros são figuras públicas entre os mineiros. São sempre saudados pelos trabalhadores.
EU participei ativamente na greve. Em geral quando estou na greve as pessoas não se fixam em quem sou, de onde eu vim, mas na identidade de classe, sou mais uma lutadora, isso pois tivemos um programa coerente que abria um dialogo com os trabalhadores, depois tivemos que aperfeiçoar o programa com o ritmo dos acontecimentos.
Não senti preconceito por ser um das poucas brancas. Mas o fato de ser mulher no começo foi um pouco difícil, pois os trabalhadores tem “tradição de guerra”, uma estrutura muito própria, com músicas e danças próprias, e é basicamente formado por homens. Mas a identidade de classe se fez presente e como construí a luta duramente conquistei um respeito.  

*Mariana Cristina é militante da LSR-RJ e do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores - CIT.

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