segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Governo Dilma precisa de firme decisão sobre a demarcação e entrega de terras indígenas


*Por Gabriel Brito

Tornada mundialmente conhecida nos últimos tempos, a luta pela terra dos guaranis kaiowá do estado do Mato Grosso do Sul continua sofrendo com a opressão e violência do latifúndio, inclusive após a ampla campanha de divulgação de sua calamidade, realizada pelos movimentos indigenistas, militantes e entidades políticas e sociais solidárias, tanto em fins de 2011 como 2012.

Na esteira do tenebroso saldo de 500 guaranis mortos na última década no estado, é notória a política de genocídio orquestrada pelo poder econômico, amparado numa justiça local classista, em campanhas midiáticas incessantes (inclusive de cunho racista) e lenientes poderes políticos. O impulso da violência anti-indígena pode ser atribuído também ao governo federal, entusiasta dos monocultivos e das usinas de etanol e cana de açúcar, mais de uma dezena delas inauguradas no estado, inclusive sobre terras indígenas, no período petista.

Dessa forma, os índios guarani do MS seguem encalacrados, constantemente ameaçados e perseguidos pelos jagunços e milícias dos “empresários” do campo, que invadiram suas terras e agora formam poderosa articulação política no sentido de desmontar legislações e direitos favoráveis aos índios, sempre sob a “imbatível” justificativa do desenvolvimento e do crescimento econômico.

Feito o preâmbulo, não surpreende que 2013 tenha iniciado sob o mesmo espectro de violência e morte que marca a vida dos guaranis de hoje. Na terça-feira, foi descoberto um plano de pistolagem que visava acabar com a vida de Ládio Verón, cacique da aldeia Takuara, município de Juti, área de 100 hectares encravada numa fazenda de cana e habitada há oito anos por cerca de 90 famílias à espera da homologação e desintrusão de seus 7000 hectares de território reivindicado.

“O mandante é o mesmo de sempre, o Jacinto Honório Filho, que mais uma vez tentou contratar um pistoleiro pra me matar. A sorte é que a própria sogra dele descobriu o plano e veio me avisar o mais rápido possível”, contou Ládio ao Correio, neste mesmo dia, expondo mais essa faceta da miséria humana, uma vez que o executor em questão seria um indígena chamado Moacir, morador da própria aldeia, em troca de 600 reais, um celular, um carro e uma pistola. “A Polícia Federal veio até a aldeia e foi até a casa do indígena (Moacir), mas ele já tinha fugido”, completou o cacique, cujo pai, Marco, foi assassinado em 2003 pelo mesmo grupo empresarial.

“Quem administra a fazenda é o senhor Romão Evangelista, já que o Jacinto mora em São Paulo. Hoje ficaram aqui a PF e uma funcionária da Funai. Disseram que vão fazer inquérito, mas não muito mais que isso. Até agora não tem nada escrito e concretizado”, falou, antes de o Ministério da Justiça entrar no circuito e começar a articular uma proteção mais efetiva da aldeia.

Isso porque, ainda na terça, membros do Ministério chefiado por José Eduardo Cardozo já recebiam os apelos indígenas por mais proteção, além de uma postura mais firme do governo federal, muito pouco atencioso em relação aos nossos povos originários nestes dois anos sob Dilma Rousseff. “Ainda não temos resposta do governo. É simples: a briga é pela terra e precisamos de segurança. E por enquanto essa segurança não está garantida”, resumiu Ládio.

Vale lembrar que até hoje a presidente não recebeu índios, de quaisquer etnias ou conjuntamente, para uma reunião e esclarecimentos políticos a respeito de sua situação e demandas. “Recebemos os contatos dos indígenas e acionamos também a Secretaria de Direitos Humanos, que também acompanha o caso, além da própria PF, pra obter mais informações. Ele (Ládio) já está no programa de defesa da pessoa, já tomamos providências pela segurança da aldeia”, explicou ao Correio Marcelo Veiga, assessor do Ministério, já na tarde de quarta-feira.

Com isso, a Força Nacional de Segurança voltou a ser acionada para fazer a guarda dos guaranis, porém, com maior abrangência e preparo, a fim de evitar intimidações e surpresas ante as bem armadas milícias do campo. “Precisamos de uma avaliação maior da PF e da Força Nacional, para depois deslocar mais efetivos para a proteção da aldeia”, ressaltou Veiga, dando a entender que é possível esperar uma maior interferência federal na questão, após anos de pressão dos movimentos indígenas e seus apoiadores, que até hoje não esquecem da promessa de Lula de homologar todas as terras indígenas necessárias.

“A FUNAI é muito fraca e ainda vemos uma troca de acusações contra outros órgãos oficiais. A PF saiu daqui e ninguém está fazendo segurança. Não sabemos como está o Moacir e estamos de coração na mão”, contou Ládio, na noite de quarta, 30, a qual passaram em claro todos os moradores da aldeia.

Ataques de janeiro

Mas enquanto nada nesse sentido acontece, o latifúndio prossegue em suas pressões e violências contra os indígenas, especialmente os líderes e os mais combativos deles. Somente no primeiro mês do ano, outros dois ataques foram registrados, que por pouco não terminaram em mais mortes a engrossarem a já extensa lista de vítimas do “moderno e avançado” agronegócio brasileiro.

Além de incêndios que os bombeiros de Caarapó atestaram como fruto de ação humana, nos dias 6 e 27, “no último dia 30, Genito Gomes, filho da liderança assassinada em 2011 Nízio Gomes, relatou ao conselho da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – que ele e um grupo de indígenas sofreram uma tentativa de atropelamento por uma caminhonete S10 branca. O caso foi denunciado à polícia, que foi hoje ao local apurar as informações”, revelou o jornalista Ruy Sposati, também assessor de movimentos sociais.

Na mesma matéria, podemos conferir que “a indígena Adelaide Sabino, do acampamento Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante, relatou ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário) ter sido alvejada com quatro tiros pelo arrendatário da fazendeira que incide sobre o território, reivindicado pela comunidade como tradicional do povo kaiowá. A indígena conseguiu escapar com vida do ataque, se escondendo na mata”.

Assim, urge uma atuação federal mais efetiva, uma vez que é de conhecimento geral que os poderes locais, estadual e municipal, estão fortemente mancomunados com o agronegócio do MS e inclusive já levantaram bandeiras francamente anti-indígenas nos últimos tempos, tendo responsabilidade direta no aumento da violência registrada no mesmo período.

“Nossa política é complexa, nessa história são muitos ilícitos envolvidos e muitas responsabilidades a serem compartilhadas. São vários os responsáveis pela situação, de variados poderes”, acusou Veiga, expondo todo o tabuleiro de interesses que segue a negar os direitos indígenas constitucionalmente reconhecidos, endossados por convenções internacionais assinadas pelo Brasil. “Mas temos equipe e faremos a proteção deles”, completou.

Hora de respostas concretas

Como se viu no fim de 2012, quando os indígenas anunciaram que iriam resistir até o fim a qualquer retirada forçada de suas terras ancestrais, o que chegou a ser erroneamente interpretado como possível suicídio coletivo, não restam mais alternativas aos governos de plantão, exceto a aceleração dos processos de demarcação e homologação dos territórios indígenas, caso queiram realmente cessar o clima de insegurança e violência que reina na região.

Enquanto isso, Moacir, índio como são aqueles que lutam pela sua terra histórica, segue foragido, ao passo que Dilma Rousseff roda o país, ora chorando pelas vítimas da tragédia de Santa Maria, ora participando de eventos promocionais de governo, como nesta sexta, dia 1º, na qual registrou a primeira visita presidencial da história a Castanhal (PA), onde entregou 800 unidades do empacado programa habitacional Minha Casa Minha Vida.

Após determinar, em dezembro, que a Funai concluísse os estudos dos territórios guarani kaiowá em disputa, num prazo máximo de 30 dias, não voltou a se pronunciar sobre o tema, mesmo após o fim do período determinado.

“O que esperamos é a resposta da Dilma. Ela tem que agilizar o processo de demarcação e entrega da nossa terra. Continuamos em 100 hectares, mas temos direito a 7000, como mostraram os estudos antropológicos”, reitera o cacique, em conversa telefônica desta sexta-feira no momento em que os habitantes da Takuara são protegidos por duas rondas diárias da Força Nacional de Segurança, o que aparentemente diminuiu a tensão interna e o assédio da milícia empresarial.

*Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

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