quinta-feira, 28 de março de 2013

Lógica da senzala continua no Brasil, apesar dos direitos do serviço doméstico!

*Por Maristela Farias
 
Em 2011 a mídia anunciava atônita que pela primeira vez na história, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE que a população de negros (composta de pretos e pardos) havia superado a de brancos, chegando a representar 63,7%, ou seja, cerca de 97 milhões de pessoas. Deste percentual, a maioria é constituída por mulheres negras que somam 50 milhões.
 
Proporcionalmente as mulheres negras equivalem a populações inteiras de países como África do Sul e Coréia do Sul, porém um grupo tão numeroso como este têm historicamente sofrido múltiplas formas de discriminação, fato este que coloca a mulher na base da pirâmide social.
 
Saber que os negros são a maioria no Brasil não é nenhuma novidade, basta olharmos em nossa volta para constatarmos qual é a composição étnico-racial dos brasileiros. Porém, o que nos causa estranheza é saber que durante muito tempo dados sobre raça foram omitidos dos censos e só a partir de 1976, através do PNAD que se começou a divulgar dados sobre emprego e rendas (SKIDMORE, 1991), depois de muita pressão do movimento negro.
 
As mulheres negras fazem parte de um contingente que durante séculos exerceram atividades nas lavouras, nas ruas como vendedoras e prostitutas, empregadas domésticas e outras atividades de baixa remuneração, condição esta que nem todas as mulheres passaram, aliás, as mulheres burguesas foram protegidas socialmente, já que no mundo ocidental cristão, difundiu-se que trabalhos pesados e atividades guerreiras eram incompatíveis com a imagem de “fragilidade feminina”, portanto longe do ideal de mulher disseminado pela burguesia.
 
As mulheres negras continuam ocupando atividades de subemprego, com baixa remuneração, insalubridade e sem proteção trabalhistas, a exemplo do trabalho informal e das funções de empregadas domésticas. É uma questão histórica e cultural, que tem que ser mudada!
 
Sob a égide da exploração e da opressão!
 
Ainda hoje, no Brasil, principalmente no interior, vemos meninas de 12 anos trabalhando por um prato de comida, como quando muitos ex-escravos seguiram trabalhando de graça em troca de abrigo e comida, porque o estado aboliu os escravos, mas deixou-os, a mercê da própria sorte. Mesmo nos grandes centros, a realidade escravocrata permanece, como quando vemos grandes mansões onde deveriam trabalhar cinco ou mais trabalhadores, com apenas uma ou duas, ou quando, domésticas que dormem na casa da (o) patroa (ão) ainda são submetidas à exploração de não ter uma carga horária definida e respeitada, trabalhando de domingo a domingo com folgas quinzenais, ou são oprimidas e vítimas de violência dos mesmos.
 
Segundo relatos à Revista Carta Capital N° 732 de Janeiro/2013 de Cleusa Maria de Jesus, presidente do Sindicato das Domésticas da Bahia, “Tapas, empurrões, braços e pernas quebradas são denúncias comuns”.
 
Não bastando toda esta realidade histórica e cotidiana das trabalhadoras domésticas, composta majoritariamente pelas mulheres negras, que são a base da pirâmide social brasileira, estas mulheres ainda aparecem nos mais altos índices de violência doméstica, estupros, exploração sexual, resultante da opressão machista e da exploração capitalista impregnada na sociedade.
 
Queda de mão de obra doméstica no Brasil – ou necessidade de romper o ciclo da exploração! 
 
Em janeiro de 2013, o serviço doméstico apareceu como sendo o setor da economia com maior aumento real de salário em comparação com o mesmo período de 2012, com uma alta de 6% – superando resultados da indústria, de 1,5%, e do comércio, de 4%. Segundo resultados da última Pesquisa Mensal de Emprego (PME), divulgada pelo IBGE dia 26/02/13, os salários dos trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas do Brasil cobertas pela pesquisa tiveram uma alta real média de 2,4%. E o aumento do trabalhador doméstico veio acompanhado de uma queda de 5,9% nos empregos do setor na comparação com dezembro de 2012.
 
Somente em Janeiro, 88 mil domésticos deixaram o mercado de trabalho doméstico no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A série do PME mostra que desde 2003, a parcela de domésticos na população ocupada cai ano em que representavam 7,6% desses trabalhadores. Hoje, são 6,1%, no mesmo período, os rendimentos da categoria acumularam alta de 53,2%, quase o dobro da média geral dos trabalhadores, que foi de 27,2%. Mesmo assim, o salário das domésticas chega a 40% da média de todos os trabalhadores.
 
Com tudo isso, elas ainda tem os  salários mais baixos entre todas as ocupações femininas, ainda há a informalidade que atinge quase 70% da categoria doméstica.
 
Em entrevista ao jornal O Globo de 27/02/13, Fernando Holanda Barbosa Filho da Fundação Getúlio Vargas diz que o fenômeno está relacionado ao aquecimento do mercado de trabalho e ao fortalecimento do setor de serviços, que não exige profissionais qualificados: quanto mais forte o mercado, menor o interesse das pessoas em permanecer no serviço doméstico e será preciso pagar mais para manter o empregado.
 
Mas a realidade tem mostrado que, mesmo com o alto índice de empregados domésticos, é cada vez maior e mais recorrente a ambição de mudar de profissão, e ao mesmo tempo há uma necessidade  e uma vontade de romper com o ciclo de exploração e opressão impostos com muito mais profundidade desta parcela da classe trabalhadora.
 
Entretanto, hoje, tem optado e se sujeitado a empregos não menos precarizados e exploradores, ganhando até menos na maioria das vezes, mas que lhes dão minimamente direitos trabalhistas, como “carga horária e função definidas”, folgas aos domingos, direito a férias, 13° salário, FGTS, etc. Não é a totalidade dos trabalhadores domésticos que optam por outra profissão que conseguem empregos com garantia, há muitos que estão na informalidade de outras profissões, mas que se sentem menos explorados e oprimidos.
 
Perspectivas econômicas e direitos para as domésticas!
 
Segundo dados da própria Organização Internacional do trabalho (OIT), em 2010, as empregadas domésticas no mundo eram de 7,2 milhões, enquanto em 1995, havia 5,1 milhões, mais de 95% mulheres.   Mesmo tendo havido um crescimento no mundo, no número de empregadas domésticas, nada se compara ao crescimento de 41% apresentado nos dados brasileiros. Expansão seguida pela alta de 47% nos salários, impacto muito provavelmente ocasionado pelo aumento do salário mínimo nos últimos anos.
 
Contudo, estes números não justificam o ufanismo destacado pelas novelas globais, em torno da ascensão econômica das empregadas domésticas, que ao mesmo tempo em que as retrata com possibilidades prósperas, capazes da noite para o dia se transformarem em empresárias bem sucedidas. Balela!
 
O que se dá na verdade, é uma tentativa ilusória e surrealista de contribuir com o “Mito da Democracia Racial”, impingido ainda mais na sociedade que no Brasil não há racismo, que somos todos iguais, e que “todos temos as mesmas oportunidades”, encobrindo o debate de que a Nação tem é uma dívida histórica com a população negra, desde o tempo da “Abolição da Escravatura”. Dívida esta, devida em especial às mulheres negras, que desde sempre neste país são trabalhadoras, oprimidas, exploradas e violentadas das mais variadas formas, mesmo após a abolição. Em 1943 quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entrou em vigor, as empregadas domésticas ficaram excluídas de qualquer direito.
 
Há uma nova perspectiva feminina e a sociedade não vai mais conseguir colocar a mulher de volta dentro de casa. Elas vão continuar trabalhando, tendo filhos, o que por si só já demonstra a necessidade de se pensar políticas públicas que atendam estas mulheres trabalhadoras, os filhos destas mulheres, bem como a importância dos homens se conscientizarem que tem que haver divisão de tarefas domésticas. Como o governo não avançará em políticas concretas para as mulheres trabalhadoras e a luta contra o machismo enraizado na sociedade capitalista ainda será longa, está muito distante de oferecer uma estrutura de apoio para que as famílias vivam sem os serviços da empregada doméstica, pautado ainda na perspectiva de que o Brasil é diferente de países da América do Norte e Europa.
 
Pressionado pela realidade, nesta terça-feira (26), por 66 votos favoráveis e nenhum contrário, o Senado aprovou a proposta de emenda à Constituição que assegura igualdade de direitos aos domésticos, como jornada diária de trabalho de oito horas e 44 horas semanais, além de pagamento de hora extra de, no mínimo, 50% da hora normal. Os direitos vão se somar àqueles já existentes, como 13º salário, descanso semanal, férias anuais e licença gestante.
 
Sete dos 17 itens ainda precisam ser regulamentados antes de entrar em vigor. Carecem de regulamentação o direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hoje facultativo, o seguro contra acidentes de trabalho, o seguro-desemprego, a obrigação de creches e pré-escolas para filhos e dependentes até seis anos de idade, o salário família e a demissão sem justa causa. O projeto tramita no Senado.
 
Mas restam incertezas. Por exemplo, como controlar as horas trabalhadas de quem dorme na casa do patrão!
 
O governo tem que avançar minimamente em ações de resultado, mas que também vêm acompanhadas de retrocessos, pois provavelmente os patrões explorarão e precarizarão muito mais a mão de obra diarista, na fuga da concessão dos direitos.
 
Sabemos que, por mais avanços que tenhamos nesta sociedade capitalista, ainda continuarão existindo as diferenças de raça, classe e gênero!
 
Por isso lutamos e defendemos uma sociedade socialista, na busca por uma sociedade mais justa e igualitária – Onde não haja opressores e nem oprimidos, onde não haja exploradores, nem explorados!
 
Maristela Farias
Mov. Nac. Quilombo Raça e Classe
 

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