Manifestações populares contra o amento das tarifas de transporte tomam as principais cidades do país.
Por André Ferrari
O Brasil vive um novo momento marcado por sinais mais evidentes da crise e um ressurgimento das lutas dos trabalhadores e da juventude. O ano de 2012 teve o maior número de greves dos últimos 16 anos. São trabalhadores do setor público resistindo aos cortes e retirada de direitos, mas são também os trabalhadores do setor privado exigindo sua parte no alardeado crescimento econômico.
Os efeitos políticos dessas lutas foram limitados em razão da fragmentação dos movimentos, o caráter governista das direções sindicais burocráticas e também as fragilidades da oposição de esquerda ao governo de Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT).
O ano de 2013, no entanto, dá indícios claros também do crescimento do desgaste político do governo e o surgimento de uma nova consciência em amplos setores da juventude e dos trabalhadores.
A imagem do Brasil como país que avança em direção ao 1º mundo está fortemente desgastada por uma situação de baixíssimo crescimento (menos de 1% em 2012) junto com inflação alta que afeta principalmente a população mais pobre.
No momento em que promove um giro à direita em sua política econômica (aumento nas taxas de juros, privatizações de portos, aeroportos, bacias petrolíferas, etc) o apoio ao governo federal nas pesquisas de opinião pública caiu 8% desde março (de 65% para 57%).
Tarifas de transporte como estopim das lutas nas grandes cidades
Nas últimas semanas estamos vendo uma verdadeira explosão de lutas populares, protagonizadas pela juventude e detonadas pela política de aumentos nas tarifas do transporte público. Em muitas capitais estaduais e grandes cidades, as manifestações assumiram uma dimensão qualitativa e quantitativamente superior que movimentos anteriores. Em muitas delas, como Porto Alegre, Goiânia, Teresina e Nata, o aumento das tarifas foi revertido.
Neste momento o palco principal da luta é a cidade de São Paulo. Com quatro manifestações realizadas desde o dia 6 de junho, o movimento cresce a cada dia. A exigência imediata é a redução das tarifas de ônibus e metrô de 3,20 para 3 reais, mas além disso, o movimento questiona toda a lógica do sistema de transportes na cidade voltado exclusivamente para o lucro de um punhado de empresários. Passagem alta, superlotação, condições precárias representam um pesadelo diário para trabalhadores e estudantes que tem que se deslocar todos os dias numa metrópole gigante.
No Brasil, calcula-se que 37 milhões de pessoas são excluídas do transporte público em razão das altas tarifas. Outras dezenas de milhões comprometem boa parte de sua renda, incluindo a alimentação diária, para se deslocar para seus locais de trabalho e estudo em meio a um transporte caótico e de péssima qualidade.
Uma das bandeiras que o movimento levanta é a tarifa-zero para os transportes em São Paulo. A ideia é que os empresários e setores mais ricos da população paguem a maior parte dos custos de transporte e não os trabalhadores e estudantes.
O projeto tarifa-zero chegou a ser defendido pelo PT nos anos 1980 quando o partido ainda era de esquerda e tinha base nos movimentos sociais. A atual prefeitura do PT, encabeçada por Fernando Haddad, rejeita hoje esse projeto, recusa-se a reverter as privatizações realizadas no sistema de transporte e atua com uma fidelidade canina em relação aos empresários do transporte.
O governo do estado de São Paulo, encabeçado por Geraldo Alckmin do PSDB, principal partido de oposição de direita ao governo federal do PT, e responsável pelo metrô de São Paulo também se recusa a discutir as reivindicações. Alckmin promove um processo de privatização das novas linhas do metrô e é o responsável pela dura resposta repressiva por parte da policia militar de São Paulo durante as manifestações.
Muitos jovens e trabalhadores que votaram em Haddad e no PT nas eleições municipais de outubro do ano passado para evitar uma nova vitória da direita tradicional, naquele momento encabeçada pelo candidato José Serra, hoje estão profundamente decepcionados com o PT. A unidade do PT com o PSDB contra as reivindicações do movimento e na política de repressão às manifestações provoca uma ruptura de amplos setores de sua base social e eleitoral.
Os crimes da Copa
Além da questão do transporte público, os grandes eventos que se realizarão no país nos próximos anos (Copa do Mundo de futebol em 2014, Olimpíadas no Rio em 2016) estão servindo de pretexto para uma verdadeira contrarreforma urbana nas grandes cidades. As obras relacionadas à Copa provocam a remoção de milhares de famílias de suas moradias e abrem caminho para a especulação imobiliária.
Ao invés de servir ao povo, a cidade se molda cada vez mais a serviço do capital. O espaço das cidades está à venda e qualquer obstáculo no caminho do lucro precisa ser eliminado. Tudo isso sob uma fachada de modernização e pacificação social.
Estádios são privatizados, a corrupção corre solta nas obras da Copa, a superexploração dos trabalhadores da construção civil nessas obras já provocou acidentes e mortes, as empreiteiras de obras em conluio com os governos lucram de forma exorbitante enquanto os direitos dos moradores das grandes cidades são pisoteados.
No dia de hoje, 14 de junho, começa uma jornada nacional de lutas dos movimentos populares por moradia, a Frente de Resistência Urbana, junto com os Comitês Populares da Copa, para denunciar os crimes da Copa.
Repressão e criminalização dos movimentos sociais
Diante do ascenso das lutas e da necessidade de bloquear as mobilizações na véspera da Copa das Confederações (que começa no dia 15 de junho), a repressão policial sobre as mobilizações se intensificou dramaticamente.
Ocupar as ruas, um direito democrático básico, fica proibido. Em muitas cidades, a repressão policial às manifestações nos lembra da ditadura militar. Das decisões judiciais proibindo manifestações até as balas e bombas da polícia contra manifestantes, vivemos um momento de grave ataque aos direitos democráticos mais básicos do povo.
Depois de uma forte campanha da mídia dizendo que os manifestantes contra o aumento das tarifas de transporte eram vândalos e arruaceiros e, dessa forma justificando e pedido repressão policial, a intensa repressão da manifestação do dia 13 de junho provocou grande comoção e a própria mídia teve que mudar de tom.
Em São Paulo, na noite de 13 de junho, a policia militar agrediu de forma covarde uma manifestação de cerca de 15 mil pessoas, pacífica e organizada, no centro da cidade. A polícia deteve de forma totalmente arbitrária 235 pessoas, muitos apenas por estarem próximo ao local do Ato e ter aparência de estudante ou carregar vinagre em suas mochilas para atenuar os efeitos do gás lacrimogêneo. A tropa de choque atirou bombas e balas de borracha de forma indiscriminada. Além de manifestantes, muitos jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas ficaram feridos. Até mesmo quem tentava prestar assistência média aos feridos era preso e seu material de primeiros socorros confiscado.
A repressão policial acontece em meio a um recrudescimento dos ataques aos movimentos sociais e aos pobres em geral. Em grandes capitais como São Paulo e Rio, a juventude negra nas periferias vive uma verdadeira situação de genocídio. Os casos de estupros no Rio de Janeiro aumentaram muito no último período. A violência policial racista, a ação impune dos grupos de extermínio, a violência contra a mulher, a criminalização da pobreza e a repressão sobre o direito de organização popular, são uma realidade nas periferias.
Lideranças rurais sem-terra tem sido assassinadas de forma sistemática e, recentemente dois dirigentes indígenas (das etnias Terena e Guarani-Kaiwoas) que lutam contra o agronegócio e o governo pela demarcação de suas terra também foram assassinados.
Em meio à Copa do Mundo, que pretende criar um verdadeiro estado de exceção no país, proibindo manifestações e a livre expressão, a luta em defesa dos direitos democráticos adquire uma importância central.
A cidade para os trabalhadores, a juventude e o povo
Essas lutas por transporte, moradia e o direito democrático de ocupar as ruas devem ser unificadas num grande movimento nacional pelo direito à cidade para os trabalhadores, a juventude e o povo.
Como resultado dessa luta unitária seria possível reconstruir as bases para uma reunificação e reorganização do movimento sindical, popular e estudantil combativo e independente dos governos e patrões. Um Encontro Nacional de trabalhadores e da juventude para levar adiante um plano de lutas unitários poderia ser construído. Além disso, o Encontro poderia fazer avançar o processo de construção de ferramentas de luta unitárias para o movimento sindical, popular e estudantil.
É isso que a LSR defende juntos aos movimentos sociais onde atuamos e também no interior do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Nossas bandeiras são:
• Redução imediata das tarifas de transporte! Lutar pela tarifa zero – que os patrões paguem pelo transporte público! Estatização com controle dos trabalhadores e usuários do transporte público! Não pagamento da dívida aos banqueiros e especuladores e investimentos maciços no transporte coletivo!
• Fim das remoções de moradores! Não à exploração sexual durante os eventos esportivos! Garantia dos direitos dos trabalhadores das obras da Copa! Não à privatização do Maracanã e à corrupção nas obras da Copa! Demarcação das terras indígenas! Não às leis de exceção impostas pela FIFA – pelo direito de organização expressão e manifestação!
• Não à repressão sobre as mobilizações da juventude e dos trabalhadores! Não à criminalização e judicialização da luta social. Liberdade imediata a todos os presos políticos da luta contra o aumento das passagens e outros movimentos. Não ao genocídio da juventude negra nas periferias!
• Por um dia nacional unitário de lutas em torno das bandeiras do transporte público, moradia popular, contra os crimes da Copa e em defesa do direito de manifestação e contra a criminalização da pobreza e repressão aos movimentos sociais.
• Por um Encontro nacional dos trabalhadores e da juventude para construir um plano de ação unitário e um Fórum nacional unitário de lutas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário