segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Monsanto censura e difama pesquisas contrárias ao seu milho transgênico

Por Silvia Ribeiro
La Jornada, Mexico,  Traduçao Adital
 
Em 2012, uma equipe científica liderada por Gilles-Éric Séralini publicou um artigo mostrando que ratos de laboratório alimentadas com milho transgênico da Monsanto durante toda a sua vida desenvolveram câncer em 60-70% (contra 20-30% em um grupo de controle), além de problemas hepático-renais e morte prematura. 
 
Agora, a revista que publicou o artigo se retratou, em outra amostra vergonhosa de corrupção nos âmbitos científicos, já que as razões apresentadas não são aplicadas a estudos similares da Monsanto. O editor admite que o artigo de Séralini é sério e não apresenta incorreções; porém, os resultados não são conclusivos, algo característico de uma grande quantidade de artigos e é parte do processo de discussão científica.
 
A retratação aconteceu após a revista ter contratado Richard Goodman, ex-funcionário da Monsanto, como editor especial. É o corolário de uma agressiva campanha de ataque contra o trabalho de Séralini, orquestrado pelas transnacionais. O caso recorda a perseguição sofrida por Ignacio Chapela, quando publicou na revista Nature que havia contaminação transgênica no milho camponês de Oaxaca.
 
Em outro contexto, mas sobre o mesmo tempo, Randy Schekman, que recebeou o Nobel de Medicina 2013, ao receber o prêmio chamou a boicotar as publicações científicas, "como Nature, Science e Cell” (e poderia ter incluído a que agora retratou a Séralini) pelo dano que estão causando à ciência, ao estar mais interessados em impactos midiáticos e lucros do que na qualidade dos artigos.
 
Schekman assegurou que nunca mais publicará nessa revista e chamou a publicar em revistas de acesso aberto, com processos transparentes. Soma-se a outras denúncias sobre a relação incestuosa das indústrias com esse tipo de revista, para conseguir a autorização de produtos através de publicar artigos científicos.
 
O estudo de Séralini é muito relevante para o México porque os ratos foram alimentados com milho 603 da Monsanto, o mesmo que as transnacionais solicitam plantar em mais de um milhão de hectares, no norte do país.
 
Caso seja aprovado, esse milho entraria massivamente na alimentação diária das grandes cidades do país, cujas ‘tortillerías’ (que fabricam tortilhas, feitas por milho), se abastecem principalmente nesses Estados.
 
Como o México é o país onde o consumo humano direto de milho é o mais alto do mundo e durante toda a vida, o país se converteria em uma repetição do experimento de Séralini, com gente em vez de ratos, com altas probabilidades de desenvolver câncer em alguns anos, em um lapso de tempo suficiente para que o governo tenha mudado e as empresas neguem sua responsabilidade, alegando que foi há muito tempo e não se pode demonstrar o milho transgênico como causa direta.
 
O artigo de Séralini foi publicado na revista Food and Chemical Toxicology após uma revisão de meses por outros cientistas. À horas de sua publicação e em forma totalmente anticientífica (não podiam avaliar os dados com seriedade nesse tempo) cientistas próximos à indústria biotecnológica começaram a repetir críticas parciais e inexatas, curiosamente iguais, já que provinham de um tal Centro de Meios de Ciência, financiado pela Monsanto, pela Syngente, pela Bayer e por outras multinacionais.
 
Para retratar o artigo, agora se alega que o número de ratos do grupo de controle foi muito baixo e que os ratos Sprague-Dawley usadas na experimentação têm tendência a tumores. Omitem dizer que a Monsanto usou exatamente o mesmo tipo e a mesma quantidade de ratos de controle em uma experimentação publicada em sua revista, em 2004; porém, somente por 90 dias, reportando que não havia problemas, conseguindo a aprovação do milho Monsanto 603.
 
Séralini prolongou a mesma experimentação e a ampliou, durante toda a vida dos ratos e os problemas começaram a aparecer a partir do quarto mês. Fica claro que a revista aplica duplo padrão: um para a Monsanto e outro para os que mostram resultados críticos.
 
A equipe de Séralini explicou que o número de ratos usados é padrão em OCDE em experimentos de toxicologia; mas para os estudos de câncer são utilizados mais. Porém, seu estudo não buscava câncer, mas possíveis efeitos tóxicos, o que ficou amplamente provado.
 
O maior número de ratos em estudos de câncer é para descartar falsos negativos (que haja câncer e não se veja); porém, nesse caso, a presença de tumores foi tão grande que, inclusive, para essa avaliação seria suficiente. Desde o início, sua equipe também assinalou que mais estudos específicos de câncer devem ser feitos.
 
Em âmbito global, há vários comunicados assinados por centenas de cientistas defendendo o estudo de Séralini; porém, no México, a Cibiogem (Comissão de Biossegurança), fazendo jus à sua falta de objetividade e compromisso com a saúde da população, publica somente o lado da controvérsia que favorece às transnacionais, ignorando as respostas de inúmeros cientistas independentes.
 
Isso é mais preocupante já que o governo afirma que a liberação do milho transgênico no México será decidido por critérios científicos. No entanto, consulta somente cientistas como Francisco Bolívar Zapata, Luis Herrera Estrella, Peter Raven e outros que têm conflitos de interesse devido à sua relação com a indústria biotecnológica.
 
O tema do milho no México excede os aspectos científicos; porém, qualquer consulta deve ser aberta e com cientistas que não tenham conflitos de interesse. Por exemplo, levar em consideração os documentos da Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad, apoiados por mais de 3 mil cientistas em âmbito mundial.
 
 
Silvia Ribeiro, Grupo ETC, www.etcgroup.org
[Publicado originalmente em espanhol em La Jornada]

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