Por Maurício Hashizume
Da Repórter Brasil
Da Repórter Brasil
Neste ano que se encerra, o cadastro de empregadores flagrados em
fiscalizações de combate ao trabalho escravo no Brasil completa 10 anos.
A “lista suja” do trabalho escravo, como ficou conhecida, foi criada
pelo governo federal por meio de uma portaria do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), em novembro de 2003. Desde então, vem sendo atualizada
(e ampliada) regularmente pelo Executivo – apesar das inúmeras
tentativas de deslegitimá-la.
Sim, é exatamente o que você está pensando. “Lá vem mais um
daqueles textos banais construídos a partir de efemérides”. Certo, a
questão dos “aniversários redondos” talvez esteja realmente muito
batida, mas o que se pretende aqui é estimular reflexões a partir de uma
data marcante. Afinal, muitas águas rolaram durante a última década.
O exercício proposto a partir dos dez primeiros anos do cadastro é
bastante simples: e se a “lista suja” do trabalho escravo não existisse?
Seguem abaixo cinco conquistas interconectadas que, em grande medida,
se tornaram possíveis a partir da adoção, sustentação e divulgação desse
instrumento sustentado pelo poder público.
Realidade
A realidade da exploração do trabalho escravo no Brasil seria, no
mínimo, mais “turva”. A ausência de um painel oficial, aberto e
acessível de pessoas físicas e jurídicas responsabilizadas
administrativamente em decorrência de inspeções que encontraram
trabalhadores e trabalhadoras em condições análogas à escravidão
restringiria o acesso a informações de interesse público, que
provavelmente ficariam “escondidas” nas malhas da burocracia interna
governamental. Com menos transparência, o conhecimento da população
sobre a situação do problema seria menor.
Relações de trabalho
As relações de trabalho no campo e na cidade, especialmente em
casos envolvendo grupos em situação de vulnerabilidade (migrantes,
estrangeiros etc.) seriam ainda um pouco mais favorável ao empregador.
Sem a possibilidade de sofrer qualquer tipo de exposição pública
pela exploração de mão de obra escrava, os empregadores teriam uma
preocupação a menos. Em variadas circunstâncias, o risco de ter o nome
incluído no temido cadastro foi citado por fazendeiros e empresários de
distintos portes e setores, por exemplo, como um aspecto importante a
ser evitado.
Pacto Nacional
O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, criado em
2005, dificilmente existiria se não houvesse a “lista suja” do trabalho
escravo. Levada a cabo por uma interlocução entre entidades civis que
atuam na área e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
iniciativa busca comprometer empresas e associações no sentido de cortar
relações econômicas com agentes envolvidos em flagrantes e de promover
ações internas e externas de incentivo ao combate da violação de
direitos fundamentais. Inúmeros casos envolvendo companhias privadas
ganharam projeção maior por conta do Pacto Nacional.
Incômodo
O incômodo das entidades patronais – com destaque para organizações
ruralistas – com a articulação interinstitucional dedicada ao
enfrentamento do trabalho escravo seria provavelmente reduzido.
Considerada como uma das relações institucionais hoje existentes
que mais trazem constrangimento ao patronato nacional, a “lista suja”
está no cerne das reclamações da larga e poderosa bancada ruralista
instalada no Congresso Nacional.
Daí a recorrente reação da parte dos grandes produtores rurais:
tanto impedindo punições mais duras a quem comete o crime como tentando
fragilizar o “conceito” de escravidão.
Reconhecimento
O reconhecimento do conjunto de medidas voltadas ao combate ao
trabalho escravo no Brasil não teria a projeção internacional que
atingiu na atualidade.
O cadastro é uma peça-chave no sistema montado pelo país, que tem
na estruturação dos Grupos Móveis de Fiscalização, no funcionamento da
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e na
definição dos dois Planos Nacionais de Erradicação do Trabalho Escravo
(2003 e 2008) alguns de seus outros principais pilares.
Nos últimos anos, o “pacote” brasileiro, a despeito de suas lacunas e limitações, vem merecendo destaque em relatórios globais.
Seriam possíveis muitas outras “suposições” relacionadas à
inexistência do cadastro mantido por uma nova portaria (n° 2/2011),
agora interministerial, assinada pelo MTE e também pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
Grande parte dos conflitos referentes à vergonhosa prática do
trabalho escravo no Brasil, envolvendo a iniciativa privada e órgãos
públicos, guarda alguma relação com a referida (e tão atacada) tabela.
E você, imagina como seria se a “lista suja” do trabalho escravo não existisse?
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