sexta-feira, 21 de março de 2014

Comissão da verdade resgata legado histórico do líder camponês José Porfírio

Por Vasconcelo Quadros

Do iG

Posta no esquecimento pelo regime militar e negligenciada pela esquerda, a biografia do líder camponês José Porfírio de Souza, responsável pelo único movimento rebelde bem-sucedido no meio rural no período republicano - o conflito de Trombas e Formoso, em meados da década de 1950, no Norte de Goiás - e um dos principais alvos da ditadura de 1964, foi, finalmente, resgatada pela Comissão Nacional da Verdade.



Em audiência no sábado (15) em Goiânia, dirigentes de entidades civis e figuras desconhecidas do Brasil urbano se alternaram na tribuna da Assembleia Legislativa de Goiás para recontar a história do conflito armado de Trombas e Formoso para exigir do governo a localização dos restos mortais de José Porfírio, caçado entre 1964 e 1972, preso e, em junho de 1973, incluído na lista de desaparecidos políticos.



A figura de Porfírio, ou Zé Profiro, como era chamado pelos posseiros, é uma espécie de elo perdido para explicar a conturbada década que culminou no golpe civil-militar de 1964 e, mais tarde, nos conflitos armados que marcaram os anos de chumbo. Sua figura é praticamente indissociável da luta pela reforma agrária, bandeira associada à época aos fantasmas do comunismo e incluída entre as justificativas do golpe civil-militar.



Ele liderou o movimento armado que venceu as milícias paramilitares, jagunços e forças da Polícia Militar, entre 1955 e 1957, nos municípios goianos de Formoso e Motividiu do Norte, conquistando parte das terras devolutas que os grileiros queriam tomar dos posseiros. Em 1962, Porfírio elegeu-se deputado estadual, o primeiro do país de origem camponesa e, com o golpe de 1964, mergulhou na clandestinidade para tentar organizar focos de guerrilha rural e impor resistência ao militarismo.



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Principal alvo dos órgãos de repressão, Porfírio seria preso em dezembro de 1972, no Maranhão, na Operação Mesopotâmia, organizada pelo Exército para eliminá-lo. Levado para o Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do Comando Militar do Planalto, em Brasília, foi solto em junho de 1973 para então desaparecer na rodoviária da capital federal.



A localização de Porfírio, numa fazenda no município maranhense de Riachão, seria precedida por inúmeras prisões no Norte goiano, entre as quais seu filho de 17 anos, Durvalino, torturado barbaramente e depois, com transtornos mentais, internado num hospital psiquiátrico de Goiânia, de onde desapareceria sem deixar vestígios.



“Ele foi um líder rural autêntico”, diz a ex-militante comunista Dirce Machado da Silva, presidente da Associação dos Lavradores de Trombas/Formoso, enviada à região em 1954 pelo PCB para dar orientação política ao líder dos posseiros. Autodidata, Porfírio aliava uma inteligência inata com a coragem e rebeldia, atributos que, logo depois da cassação, o colocariam no topo da lista das lideranças camponesas a ser perseguidas com o golpe de 1964.



Presente na audiência em Goiânia, Dirce lembra que os militares temiam a figura de Porfírio pela atuação na guerrilha de Trombas e Formoso, por seu simbolismo na luta pela reforma agrária - uma das bandeiras que ajudariam a derrubar o ex-presidente João Goulart - e pela capacidade de liderança no meio rural. Em torno dele gravitavam os grupos que lutavam pela reforma agrária, estudantes, intelectuais e comunistas, alguns deles ligados à ala que se desligaria do PCB para fundar o PC do B e que mais tarde organizaria a Guerrilha do Araguaia.


“Os militares tinham muito medo do Porfírio”, afirma o presidente da Associação dos Anistiados Políticos de Goiás (anigo), Marcoantônio Dela Côrte. O militante é testemunha de encontros de Porfírio com Francisco Julião, organizador das Ligas Camponesas), e com o líder comunista Gregório Bezerra, que tentaram estabelecer pontos de guerrilha em Goiás.



“O resgate oficial do movimento de Trombas e Formoso pela CNV vai colocar o Porfírio no seu devido lugar: ele foi o principal líder rural em dois períodos de resistência. Por isso foi implacavelmente perseguido e morto”, afirma Dela Côrte.



Procurado pelos órgãos de repressão logo após o golpe, o líder camponês fugiu com ajuda de um colega do Congresso, o ex-ministro e ex-governador de Goiás Iris Rezende. Durante a fuga, chegou a trocar tiros com policiais. As divergências sobre a opção pela luta armada o aproximariam dos dissidentes comunistas e de organizações da esquerda armada, como a POLOP (Política Operária), o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e, finalmente, da Ação Popular (AP), esta dirigida na região pelo padre português Alípio Freitas.



“Ele era indisciplinado. Queria enfrentar a ditadura contra a orientação do partido. Isso era uma loucura! Como enfrentar? O PCB então se retirou”, conta Dirce. Ao ser preso, Porfírio já se encontrava nas cercanias do circuito da Guerrilha do Araguaia, mas não há registro de que soubesse ou tivesse desenvolvido alguma articulação com dirigentes do PC do B. Sua captura coincidiria com a primeira fase da repressão ao Araguaia, quando os militares ainda faziam prisioneiros.



Porfírio foi preso em dezembro de 1972. Ficou seis meses na cadeia do PIC, em Brasília e, no final, acabou sendo solto, segundo se suspeita, para ser apanhado clandestinamente pelos órgãos de repressão. A soltura coincide com o período em que a ditadura já se decidira pela eliminação das principais lideranças subversivas.

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