sexta-feira, 21 de março de 2014

“Junho impulsionou a luta por moradia” - Entrevista com Guilherme Boulos do MTST

Entrevista com Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Houve um acentuado aumento de ocupações e luta por moradia no último período. Segundo Guilherme Boulos do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), isso tem a ver com o aumento da especulação mobiliária e o impulso que os movimentos de junho deram às lutas. Aqui segue uma entrevista sobre a luta do MTST.
Como a luta por moradia tem se desenvolvido desde junho?
– Nos últimos meses houve uma explosão de ocupações urbanas, principalmente em São Paulo. Como a maioria delas foi espontânea, sem relação com movimentos, não temos um número exato. Mas é certo que em São Paulo ocorreram mais de 50 ocupações no segundo semestre de 2013. Isso não se via há muito tempo e demonstra que a luta territorial se tornou um barril de pólvora por conta do fortalecimento da especulação imobiliária.
Por que esse aumento da luta por moradia agora?
– Há uma razão estrutural e outra conjuntural. O problema estrutural é fortalecimento inédito do capital imobiliário na última década. O Governo do PT financiou pesadamente as grandes construtoras e incorporadoras. Para a construção pesada foi o PAC. Para a construção civil, o Minha Casa Minha Vida e o Pacote Copa. Nunca houve tanto recurso público - seja do Orçamento ou do BNDES - à disposição para o setor imobiliário e da construção. E como isso se fez sem nenhuma regulamentação, o resultado foi um crescimento brutal da especulação imobiliária. Nos últimos 5 anos a valorização em São Paulo foi de mais de 150%, no Rio mais de 220%, e por aí vai. Com isso agravou-se o problema da moradia, porque o valor dos aluguéis subiu muito. Quem morava longe foi pra mais longe. E pra muitos só restou a alternativa de ocupar.
– A razão mais conjuntural foram os efeitos das jornadas de junho. A consciência popular teve um salto importante com a demonstração de que era possível ir massivamente às ruas e obter vitórias, como foi a redução da tarifa. Depois do deserto neoliberal tucano, de anos de estagnação das lutas populares nos governos petistas, as lutas populares voltaram à cena. Junho teve um importante efeito de exemplo, inclusive sobre os trabalhadores das periferias, que tiveram uma participação menor nas mobilizações daquele período.
Conte sobre a ocupação Vila Nova Palestina!
– A Vila Nova Palestina é hoje a maior ocupação urbana do país. Reúne 8 mil famílias, que estão organizadas em 21 grupos, com cozinhas coletivas e reuniões diárias. Além de ser um grande exemplo do crescimento das lutas, tem sido um espaço importante de organização coletiva e formação política para milhares de trabalhadores. Fizemos lutas importantes nos últimos meses e devemos - ao que tudo indica - ganhar o terreno para construção de moradias.
Quantas ocupações o MTST está organizando neste momento?
– O MTST tem dezenas de ocupações espalhadas por sete estados do país. Em São Paulo, além de 5 ocupações que estão nos terrenos, temos outras nove organizadas em núcleos comunitários.
Quais conquistas o movimento conseguiu nesse último período?
– A luta tem dado frutos também do ponto de vista da conquista de moradia. Embora não nos definimos como um movimento de moradia é preciso ter conquistas para avançar no trabalho de organização territorial.
– Destaco duas importantes vitórias recentes: Ganhamos o terreno da Ocupação Novo Pinheirinho de Embu, que estava há anos com impedimentos judiciais, e se iniciará este ano a construção de pelo menos 1,3 mil apartamentos, que atenderão lutadores de 3 ocupações. E também os Empreendimentos João Cândido e Chico Mendes, que têm os maiores apartamentos do Minha Casa Minha Vida Faixa 1 (até 3 salários mínimos de renda) do país. São apartamentos com 3 dormitórios e 63 m², com o mesmo recurso que as construtoras fazem de 39 m².
Quais são perspectivas para a luta na periferia hoje, seja por moradia, saúde, educação, transporte, etc.?
– Hoje está melhor para mobilizar e organizar. Muitas lutas, não só por moradia, tem pipocado espontaneamente. E o Movimento, assim como o Periferia Ativa, tem sido chamados a atuar em várias partes para organizar lutas diversas. A saldo positivo de junho foi sem dúvida a abertura de um novo cenário para as mobilizações no país.
O MTST foi um dos primeiros grupos a denunciar e mobilizar em torno dos problemas geradas pela realização da copa do mundo, como o MTST tem visto as últimas manifestações e as ações da polícia?
– Já fizemos importantes lutas em relação à Copa, desde 2011. Ocupamos obras de estádios (incluindo o Itaquerão e o Mané Garrincha), ocupamos o Ministério do Esporte, pressionamos o Ministro Aldo Rebelo em uma atividade em São Paulo e fizemos 3 ou 4 jornadas que pautaram os crimes da Copa. Despejos, gastos públicos inaceitáveis, especulação imobiliária, enfim, os efeitos perversos deste tipo de megaevento. A repressão é parte desta receita e tem tomado uma amplitude preocupante. O Governo, a mídia e o conjunto dos setores mais reacionários tem se utilizado do pretexto que as ações black blocs – que consideramos equivocadas – tem dado para promover uma escalada de criminalização: lei antiterrorismo, prisões e processos judiciais e agora o ataque preventivo que Alckmin pegou emprestado da teoria de guerra do Bush.
O MTST mobilizará contra a Copa do Mundo nos próximos meses?
– Sim. Entendemos que as ações precisam ocorrer no período mais próximo do evento. Em maio iniciaremos grandes mobilizações em relação à Copa do Mundo. Com caráter de denúncia, mas não só. Exigindo ações de reforma urbana e investimento em serviços públicos pelos governos, com pautas concretas e bem definidas. A repressão não impedirá as mobilizações. Parece que muitos ainda não aprenderam a lição e isso pode ter um custo alto para os governos que insistirem em reprimir ao invés de buscar atender de fato às reivindicações colocadas nas ruas.

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