Sucateamento dos órgãos
agrários ameaça a soberania ambiental, territorial e alimentar brasileira
Associação
Nacional dos Servidores do MDA – ASSEMDA
Associação
Nacional dos Engenheiros Agrônomos do INCRA – ASSINAGRO
Confederação
Nacional das Associações dos Servidores do INCRA – CNASI
A agricultura familiar, com sua
renda de cerca de R$ 54 bilhões/ano, há muito deixou de ser coadjuvante da
economia nacional, sendo um dos atores principais da distribuição de renda do
Brasil. Em 2006, o Censo Agropecuário do IBGE consolidou um quadro claro desse
setor, apontando que mesmo com cerca de 4,3 milhões de estabelecimentos ocupa
somente 24,3% da área agricultável, produz 70% dos alimentos consumidos no país
e emprega 74,4% dos trabalhadores rurais, além de ser responsável por mais de
38% da receita bruta da agropecuária brasileira.
Apesar de toda essa atividade e
importância da agricultura familiar, o governo brasileiro, paradoxalmente,
promoveu nos últimos anos o desmonte da estrutura dos órgãos de desenvolvimento
agrário no país. A baixa remuneração percebida pelos servidores destes órgãos
tem também sido um importante agente de evasão e precariedade dos serviços
prestados. Os concursos para provimento nos órgãos agrários são pouco atraentes.
E mesmo os escassos processos seletivos realizados foram incapazes de recompor
o quadro de servidores. Nestes órgãos, não há política de capacitação, nem
política de qualidade de vida no trabalho, tampouco política salarial. A
remuneração dos trabalhadores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) são, por
exemplo, duas vezes e meia inferior à do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA). Sendo que em todos os órgãos, INCRA, MDA e MAPA,
realizam-se funções similares e até 2008 tinham seus salários equiparados.
Distorção que se aprofundou justamente no governo do Partido dos Trabalhadores.
Portanto, é de se perguntar: como os
órgãos estatais responsáveis pela questão agrária poderão cumprir sua missão
institucional e o compromisso de campanha da presidente Dilma em erradicar a
miséria no meio rural? Ou, como estes órgãos poderão incentivar a mudança no
padrão de produção agrícola no Brasil, cumprindo a legislação ambiental,
incentivando métodos agroecológicos, ao invés da utilização massiva de
agrotóxicos e insumos tóxicos? A resposta é simples: assim não é possível!
O governo secundarizou a
estruturação do serviço público no MDA e no INCRA, o que acaba também por secundarizar
a promoção de formas sustentáveis da produção agrícola. O sucateamento dos
órgãos de desenvolvimento agrário e da falta de recursos para suas ações, mesmo
com belas campanhas promocionais do governo, revela uma triste realidade: a
agricultura familiar no Brasil encontra-se mais endividada que nunca. A reforma
agrária está parada. A concentração fundiária cresceu nos últimos anos e as
mortes no campo por conflito agrário se propagaram. A pobreza concentrou-se
justamente no meio rural, como mostram os dados apresentados pelo próprio
governo. Na última década, o uso de agrotóxicos no Brasil assumiu proporções
assustadoras. Entre 2001 e 2008, a venda de venenos agrícolas no país saltou de
US$ 2 bilhões para cerca de US$ 7 bilhões, quando alcançamos a triste posição
de maior consumidor mundial de venenos. Foram 986,5 mil toneladas de
agrotóxicos aplicados. Em 2009, ampliamos ainda mais o consumo e ultrapassamos
a marca de um milhão de toneladas – o que representa nada menos que 5,2 kg de
veneno por habitante do Brasil.
O atual modelo agrícola implantado
no Brasil, baseado na grande monocultura, no uso intensivo de agrotóxicos e na
produção de commodities para exportação é insustentável. Os dados gerados pelos
próprios agentes do agronegócio atestam isso. Os números da CNA (Confederação
Nacional da Agricultura), organização patronal representante dos grandes
produtores, destacam os sucessivos prejuízos sofridos pelos grandes produtores
de grãos. Em fevereiro de 2010, levantamento feito pela CNA concluiu que a
produção de milho era “economicamente inviável nas principais regiões
produtoras do país”. Em julho de 2010, também o boletim “Custos e Preços”,
divulgado mensalmente pela Confederação, relatava que em apenas uma região do
Brasil os preços recebidos pelos produtores de arroz e milho eram suficientes
para cobrir os custos de produção. A CNA usa estes números para ameaçar: “Que
não seja uma surpresa o não-pagamento aos bancos”, bradava a senadora Kátia
Abreu. Evidentemente, na época não demorou muito para a imprensa começar a
divulgar a renegociação das dívidas dos produtores rurais.
Porém, diante desses fatos, como
explicar os lucros dos grandes produtores de soja e milho, que vivem a ostentar
seu progresso? E como explicar, do outro lado, a situação precária em que vive
a maior parte dos agricultores familiares no Brasil?
Os lucros dos grandes produtores só
são possíveis devido ao tamanho das suas propriedades – trata-se de economia de
escala. As margens de lucro em geral são, de fato, muito estreitas. Mas, é
preciso observar que estes sistemas são extremamente vulneráveis e
frequentemente, ao invés de lucro, dão prejuízo. E sobrevivem graças aos
polpudos incentivos concedidos pelos governos, como, por exemplo, os repetidos
perdões de dívidas. A agricultura patronal recebe, em média, 20 vezes mais
recursos governamentais que a agricultura familiar.
Não se pode deixar de mencionar,
além disso, que os grandes produtores não assumem os custos ambientais e
sociais gerados pela agricultura patronal – as chamadas “externalidades
negativas”. Quem paga, na prática, pelas contaminações ambientais e
intoxicações provocadas por este modelo de produção é a sociedade. Os grandes
produtores rurais ignoram estes custos – e, por isso, fizeram de tudo para
alterarem de forma irresponsável o código florestal e manterem a
desregulamentação da comercialização de agrotóxicos no Brasil.
Nos últimos anos, porém, a sociedade
brasileira colocou para si o desafio do desenvolvimento econômico calcado na
sustentabilidade ambiental. Foi assim, quando as pesquisas de opinião mostraram
que 80% dos brasileiros rejeitavam as alterações do código florestal que
implicariam em prejuízos ambientais. Em sua grande maioria, o povo brasileiro
quer a promoção da agricultura familiar no campo brasileiro, quer a promoção de
formas ecológicas na produção de alimentos.
Mas para que a agricultura ecológica
possa de fato se desenvolver, se expandir e, quem sabe, tornar-se hegemônica no
Brasil serão necessárias profundas mudanças nas políticas agrícolas e agrárias
no Brasil. É bom lembrar que o agronegócio teve até hoje absolutamente todos os
incentivos que se pode imaginar: pesquisa agrícola, assistência técnica,
financiamentos, apoio à comercialização e os intermináveis perdões de dívidas.
A agricultura familiar, por outro
lado, sempre foi preterida em termos de incentivos governamentais. Na questão
da assistência técnica, por exemplo, o programa ATER do MDA – programa de
orientação básica a técnicas de produção –, não conseguiu se consolidar até hoje
por uma questão fundamental: faltam servidores. Todos os técnicos do MDA estão
com sua carga máxima de contratos para fiscalizar. Atualmente, há cerca de 50
contratos que estão assinados e não iniciam suas atividades porque não há
técnicos disponíveis para fiscalização. No INCRA, o programa de assistência
técnica sofrerá com o corte de 70% das verbas de custeio feitos este ano de
2012. Se a situação atual for mantida será inevitável redução dos serviços de
assistência técnica aos assentamentos da reforma agrária. Os contratos já
feitos poderão ser cancelados.
É preciso que haja uma grande
mudança de perspectiva na concepção e condução das políticas e programas
governamentais, para colocar o controle da malha fundiária nacional, a
agricultura familiar, a reforma agrária e a agroecologia no centro das
prioridades.
Contudo, as dificuldades do serviço
público nos órgãos de desenvolvimento agrário (INCRA e MDA) são históricas.
Aprofundaram-se ao longo do governo Lula e vem se agravando muito nos últimos meses.
Hoje os órgãos do Estado brasileiro, responsáveis pela questão agrária, não têm
nenhuma condição de promover o desenvolvimento agrário no Brasil preservando a
natureza, ou seja, não responde a uma questão básica discutida pela sociedade
civil nesse momento de realização da conferência “Rio + 20”:
A missão do INCRA e do MDA é,
principalmente, realizar a reforma agrária; promover o desenvolvimento
sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares;
identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular as terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades quilombolas. Entre essas atribuições estão ainda
a fiscalização do cumprimento da função social dos imóveis rurais, além de
regularizar e ordenar a estrutura fundiária do País. Em síntese, os órgãos do
desenvolvimento agrário cuidam das atividades produtivas das 30 milhões de
pessoas que vivem da agricultura familiar no Brasil.
O INCRA, entre 1985 e 2011, teve o
seu quadro de pessoal reduzido de 9 mil para 5,7 mil servidores. Nesse mesmo
período, sua atuação territorial foi acrescida em 32,7 vezes – saltando de 61
para mais de dois mil municípios, um aumento de 124 vezes no número de projetos
de assentamentos assistidos. Até 1985, o INCRA geria 67 projetos de
assentamento. Hoje, este número supera os 8,7 mil e a área total assistida
passou de 9,8 milhões para 80,0 milhões de hectares – cerca de 10 porcento do
território nacional. O número de famílias assentadas atendidas pelo órgão
passou de 117 mil para aproximadamente um milhão, totalizando cerca 4 milhões
de pessoas. Ressalta-se ainda que o número de servidores está prestes a sofrer
novas reduções. Até 2014 outros dois mil funcionários do INCRA estarão em
condições de aposentadoria, aprofundando ainda mais o déficit de servidores no
órgão.
No MDA, por sua vez, foram
necessários 10 anos e um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o
Ministério Público para que o órgão realiza-se o seu primeiro concurso público,
em 2009. Hoje, o número de efetivos no órgão é inferior a 140 servidores. Isso,
para todo o Brasil. Quantitativo irrisório para um órgão que tem como atuação
precípua o desenvolvimento econômico no campo brasileiro e o combate à pobreza
no meio rural – onde se localizam 50 porcento das famílias que vivem em extrema
pobreza no Brasil (ou 4 milhões de pessoas).
Por isso, no último dia 4 de junho
de 2012 os servidores dos órgãos agrários do país aprovaram durante o encontro
nacional da categoria um indicativo de greve para o dia 26 de junho de 2012.
Será a primeira greve unificada dos servidores do INCRA e MDA. Essa decisão
tomada representa um amadurecimento da compreensão dos servidores. Representa
também a constatação de que é necessário dar uma resposta contundente ao
descaso do governo com os órgão agrários que vem se alongando há muito tempo.
Até o momento o governo não apresentou nenhuma proposta às demandas dos
profissionais e muito menos para a reestruturação dos órgãos agrários, que
marcham para um desmanche estrutural. O governo não oferece condições materiais
e humanas para o pleno funcionamento desses órgãos, quando não responde à
necessidade de recomposição salarial de seus servidores e o aumento do quadro
de pessoal através de concursos públicos – apesar dessa demanda ser
reiteradamente apresentada em todas as tentativas de negociação realizadas.
Agindo assim, o governo impede o cumprimento da missão institucional dos órgãos
agrários do Brasil.
Nós, servidores públicos federais
lotados nos órgãos agrários do Brasil, acreditamos que a mudança necessária se iniciará
com uma questão básica: a salvação dos órgãos públicos responsáveis para o
atendimento das demandas do desenvolvimento agrário. É preciso que os
movimentos sociais e o povo brasileiro em geral – real beneficiário das
políticas públicas da nação –, se somem aos servidores na defesa da
estruturação do INCRA e do MDA, exigindo dos parlamentares e do governo
respostas claras e inequívocas.
Valorizar o
serviço público no MDA e no INCRA é valorizar o controle da malha fundiária
nacional, a agricultura familiar, a reforma agrária e o desenvolvimento rural
sustentável.
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