Por Flavia Alli*
Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana nos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos empates na floresta amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras, na década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo, o qual anda de mãos dadas com o governo petista.
Osmarino viajou pelo Brasil, nesse semestre, em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade, e o fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida por Osmarino Amâncio.
Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando junto à burguesia?
Osmarino - Primeiro são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente, é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha, e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo de fazer ramais, para escoação do produto dentro da reserva, e ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fazer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES, do Banco Interamericano do Desenvolvimento para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 megaprojetos que vai detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação. Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “autossustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!
O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles tem intervindo na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?
Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Mas, eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte… Mas, ele convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais. Essa são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio +20, com todas nossas ideias e documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGS como USAID, WWF, Greenpeace, – todas as entidades que defendem o desenvolvimento sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que liberar para o norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha…) continuarem poluindo no resto do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero”, quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida, e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil fica sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada; e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos, e eles farão toda a destruição na Amazônia.
Como é feita a cooptação dos trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e qual a interferência na luta de classes?
Osmarino – Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas… As pessoas que não tem consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não tem consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabe que qualquer “deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo madeireiro, ficar contra o movimento, e defender o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alivio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas, e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede… Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.
A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?
Osmarino – O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito, e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol… E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos, e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Então, a Lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 km² que serão inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma; investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.
Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?
Osmarino – Primeiro, eles tentam usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto , e passam a fazer a tal da “formação” para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada, e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses jovens, ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo, e também impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar, por serem acusados de estupradores. A justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade (16). Eles confundem a população, e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil tem sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude, e como o estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.
Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?
Osmarino – Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a natureza, explorando trabalhadores, e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas -, e tampouco a energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo, -sendo que ela é fonte de renda da população local, é ela que evita, também, o aquecimento global –, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira “legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente. Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio +20 nesse cenário?
Osmarino – A Rio +20 será para selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGS e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade, tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio +20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.
Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino – O que todo mundo tem que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação… índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo, e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável – um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades tem três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos. Acredito que a CSP Conlutas pode ser um seio aglutinador destas categorias que querem fazer o confronto à burguesia na luta de classes.
*Flavia Alli é jornalista.
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