*Por Guillermo Almeyra
Os Estados capitalistas dependentes, que na América Latina têm
governos chamados progressistas avessos a aplicar as políticas impostas
pelo Consenso de Washington, estão presos a uma engrenagem que devora
continuamente os esforços em favor de uma mudança econômica e social,
mecanismo que reproduz e agrava o passado, afirmando por tabela as
políticas neoliberais que tais governos declaram combater.
Suas economias vivem cada vez mais da exportação de commodities, com
base no cultivo de poucos produtos exportáveis; além do mais, precisam
de investimentos estrangeiros pra impulsionar uma industrialização de
base e a criação de infra-estruturas porque o grande capital controla o
tesouro nacional e o exporta, e os grandes capitalistas extraem e levam
embora, legal ou ilegalmente, capitais e lucros de centenas de milhões
ou bilhões de dólares.
Os bancos, as grandes indústrias exportadoras ou produtoras de
alimentos e bens de consumo e inclusive boa parte da terra estão, com
efeito, em mãos estrangeiras e sua produção e exportação são, na
realidade, um comércio interno entre a matriz e diversas filiais de
empresas transnacionais.
Os carros argentinos, por exemplo, são Fiat, Ford, GM ou de outras
marcas similares; o aço argentino é da transnacional Techint; os grãos
exportados, da Cargill, Bunge e Dreyfus, grandes transnacionais do
setor; e a propriedade do gás, do petróleo e da eletricidade segue em
mãos estrangeiras, pois a papagaiada renacionalização da YPF se limitou
apenas ao controle do Estado de 51% das ações do ex-sócio majoritário, a
Repsol, que continua na empresa – que é mista, não estatal; enquanto
68% das jazidas argentinas são exploradas por outras empresas igualmente
privadas, em sua imensa maioria de outros países. A Petrobras, por sua
vez, não é brasileira, mas uma companhia mista, e o mesmo acontece com a
grande maioria das alavancas econômicas boliviana ou equatoriana.
Esses governos, para sustentar a alta lucratividade dos investidores,
devem manter sob controle as rendas reais dos trabalhadores, o que
impede um aumento maior da construção de casas e do consumo de bens
essenciais e, consequentemente, uma importante parte da população
economicamente ativa se encontra no chamado setor informal (de
desemprego disfarçado), no desemprego estrutural e na pobreza. Os vários
subsídios estatais na realidade não têm como principal motivação
aliviar a pobreza e assegurar um mínimo de consumo, mas, acima de tudo,
baratear a mão de obra ao reduzir o preço dos serviços, em particular do
transporte, e de alguns bens-salário. São subsídios ao setor patronal
porque o Estado contém dessa forma as demandas salariais e garante uma
força de trabalho barata, porém, de alta produtividade.
Essa política de sustentação estatal dos lucros patronais nos tempos
de crise, como o atual, é insustentável e não pode impedir nem as
demissões nem um novo aumento da pobreza, tampouco o alto número de
desempregados; nem sequer se trava a desindustrialização relativa porque
quando a especulação se concentra no setor de grãos ou alimentícios
(soja, milho, trigo) é muito mais lucrativo colocar os capitais neste
comércio do que investir a longo prazo nos mercados asfixiados pela
escassa capacidade de consumo de uma grande massa de sua população.
Por outro lado, as tentativas de unificar esforços, por exemplo, no
contexto do Mercosul, são frutíferos só a médio ou largo prazo, pois por
mais importantes que sejam, não dão resultados imediatos e não há
nenhuma cooperação financeira estreita entre países membros, nem uma
moeda comum, e como ditos esforços devem vencer os interesses
particulares de cada nação, a coordenação de uma possível uma unificação
aparece mais como meta do que como uma solução imediata.
Isso leva a se recorrer desesperadamente a uma nova panacéia: o
desenvolvimento da mineração para extrair ouros, metais e terras-raras,
seja qual for o ônus social, ambiental e político. Também conduz à
redução ao máximo das margens democráticas, para silenciar protestos da
sociedade e tomar decisões repentinas – de cima, sem consultas –
chocando, assim, com a base social de tais governos e pisoteando leis e
instituições.
Deste modo, governos que foram resultado direto ou indireto de
mobilizações pela democracia e mudança social, agora restringem os
limites da democracia e reproduzem a velha ordem social,
enfraquecendo-se.
Não dá pra se livrar dos males do capitalismo com mais capitalismo. A
solução a esse nó górdio novamente é a de Alexandre: cortá-lo. Agora,
bem, é impossível a autonomia e não é possível comer soja e prescindir
do comércio exterior, mas este poderia ser monopolizado pelo Estado, que
venderia a produção a outros países pagando diretamente a seus
produtores. É possível igualmente priorizar o futuro, as próximas
gerações, preservando a água e o ambiente, em vez de entregá-los às
mineradoras estrangeiras, e é factível começar a planejar a produção e
consumo, assim como reconstruir o território, considerando em conjunto,
com os países vizinhos, os recursos, meios e necessidades.
Exatamente porque a crise é profunda e duradoura, e contrariamente a
muitas fanfarronadas ditas há pouco tempo, nossos países não estão
blindados a ela, a alternativa é clara: seguir com esse jogo e
afundarmos ainda mais ou tomar medidas radicais que possam ajudar uma
transição fora, realmente, da lógica infernal do capital, contando com o
apoio e a mobilização dos trabalhadores e populações. Isso requer
deixar de lado a arrogância dos ignorantes. Não é tempo para decisões de
gabinete de tecnocratas, mas de discussão pública e democrática sobre o
que deve ser feito diante de grandes problemas.
- http://www.correiocidadania.com.br
*Guillermo Almeyra é professor de Relações Sociais da UNAM
(Universidade Autônoma do México) e membro do conselho editorial da
revista Sin Permiso.
Publicado originalmente em La Jornada.
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