O atual mês de julho deveria ser encarado por Dilma Rousseff como um
marco importante das absurdas limitações que vão se impondo ao seu
governo, em decorrência de decisões equivocadas que vêm sendo assumidas
desde o início do seu mandato.
O início da gestão do atual governo foi marcado pelo temor de um
propalado recrudescimento inflacionário, que o levou a decidir, através
do Banco Central, pela elevação sistemática da taxa Selic, por cinco
diferentes vezes consecutivas. O ministro da Fazenda declarava, então,
que o seu objetivo era produzir uma desaceleração no ritmo da atividade
econômica, como forma de arrefecer a pressão inflacionária que,
supostamente, se apresentava como uma perigosa tendência, necessária de
ser combatida. Outra preocupação explícita da equipe econômica era com o
processo de valorização do real frente ao dólar, especialmente pelos
efeitos negativos produzidos nos resultados da balança comercial.
Já a partir da metade do ano passado, contudo, a percepção dos
gestores da política econômica havia se alterado: a desaceleração
econômica já se fazia sentir de forma mais intensa que o desejável e o
agravamento da crise europeia se adicionava às preocupações do governo.
As medidas de elevação da taxa de juros acabaram por produzir uma
estagnação econômica no terceiro trimestre do ano e as medidas de
injeção de liquidez – adotadas pelos bancos centrais americano e europeu
– mantiveram em alta os fluxos de capital especulativo para países como
o Brasil, contribuindo para a valorização indesejável do real.
Neste contexto, 2012 tem início com Dilma Rousseff preocupada em
evitar o pífio crescimento do PIB observado em 2011 (2,7%), abaixo da
média do PIB mundial e o mais fraco desempenho entre os países da
própria América do Sul. Para o governo, a ideia era procurar assegurar
uma expansão do PIB de 4,5%. Com relação ao câmbio, medidas buscando
inibir operações de empréstimos e financiamentos entre filiais de
multinacionais e suas matrizes ajudaram a diminuir o fluxo de entrada de
recursos especulativos no país. Além disso, a saída de recursos de
estrangeiros aplicados nas bolsas de valores e mercadorias acabou por
produzir uma relativa desvalorização do real.
Entretanto, sob o ponto de vista do ritmo da atividade econômica, os
resultados não poderiam ser mais desanimadores. Sucessivas reavaliações
foram feitas desde o início do ano, por parte do próprio governo e de
instituições ligadas ao chamado mercado, e hoje se torna consenso que,
na melhor das hipóteses, a economia deverá crescer em torno de apenas
2%. As várias medidas que têm sido anunciadas, sempre em torno da
desoneração fiscal e da concessão de crédito subsidiado a setores
empresariais, parecem não mais surtir o efeito esperado. Há incertezas
por parte do capital privado para novos investimentos e as respostas na
esfera do consumo se mostram tímidas frente ao forte endividamento das
famílias, contraído nos últimos anos, mesmo diante da política em curso
de redução das taxas de juros.
A grande alternativa que poderia estar ao alcance do governo seria
uma guinada nos chamados gastos públicos, tanto em termos de novos
investimentos como no incremento de gastos de custeio, particularmente
no atendimento às demandas salariais do funcionalismo. Para tanto, a
diminuição das metas de superávit fiscal poderia abrir uma margem de
manobra importante ao governo, para a viabilização desses objetivos.
Porém, esta é uma medida quase proibitiva, dentro da lógica do governo.
Para o rompimento da verdadeira ditadura fiscal representada pelo
superávit primário, de forma consequente e sustentável, haveria a
necessidade de uma abrangente mudança no conjunto da política
macroeconômica. Mecanismos de controle sobre os fluxos cambiais, maior
eficácia fiscalizatória sobre os bancos e uma substantiva mudança no
padrão de administração da dívida pública, com uma forte redução nas
taxas de juros dos títulos públicos – muito além da redução da taxa
Selic – seriam medidas essenciais.
Haveria, particularmente, a necessidade de uma forte atenção com
nossas contas externas, fortemente pressionadas pela conta de serviços e
pela redução do saldo comercial, ampliando ano após ano o déficit em
conta corrente do país. Controlar as remessas de lucros ao exterior e
dotar nossas exportações de maior competitividade, através de uma taxa
de câmbio desvalorizada, seriam também medidas importantes para uma
transição que tivesse como objetivo uma nova realidade econômica,
favorável ao capital produtivo, à geração de empregos de qualidade e à
ampliação dos gastos públicos.
A maior dificuldade para uma mudança dessa natureza não se encontra
na esfera técnica. Os obstáculos são de natureza política. A adoção de
uma política econômica alternativa implicaria romper com o pacto de
poder hegemônico, construído desde meados dos anos 90, e que tem nos
bancos e multinacionais os seus principais avalistas e beneficiários.
Exigiria, portanto, coragem política para enfrentar os atuais donos do
poder.
Mas, ao que tudo indica, o governo Dilma se encontra em uma armadilha
ditada pelas suas opções de governabilidade, herdadas do governo Lula.
Abrindo mão do papel protagônico que deve guiar o Estado, em um país
dominado pelo capital financeiro, o recrudescimento das atuais
dificuldades do governo deverá ser respondido com maiores concessões ao
capital privado. Mudanças na legislação trabalhista voltam a ganhar
destaque e, sob o ponto de vista do investimento, o que se prenuncia é
um conjunto de medidas para a entrega à iniciativa privada dos setores
de infraestrutura.
Aeroportos, ferrovias, rodovias e portos deverão ser concedidos a
operadores privados, inclusive estrangeiros, através de parcerias
público-privadas, e onde curiosamente – assim como ocorre desde o início
da tragédia das privatizações – o sempre presente BNDES estará atuante,
como financiador-mór dessas operações.
Dessa forma, em meio ao agravamento da crise do capital financeiro no
mundo mais desenvolvido, em meio à fragilidade do Estado brasileiro
frente às suas obrigações constitucionais com o nosso povo (em termos de
educação, saúde, habitação popular ou transportes públicos),
continuamos a aprofundar o enraizamento dos princípios e políticas
ditadas pelo neoliberalismo, para um país periférico.
O preço dessa opção, de condenar o Brasil a uma condição subalterna
às pressões privatistas e estrangeiras, é alto e grave: mantemos a
triste trajetória de renúncia de nossa soberania, autodeterminação e de
nossa própria inteligência, por conta da incapacidade e pusilanimidade
das elites econômicas e políticas do país.
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Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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