quarta-feira, 15 de maio de 2013

Os novos ataques ao SUS: serão definitivos?

 
*Por Nelson Corrêa Viana
 
Ouvindo rádio pela manhã, dirigindo-me ao trabalho depois do almoço, a propaganda do governo federal sobre os planos de saúde, que já tinha me chamado a atenção, deu um estalo. Também tinha lido um texto dos professores Luiz Eugênio Portela, Mário Scheffer e Ligia Maria, publicado no dia 5/03/2013 na Folha de S. Paulo, questionando se a presidente Dilma queria acabar com o SUS (Sistema Único de Saúde), com uma indignação justa que também é minha. Os textos em aspas são deles e me recuso chamá-la de ‘presidenta’ por respeito à língua portuguesa.
 

Não há dúvida que está ocorrendo um sucateamento do SUS e a falácia das investidas contra os planos de saúde existentes, que também não atendem os seus clientes com dignidade, e o governo vem conclamando essa população a denunciar os descumprimentos das operadoras.
 
Contudo, esse jogo falacioso esconde por detrás a intenção do governo de descontinuar o SUS ainda mais, entregando-o como mercado ao setor privado. E a consolidação da rede pública vai fazer parte de histórias inacabadas, impondo autoritariamente para a sociedade a condição de apostar em planos de saúde ineficientes. Se estão ruins agora sem a entrada dos novos pobres nos planos de saúde para pobres, imaginem quando realmente forem aprovadas essas medidas privatizantes da saúde pública. Portanto, mais um engodo à vista.
 
Vislumbramos um desmonte final do Sistema – mais do que está desmontado – e que “vem sendo negociado a portas fechadas, em encontros da presidente Dilma Rousseff com donos de planos de saúde, entre eles financiadores da campanha presidencial de 2010 e sócios do capital estrangeiro, que acaba de atracar faminto nesse mercado nacional”.
 
O negócio dos planos de saúde em gestação de oito meses e meio é uma trama bilionária na esteira de planos de saúde baratos e acessíveis a todos os brasileiros, na linguagem “amorosa” e “carinhosa”, desse “Brasil Carinhoso” que tanto acolhe a presidente numa linguagem cada vez mais falsificada, embusteira. São planos baratos nos preços e medíocres na cobertura e sob encomenda para as classes menos protegidas propositalmente, mas trabalhadores em ascensão de renda familiar e que reificam o setor privado em detrimento dos serviços públicos e universais, como se pretende com o SUS, considerando a realidade do sucateamento e da desatenção dos governos com a rede de saúde pública.
 
O pacote de medidas em trânsito que “prevê a redução de impostos e subsídios para expandir a assistência médica suplementar é um golpe contra o SUS ainda mais ardiloso que a decisão do governo de negar o comprometimento de pelo menos 10% do Orçamento da União para a saúde” relata a Folha no Caderno Cotidiano de 27/2/2013.
 
Trata-se, portanto, de um engodo, uma extorsão política e social porque a sociedade quer serviços públicos de qualidade. A regulação tem trabalhado muito mais a favor das empresas de planos de saúde do que dos clientes dos planos, e “cidadãos e empregadores, além de contribuir com impostos, serão convocados a pagar novamente por um serviço ruim, que julgam melhor que o oferecido pela rede pública a que todos têm direito. Em nome da limitada capacidade do SUS, o que se propõe é transferir recursos públicos para fundos de investimentos privados”, distantes do controle social.
 
O SUS como uma conquista social importante é um projeto incompleto, “pois o gasto público com saúde é insuficiente para um sistema de cobertura universal e atendimento integral. Isso resulta em carência de profissionais, baixa resolutividade da rede básica de serviços e péssimo atendimento à população”, como vimos no descaso à população do Tijucal em Cuiabá – MT, em que pessoas simples têm que dormir em filas para simplesmente agendar atendimentos médicos. É assim também nos demais postos. Desumanidade sistêmica geral.
 
Pela propaganda governamental está tudo às mil maravilhas, e os brasileiros amam o atual estado de coisas como se viu no último programa do PT que tive que deixar de assistir porque mais parecia um programa religioso, um deboche à inteligência, eu não acreditava no que estava vendo e ouvindo. Pareciam entidades etéreas que, de repente, se transformam, e estão construindo uma imagem em que “nos delírios dos marqueteiros e empresários alçados pelo governo à condição de formuladores de políticas, o plano de saúde surgiria como ‘miragem’ para a nova classe média, renderia a ‘marca’ da gestão e muitos votos em 2014”.
 
Nós sabemos que o mercado não é nenhum santo, ao contrário, é do mercado que surgem todas as formas de comercialização, incluindo a própria corrupção como produto mercantil que normalmente quer se “expandir com empurrão do erário”, mas com relação ao SUS não é bem assim, esse mercado não é um oásis e pode ser o estopim de uma verdadeira panaceia na saúde pública, mais do que já se vive pela desaplicação dos governos. Os planos de saúde são o vislumbre do comércio da miséria, pois “autorizados pela agência reguladora, proliferam planos de saúde pobres para pobres, substitutivos ‘meia-boca’ do que deveria ser coberto pelo regime público universal”, uma vez que o imposto é um recurso social e não particular. Deve ser utilizado para investimento social e não de outra forma para interesses particulares travestidos de interesse público.
 
Presenciamos na vida real que “prazos de atendimento não cumpridos, poucos especialistas por causa dos honorários ridículos, número insuficiente de serviços de diagnósticos e de leitos, inclusive de UTI, negativas de tratamentos de câncer, de doenças cardíacas e transtornos mentais, rede reduzidas que impedem o direito de escolha e geram longas filas e imposição de barreiras de acesso como triagens e autorizações prévias” são algumas das exigências desse mercado estranho. A saúde não pode ser mercadoria, por isso a lógica do SUS. “Quem tem plano de saúde conhece bem esse calvário”.
 
Outro ponto em destaque: a lógica do mercado é a lógica do lucro e não do atendimento “amoroso”, como vêm pregando os governantes de plantão. Esse ludibrio social tem um custo enorme, uma vez que “limitados pelos contratos, dirigidos a jovens sadios e formalmente empregados, os planos de saúde não aliviam nem desoneram o SUS, pois fogem da atenção mais cara e qualificada. Não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada vez mais numerosos. Assim, os serviços públicos funcionam como retaguarda, uma espécie de resseguro da assistência suplementar excludente” e é essa a lógica que querem implantar, a saúde ser o mais excludente possível para possibilitar a mercadoria necessária para o setor privado em prejuízo da própria sociedade, com o intuito de levantar financiamentos.
 
Lembramos que nos Estados Unidos, “a reforma de Obama enquadra os planos privados e tenta colocar nos trilhos o sistema mais caro e desigual do mundo”. O Brasil, como país de recursos escassos, se delegar o futuro a quem visa o lucro com a doença, o destino será o mesmo da Colômbia, que vive um colapso na saúde. Nem um SUS que o governo dê atenção nem um setor privado que atenda dignamente os seus clientes. A sociedade não pode ficar doente e aceitar essa contingência.
 
Torna-se, portanto, inaceitável que, e por isso fazemos coro aos professores citados, “em uma sociedade democrática, a intenção do governo de abdicar da consolidação do SUS, de insistir no subfinanciamento público e apostar no avanço de um modelo privado, estratificado, caro e ineficiente”.
 
A saúde pública está sucateada – vejam o exemplo do SAMU -, um serviço público espetacular e universal sendo dizimado pela falta de vontade política dentro da lógica do capital. Pensemos num SAMU privatizado.
 
A saúde pública não pode ser uma mercadoria à disposição de lucros, visto que o imposto pago é um recurso social inderrogável, nem se tornar um caso de polícia como veremos adiante, se for oficializada com a chancela do Estado aos planos de saúde pobres e medíocres para trabalhadores que pagam impostos e valorizam o capital.
 
O SUS como conquista de direitos pela sociedade não pode ser alienado a qualquer custo como querem, pois os direitos depois de conquistados fazem parte do próprio tecido social, não há como arrancá-lo sem causar cicatrizes, não existe retorno a uma situação anterior sem prejuízo para todos.
 
Mas, por que investir na saúde pública se não dá lucro? Essa é a lógica da demonização, do desapreço dos serviços públicos como estratégia neoliberal, muito própria dos tempos atuais e que está levando alguns países da Europa, como por exemplo a Espanha, ao desespero e caos social. É isso que se quer?
 
*Nelson Corrêa Viana é administrador, servidor público e mestrando em Política Social pela Universidade Federal do Mato Grosso.
E-mail: nelsoncviana(0)gmail.com

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