Há alguns dias, na cidade de Cali, o presidente Juan Manuel Santos foi o anfitrião da nova Aliança para o Pacífico e, logo depois, num ato de ascensão de membros das Forças Armadas, declarou que a Colômbia vai requerer seu ingresso na OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte).
Causam preocupação os traços dessa diplomacia presidencial porque, sem dúvida alguma, não tem sustentação nem se afina com os processos de unidade pela paz na região e pela cooperação que vêm tentando ser estabelecidos a partir da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas).
E também porque a declaração do mandatário é evidentemente contraditória com o fato de que, recentemente, os diálogos entre seu governo e a insurgência colombiana em Havana originaram uma expectativa enorme de logo se anunciar que as partes chegaram a acordos concretos quanto ao primeiro ponto da agenda de negociações, que se refere à reforma agrária.
Esses aspectos são bastante complexos, demonstram avanços e inconsistências nos marcos da realidade não somente da Colômbia, mas regional.
Se nos pautamos pela sociedade brasileira, os altos e baixos do processo de paz colombiano são desconhecidos para a imensa maioria das pessoas, bem como as urgências, necessidades, esperanças e visões sobre o conflito que se desenvolve nesse país desde a metade do século XX. Ao que parece, não é a pauta da grande mídia tocar com clareza um problema que se desenvolve ao lado do Brasil e que é caracterizado pela ONU como uma das maiores tragédias humanitárias do Planeta.
Mencione-se que, regularmente, ao abordar a análise política, sociológica ou jurídica da Colômbia, se estabelece que, ao contrário do acontecido em outros Estados da América Latina, a democracia se afirmou como regime político, o que impediu o avanço do militarismo ao poder. Essa conclusão é bastante simplista e não retrata a realidade de um país de precária participação política nas contendas eleitorais, de manipulações corriqueiras para encontrar fórmulas que permitam uma simbiose perigosa de caráter civil-militar, que mantenha os ductos do poder em mãos de uma estrutura hegemônica, da qual fazem parte a oligarquia tradicional de campo e cidade, os novos potentados do narcotráfico, grêmios econômicos e setores das forças armadas.
Importante lembrar que o anterior governo, de Álvaro Uribe (2002-2010), foi caracterizado pela intensificação da guerra, acompanhada de um crescente intervencionismo por parte dos Estados Unidos. A chamada política de segurança democrática não reconhecia a existência do conflito armado de profundas raízes sociais e econômicas, senão que pautava sua lógica pela ideia de amigos e inimigos do regime político, que, ao final, somente beneficiou o paramilitarismo, aliado dos setores mais atrasados do Estado na vitimização do movimento social. Ainda assim, uma boa parte do movimento político que deu apoio a Uribe hoje está preso ou indicado pela chamada parapolítica, ou seja, pelos seus vínculos com o narcotráfico e o paramilitarismo, e o próprio Uribe é réu em vários processos.
Logo, o governo de Juan Manuel Santos tenta criar a imagem de uma Colômbia de cara para o mundo no meio da crise do capital, excelente local para os bons investimentos, de unidade nacional e de empresários de sucesso - ainda que sem reais mostras de avanço na satisfação das prestações positivas do Estado, é dizer, sem modificar a morfologia estatal nem a ação para a satisfação das necessidades públicas.
Cumpre afirmar que a paz na Colômbia não é apenas a bandeira de uns quantos. Trata-se de uma questão fundamental para a segurança de toda a região e sua conquista é elementar para a estabilidade política e o desenvolvimento de um quadro favorável à satisfação das expectativas de aprofundar a democracia e o respeito pelos direitos humanos no continente.
O conflito, como já tem sido reconhecido pela doutrina da Ciência Política, das Relações Internacionais e do Direito, tem causas concretas relacionadas à conformação no país de uma estrutura de exclusão, que no campo econômico se reflete em modelos que privilegiam a acumulação e concentração da propriedade rural e urbana, de escassa distribuição da riqueza social, e com um altíssimo índice de violência e autoritarismo do regime político excludente.
Os impactos as guerra são enormes e comprovam sua degradação. Apenas para ilustrar a situação, ainda ecoa na Comissão de Direitos Humanos da ONU como jovens foram e continuam a ser enganados e conduzidos a regiões nas quais supostamente seriam vinculados ao mercado de trabalho e, logo depois, aparecem mortos e fardados com uniformes de guerrilheiros e apresentados como abatidos em combate. O fenômeno, inédito, que chamou a atenção da comunidade internacional, tem sido chamado pela FIDH – Federação Internacional dos Direitos Humanos – e entidades como Human Rigths Watch de falsos positivos do Estado, para significar que os mortos não eram homens em armas, mas jovens ingenuamente conduzidos à guerra.
Também, os dados do Ministério Público da Colômbia são escabrosos. A promotoria reportou que, nos marcos da chamada Lei de Justiça e Paz, processa 4.634 integrantes de grupos armados, dos quais 4.131 são paramilitares que atuam a serviço do Estado e membros das Forças Armadas, e que repousam nos arquivos autos de 1.007 chacinas, 25.083 homicídios por circunstâncias políticas, 3.459 desaparições forçadas, 254 casos de torturas em mão de agentes da ordem pública. Investiga ainda 1.124 políticos ligados ao paramilitarismo.
Segundo o Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos, nos últimos 20 anos, houve 30.665 pessoas assassinadas por circunstâncias políticas, delas, 43% em mãos de paramilitares, 7,4% em mãos de agentes do Estado e 14%, das guerrilhas. Por sua vez, o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) reporta uma crise humanitária que provoca o deslocamento forçado de mais de 3 milhões de pessoas.
Nesse contexto, as conversações em Havana não podem deixar de considerar a opinião pública latino-americana e a mobilização dos colombianos. Muito pelo contrário, se a paz é um direito, como se expressa na Constituição colombiana de 1991 e se reconhece na Carta da Organização das Nações Unidas de 1945, então, o povo colombiano tem o direito fundamental de participar da tomada das decisões que o afetem, especialmente as vítimas de graves violações aos direitos humanos. Por isso o processo de paz deve ser o mais amplo em matéria de repercussão cidadã, posto que somente dessa maneira obterá uma dose de legitimidade que será a maior garantia não somente da estabilidade do processo, senão também para que os possíveis acordos sejam cumpridos – e, ao cabo de um tempo, não sejam letra morta, enquanto o país desanda numa nova frustração nacional e regional.
Obviamente, na pauta do diálogo, deve estar o tema da interrupção do conflito armado. O que a comunidade internacional, reunida em vários foros realizados na Europa e América – o mais recente realizado em Porto Alegre na terceira semana de maio –, reclama é que se interrompam os combates que tanto afetam a população civil. Não é possível que as partes conversem no meio do fogo cruzado. O mais recomendável, como já foi proposto por representantes do ACNUR, é um pré-acordo para que cessem os combates, com fundamento no Protocolo II das Convenções de Genebra, que crie zonas humanitárias e proteja à população.
Entretanto, o governo colombiano volta a ser oscilante, em lugar de concitar a solidariedade latino-americana em favor da paz, finge que a UNASUL não será afetada pelos novos acordos da Aliança Pacífica e anuncia ingresso na OTAN.
O que de bom pode trazer ingressar na OTAN, uma instituição de lamentável atuação histórica em termos de assegurar a paz e atuações neocolonialistas? A UNASUL propõe consolidar América do Sul como uma região de paz, base para a estabilidade democrática e o desenvolvimento integral da região. A OTAN, por sua vez, nunca esteve ligada a objetivo dessa natureza.
Assim, o Estado colombiano se mexe perigosamente no meio de posições complexas e contraditórias, que infelizmente demonstram que não abandonou a lógica da guerra.
A paz é uma aspiração não somente colombiana, mas regional, e por isso cumpre desenhar e executar iniciativas consistentes com a procura da obtenção de um ambiente de democracia e de conquista efetiva dos direitos.
Pietro Alarcón é professor da PUC/SP e membro da Cátedra Sérgio Vieira de Mello do ACNUR
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