Governos de São Paulo, Rio e inúmeras outras cidades reduzem as tarifas de transporte, mas a luta deve continuar!
Diante do “tsunami” da luta de massas dos últimos dias, o governo do estado de São Paulo e as prefeituras das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores do Brasil, além de dezenas de capitais estaduais e cidades por todo o país, decidiram reduzir as tarifas de transporte público.
Foram apenas 20 centavos de redução no caso de São Paulo, mas trata-se da mais importante vitória da luta popular no Brasil depois de pelo menos duas décadas de ofensiva da classe dominante sobre os direitos dos trabalhadores e do povo através das políticas neoliberais.
Governos intransigentes, autoritários e repressores foram obrigados a voltar atrás depois de duas semanas de intensas mobilizações de massas espalhadas por todo o país. No dia 17 de junho, foram mais de 300 mil pessoas nas ruas em várias cidades, com cerca de 200 mil somente em São Paulo e Rio, os pontos altos das mobilizações.
Em São Paulo, a manifestação paralisou vias estratégicas e chegou à Ponte Estaiada um verdadeiro monumento do modelo de cidade voltada para os ricos e a especulação imobiliária. Depois da forte repressão policial da semana anterior, que só estimulou o crescimento das mobilizações, o governo do estado de São Paulo decidiu não reprimir.
No Rio de Janeiro, por outro lado, houve forte repressão e várias prisões, incluindo a de um militante da LSR (CIT-Brasil), que acabou liberado sob fiança, mas ainda responde processo por formação de quadrilha. Em Belo Horizonte (estado de Minas Gerais), nas imediações do estádio onde se disputava um jogo da Copa das Confederações, havia mais manifestantes do lado de fora do estádio do que torcedores dentro.
Uma nova manifestação em São Paulo, realizada no dia seguinte (18 de junho), reuniu cerca de 80 mil pessoas e, além de ocupar completamente a Praça da Sé, no centro da cidade, e a Avenida Paulista, também foi marcada por tentativas desorganizadas de ocupação do prédio da prefeitura. No Rio de Janeiro, no dia anterior, o edifício da Assembleia Legislativa do estado, também foi ocupado por algumas horas, em meio a um fenômeno de verdadeira rebelião popular.
Na manhã e durante todo o dia 19 de junho, foram realizadas ações de massas radicalizadas (corte de rodovias, bloqueio de terminais de ônibus, grandes passeatas) por parte do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), com apoio e participação ativa da LSR (CIT-Brasil), na periferia da zona sul da Grande São Paulo. Os indícios de que a luta se radicalizava e começava a explodir nas periferias entre os trabalhadores assustou fortemente os governos.
Diante da convocação de novos Atos unificados em nível nacional para esta quinta-feira, 20 de junho, as autoridades governamentais de São Paulo e Rio decidiram de forma coordenada anunciar a redução das tarifas.
Isso aconteceu depois de muitos debates e divisão interna entre os diferentes partidos governistas. Uma reunião de emergência entre Lula (ex-presidente que hoje não tem cargo nenhum, mas praticamente manda em todo o PT), a presidenta Dilma Rousseff e o prefeito de São Paulo Fernando Haddad foi realizada na noite em que a prefeitura estava cercada por manifestantes.
Na manhã seguinte, Haddad ainda declarou que reduzir as tarifas seria adotar uma postura populista. Mas, isso não durou muito tempo. Logo após a partida de futebol em que a seleção brasileira venceu o México, em meio a grandes manifestações ao redor do estádio na cidade de Fortaleza (estado do Ceará), em uma coletiva de imprensa, o prefeito Haddad (PT) e governador de São Paulo Alckmin (PSDB, principal partido da oposição e direita ao governo federal do PT) anunciaram, sempre juntos, a redução das tarifas.
Disputa pela direção do movimento
Essas foram as maiores mobilizações de massas no Brasil desde a grande campanha pelo “Fora Collor”, o movimento que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor em 1992. Mas, de forma muito mais acentuada do que naquela época, as manifestações atuais acontecem em um momento onde a esquerda e o movimento sindical vivem uma crise e um lento processo de recomposição.
Com a transformação do PT (Partido dos Trabalhadores) em um partido da ordem burguesa e a CUT (Central sindical dirigida pelo PT) em uma correia de transmissão do governo federal, cresceu em amplos setores um forte sentimento contra todos os partidos. Nesse cenário, setores da direita organizada estimularam entre uma parcela dos manifestantes uma postura agressiva inclusive contra partidos e organizações de esquerda presentes nas manifestações.
O sentimento latente contra os partidos muitas vezes se transformou em conflito físico contra quem levantava bandeiras de partidos de esquerda. Mas isso em geral só aconteceu a partir da ação de provocadores de direita, incluindo infiltrados da própria polícia.
Diante da dimensão do movimento de massas, todos os setores políticos do país, incluindo o governo federal e representantes de empresários, passaram a elogiar cinicamente o idealismo da juventude nas mobilizações. Na realidade, a burguesia brasileira entrou na disputa pela direção do movimento, tentando desviar o foco das reivindicações.
Nesse cenário, os partidos de esquerda (PSOL e sua correntes internas, PSTU, PCB), os movimentos sociais de orientação classista como MTST e o Terra Livre (movimentos com quem a LSR se solidariza ativamente), vários sindicatos, a CSP-Conlutas e a Intersindical e até mesmo movimentos de orientação anarquista, além do próprio Movimento Passe-Livre (MPL, o iniciador das lutas contra ao aumento das passagens em São Paulo), começaram a se articular para atuar conjuntamente nas manifestações. Isso aconteceu principalmente na preparação da manifestação de 20 de junho, visando defender as bandeiras dos partidos de esquerda, evitar o desvio do foco das mobilizações e o crescimento dos setores de direita no movimento.
Apesar dos elementos muito contraditórios na consciência dos setores de massas na luta, o movimento seguiu adiante e conquistou a derrubada do valor das tarifas de transporte. Essa vitória coloca para a esquerda socialista no Brasil uma enorme responsabilidade: dar continuidade à luta levantando um novo programa de reivindicações, um plano de ação consequente e uma forma democrática e eficiente de organização do movimento.
A continuidade da luta
Com a revogação do aumento das tarifas de transporte, fica colocada a questão da continuidade da luta. Ainda não existe um consenso construído entre os movimentos sociais combativos e a esquerda em relação a isso. A manifestação nacional convocada para 20 de junho está mantida, mas tende a ser mais uma comemoração do que um marco de aprofundamento da luta.
Os militantes da LSR defendem nos fóruns de organização do movimento que, do ponto de vista programático, o movimento deve aprofundar as conquistas em relação ao transporte público. Os governos que reduziram as tarifas estão anunciando cortes em outros gastos sociais para cobrir esse custo. O movimento deve defender que o dinheiro saia dos cofres das empresas privadas que operam o sistema de transporte e não do orçamento municipal ou estadual.
Além disso, mesmo com a redução, o valor das tarifas é altíssimo e representa um pesado fardo para trabalhadores e estudantes. A luta pela tarifa-zero nos transportes, uma antiga bandeira do PT que foi abandonada pelo partido e que o Movimento Passe-Livre (MPL) também defende deve ser levantada nesse momento. Mas, essa reivindicação deve ser colocada em conjunto com a estatização do transporte.
Os recursos para garantir o sistema e melhorar sua qualidade devem vir da suspensão do pagamento das dívidas de estados e municípios em relação ao governo federal e que servem apenas para garantir o lucro fácil de banqueiros e especuladores.
Além de aprofundar a luta por um transporte público, gratuito e de qualidade, o movimento deve vincular-se às outras lutas que levantam o direito à cidade para os trabalhadores, a juventude e o povo. É o caso da campanha contra os crimes da Copa do Mundo, entre eles as remoções de famílias de suas moradias. Milhões de reais estão sendo gastos para a construção de estádios e outras obras da Copa enquanto a saúde e educação do país estão em precária situação.
A luta em defesa dos direitos democráticos, livre expressão e manifestação, também precisa ser levantada com força. A Copa do Mundo implica numa verdadeiro estado exceção aprofundando a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais.
É preciso também aprofundar as ações que visem envolver mais diretamente a classe trabalhadora, atuando com os métodos de luta dos trabalhadores, nas mobilizações. Essa é a forma mais efetiva de deslocar os setores de direita do movimento.
A classe dominante brasileira recuou antes que o movimento começasse a construir as condições para uma greve geral. Mas, a questão da greve geral de 24 horas deverá surgir cedo ou tarde se o movimento se mantiver. Construir as condições para esse tipo de ação e ficar atento ao melhor momento para colocá-la é uma tarefa central do movimento.
As experiências incipientes de unidade e articulação da esquerda socialista e dos movimentos sociais de orientação classista nessas lutas apontam para a possibilidade de um salto adiante do ponto de vista organizativo para o movimento. A consolidação de uma Frente social e política da esquerda é uma necessidade imediata.
Além disso, um Encontro Nacional de trabalhadores e da juventude, organizado pela base, deveria ser convocado para definir um programa de continuidade da luta e as estratégias de ação para conquistá-lo.
Uma nova página foi aberta na luta de classes no Brasil. A longa e difícil travessia do deserto dos anos de hegemonia neoliberal e refluxo nas lutas sociais está ficando para trás. Não podemos desperdiçar esse momento histórico.
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