quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Ruralistas farão tudo para barrar demarcações de terras, diz antropólogo

Da IHU On-Line 

A PEC 215 “é um absurdo jurídico e político”, afirma Daniel Pierri em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Segundo ele, ao pretender passar do Executivo para o Legislativo a homologação das terras indígenas e as matérias relacionadas a quilombos e povos tradicionais, a PEC 215 “desvirtua o conceito de direito originário”, ou seja, de que os povos tradicionais têm o direito sobre as terras que ocupam.

Para ele, a criação de uma Comissão Especial referente à Proposta de Emenda à Constituição - PEC 215 pela Câmara dos Deputados demonstra “a postura tímida do governo” em relação à questão indígena, e a revelação de uma “agenda clara de caça aos direitos indígenas, com a intenção de restringir os direitos e perpetuar os conflitos que estão instalados em algumas regiões do país”.

Na avaliação do antropólogo, falta uma postura da presidente Dilma em relação à PEC. “Ela deixa os ministros tratarem disso, eles batem a cabeça uns com os outros, e não sabemos qual que é a posição do Executivo como um todo”. E dispara: “Certamente uma postura muito mais incisiva do Executivo poderia ter evitado a criação dessa Comissão”.

Na entrevista a seguir, Pierri relata as ações que aconteceram no Congresso Nacional desde abril, quando a PEC 215 passou a ser avaliada por um grupo especial e enfatiza que “a criação desse grupo resultou numa protelação da discussão, porque os ruralistas não recuaram em nada”.

Daniel Pierri é graduado e mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo - USP, e atualmente está associado ao Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP e é colaborador do Centro de Trabalho Indigenista no Programa Guarani Sul e Sudeste.

Confira a entrevista:

Quais são as implicações jurídicas da PEC 215? Que alterações serão feitas na legislação caso a PEC seja sancionada?
 
Atualmente o artigo 231 da Constituição, o principal artigo que regulamenta as demarcações de terras indígenas, diz que os índios têm direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocuparam, e esse direito originário é um conceito que originou uma história da legislação no país.

Em várias constituições anteriores, já se reconhecia essa ideia de que os índios são os primeiros habitantes do país, mas isso gera consequências jurídicas. Como o direito é originário, ou seja, anterior à Constituição, o Estado deve declarar o direito que já vinha sendo exercido pelos índios até o momento em que eles passaram a ser vítimas de algum tipo de esburgo em regiões do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Tudo que o Executivo faz é reconhecer um direito que os índios já tinham. Por isso, trata-se de um ato administrativo do Executivo, uma vez que não se está diante da criação de um direito, mas do reconhecimento de algo que já existe antes da formação do Estado. Entretanto, a PEC 215 pretende passar do Executivo para o Legislativo a homologação das terras indígenas e as matérias relacionadas a quilombos e povos tradicionais. Ao passar essa medida para o Legislativo, se desvirtua o conceito de direito originário.

A função do Congresso é normatizar, criar leis, dispositivos novos. O Congresso é o espaço de expressão jurídica das maiorias, então, não é à toa que os índios têm pouco espaço no ordenamento político atual.
 
Do ponto de vista jurídico tem esse problema de desvirtuar o conceito de direito originário, e, do ponto de vista político, tem uma questão clara, ou seja, o Congresso é dominado por grandes proprietários de terra, por ruralistas que farão de tudo para barrar as demarcações e fazer com que se perpetuem os conflitos entre ruralistas e indígenas.  

Segundo dados do Cimi, das 1.046 terras indígenas, apenas 363 estão regularizadas. O que tende a acontecer com as demais terras? A PEC 215 causa algum impacto nas terras que já foram demarcadas? É possível impedir futuras homologações?

Dependendo de como a PEC 215 avançar, há a possibilidade prevista, dentro da proposta original, de alterar as demarcações que já foram feitas. Um território que já está consolidado, demarcado, protegido, com os povos vivendo tranquilamente, pode ser fruto da deliberação de congressistas que estão ligados a interesses de mineradoras, da exploração pecuária, etc.
 
É muito significativa a porcentagem das terras que ainda não foram demarcadas e homologadas. Essa PEC não irá resolver a situação de ninguém. No Mato Grosso do Sul, os índios vão continuar existindo, eles estão acampados em reservas de fazendas, estão sendo vítimas de todos os tipos de pressão, de agressão de fazendeiros. E eles vão continuar lá, vão continuar sem terra, continuar em uma situação miserável como estão em muitos lugares. O mesmo vale para o Rio Grande do Sul, que tem uma série de comunidades Guarani vivendo em beiras de estradas, em situações muito complicadas.

Você acha que o governo poderia ter evitado a votação da PEC, ou mesmo a instalação da Comissão Especial?

Eu esperava uma postura muito mais agressiva do governo no sentindo de consolidar os direitos indígenas. Essa PEC é um absurdo jurídico, é um absurdo político. Vemos uma postura tímida do governo em relação a ela. Em poucas ocasiões os ministros se contrapuseram publicamente. 

Não tem, por exemplo, nenhuma postura da presidenta Dilma em relação a essa PEC. Ela deixa para os ministros tratarem disso, e os ministros batem a cabeça uns com os outros, e não sabemos qual que é a posição do Executivo como um todo. Certamente uma postura muito mais incisiva do Executivo poderia ter evitado a criação dessa Comissão.

Como a notícia da aplicação da PEC 215/2000 está repercutindo entre as comunidades indígenas?

As comunidades estão preocupadas, e inclusive está em pauta uma mobilização nacional, chamada pela Articulação dos Povos indígenas do Brasil, entre os dias 30 de setembro e 5 de outubro. Há uma disposição muito forte das comunidades para lutar, para impedir a PEC 215 e todas essas medidas similares que estão em pauta. Esse é o momento mais crítico para os povos indígenas no Brasil desde a constituinte.  

Gostaria de acrescentar algo que acha importante?

É importante ser dito qual o papel dos ruralistas no processo político brasileiro. Tem um número muito estrondoso de políticos que são detentores de terra. Há cerca de 12 mil políticos, desde vereadores a prefeitos, que detêm cerca de 22 milhões de hectares de terras no país.

No Congresso, essa bancada ruralista é composta por grandes proprietários de terras, e eles estão parando processos políticos que têm muito haver com essas manifestações que tomaram o país em junho. Então, são eles que se opõem ao processo de reforma política, às mudanças na forma de financiamento de campanha, porque eles se beneficiam com esse sistema. Também foram eles que dilapidaram o Código Florestal, que também é de interesse de toda a sociedade, e não apenas dos povos indígenas.

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