(Ruy Sposati, do Cimi)
Uma nova manobra judicial garantiu que uma decisão - já cumprida - da Justiça Federal de 2009, em favor do Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, proprietário da Fazenda Serrana, fosse, mais uma vez, utilizada contra os indígenas.
Uma nova manobra judicial garantiu que uma decisão - já cumprida - da Justiça Federal de 2009, em favor do Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, proprietário da Fazenda Serrana, fosse, mais uma vez, utilizada contra os indígenas.
Agora, os Kaiowá tem 30 dias para sair do local, onde estão acampados desde setembro de 2012. O prazo para o despejo passa a contar a partir desta segunda-feira, 27. A liderança da comunidade, Damiana, reafirma que os indígenas não sairão da terra.
Até setembro do ano passado, a área era utilizada pela Usina São Fernando para plantio de cana em larga escala. Foi quando Damiana e sua comunidade retomaram o território, depois de 14 anos acampados à beira da rodovia BR-463, a 8 quilômetros do centro de Dourados, e voltaram a incomodar os produtores da usina. A terra reivindicada pelos Kaiowá como tradicional está em processo de identificação e delimitação pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
"Agora não vou deixar mais cortar cana e nem passar veneno", afirma a cacica Damiana. Ela quer dizer que os Kaiowá não pretendem sair da fazenda. "Meu pai morreu aqui no tekoha. Cemitério antigo tá aqui, fazendeiro botou fogo em tudo. Agora só usina usa. Chega. Chega de aproveitar a terra aqui a usina. Usina não vai mais cortar cana".
"Deixa assim mesmo. Apodrecer a cana". Ela se refere às plantações que estavam no local no momento da retomada. "Eu não vou sair mais daqui. Pode ser tiro, não vou sair mais não. E não vou deixar colher nem passar veneno".
A usina
Instalada em Dourados em 2009, a Usina São Fernando é um empreendimento do Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de itens de origem animal das Américas, e da Agropecuária JB, ligada ao Grupo Bumlai, especializado em melhoramento genético de gado de corte. Um dos territórios utilizados pela usina para produzir cana é reivindicado pelo Kaiowá do Apyka'i.
Em 2010, sob perigo de perder sua licença de operação em função de diversos descumprimentos legais em questões trabalhalistas, ambientais e indígenas, a usina teve de assinar um termo de cooperação e compromisso de responsabilidades na Justiça.
Entre as condicionantes estabelecidas pelo Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho e MPF, a usina era obrigada a não renovar o contrato de arrendamento da fazenda Serrana, de Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, propriedade que incide sobre o território reivindicado como Apyka'i pela família de Damiana, quando o atual findasse.
O tekoha
Já a história dos Guarani Kaiowá se perde no tempo - mas, em seu ciclo particular de cana-de-açucar, os anos de beira de estrada, uma série tragédias acometeu a família de Damiana. Cinco pessoas morreram por atropelamento - o último, Gabriel, um dos netos de Damiana, morto em março de 2012, aos 4 anos de idade. Uma idosa faleceu, segundo indígenas, envenenada por agrotóxicos utilizados nas plantações que circundam o acampamento.
Tentaram retomar o território algumas vezes. A última tentativa havia acontecido em junho de 2008, e duraria até o cumprimento da decisão judicial citada no início do texto. Depois de expulsos, a comunidade voltaria a viver na beira da estrada.
Em setembro de 2009, um grupo armado atacou o acampamento, atirando em direção aos barracos. Um Kaiowá de 62 anos foi ferido por tiros, outros indígenas agredidos e barracos e objetos foram queimados.
Também em 2012, em agosto, ainda acampados na beira da estrada, um incêndio que segundo indígenas teria sido iniciado propositalmente no canavial da Usina São Fernando alastrou-se pelo acampamento, destruindo barracas, alimentos e pertences dos indígenas, forçando-os a fugir. A causa do incêndio ainda não foi confirmada.
Pouco mais de um mês depois, em 16 de setembro, contudo, depois de 14 anos acampados na rodovia, a comunidade mais uma vez moveu seu acampamento para dentro do território reivindicado como tradicional, onde hoje incide a fazenda Serrana, utilizada pela São Fernando para a monocultura em larga escala de cana-de-açucar.
"Nós nunca mais vamos sair daqui. Se nós matarem, peço que tragam pás para nos enterrar. Mesmo que nos invadem aqui, não vamo sair nunca mais. Vamos resistir aqui. Mesmo que nos ameaçam vamos ficar aqui. A luta sempre vai continuar, mesmo eu morrendo, porque eu tenho vários netos", afirma Damiana.
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