quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Brasil será cobaia de nova semente transgênica de soja

Por Najar Tubino
Da Carta Maior

A multinacional Dow Agrosciences, que integra a corporação Dow Chemicals, vai lançar no Brasil uma nova semente transgênica de soja, imune a três agrotóxicos – glifosato, glufosinato de amônia e o 2,4-D.

Significa uma nova etapa na transgenia mundial, porque o chamado sistema Enlist ainda não foi aprovado nos Estados Unidos, onde está em análise desde 2009. Esta é uma história que envolve o último lance da agricultura industrial e o passado das corporações, marcado pela participação na produção de um veneno mundialmente conhecido, o Agente Laranja. Um passado que continua vivo na memória de milhares de vietnamitas e no corpo mal formado de seus filhos e netos. Uma tragédia lembrada todo dia 10 de agosto como o “Orange Day”.

Condenada pela história

Em novembro de 1961 o presidente John Kennedy autorizou uma operação sigilosa denominada “Ranch Hand”, uma ajuda aos agricultores. Na verdade o governo dos Estados Unidos, mesmo contra os princípios da Convenção de Genebra, que proibia o uso de químicos na guerra, mandou 23 empresas fabricarem a mistura do Agente Laranja. Entre as corporações mais conhecidas Monsanto e Dow, que na época não tinha o Agrosciences. Um parêntesis para explicar a mistura. Em outubro de 2011 publiquei um texto na Carta Maior intitulado “A Marcha dos Insensatos”, que tocava no assunto agrotóxicos e mencionava o Agente Laranja.

Logo em seguida recebi uma correspondência de uma assessoria de São Paulo, que iniciava assim:

“Meu nome é Mariana, sou assessora de imprensa da Força-Tarefa. Li o seu texto “A Marcha dos Insensatos”, publicado no dia 16 de outubro na Agência Carta Maior. Gostaria de aproveitar para apresentar um material explicativo sobre o defensivo agrícola 2,4-D, mas antes quero explicar o que é a Força-Tarefa: somos um grupo formado por representantes de quatro empresas- Atanor, Dow Agrosciences, Milenia e Nufarm...”.

Lógico que as seis páginas do material mostram que o 2,4-D é um agrotóxico do bem, assim que vou mencioná-lo. A Força-Tarefa ajudou bastante na explicação, porque mostrou qual era a composição do Agente Laranja. Ainda citando a correspondência:

- O 2,4-D tem sido erroneamente associado ao produto utilizado na guerra conhecido como “Agente Laranja”. O “Agente Laranja” nunca foi usado em agricultura e era uma mistura de 50% de 2,4,5-T Éster + 50% de 2,4-D Éster, utilizado desta forma na Guerra do Vietnã para desfolhar as florestas locais. Ficou assim conhecido porque a mistura era armazenada em tambores que possuíam uma “faixa amarela”, em sua parte externa. O problema que existia com o “Agente Laranja” naquela época se relacionava a uma impureza presente no processo de produção do 2,4,5-T chamada dioxina (TCDD). O 2,4,5-T não é mais comercializado nos dias de hoje”.

Milhares de crianças com graves deficiências

O país que agora pretende bombardear a Síria para punir o uso de armas químicas, não resolveu o seu passado. Em agosto de 2012 a Secretária de Estado, Hillary Clinton, foi ao Vietnã para inaugurar um programa de descontaminação do Agente Laranja. Mas apenas nos locais onde a Força Aérea dos EUA usava como base. Onde os tambores vazavam o veneno, ou caíam dos caminhões pelos trajetos. O índice de contaminação é 400 vezes maior nesses locais. Porém, nunca o governo dos Estados Unidos reconheceu a responsabilidade da tragédia que atingiu mais de quatro milhões de pessoas. Segundo o governo vietnamita pelo menos 500 mil crianças nascidas posteriormente apresentaram malformações congênitas e suportam uma rotina que é um pesadelo, com mãos e pés defeituosos.

Em 1984 um grupo de veteranos da guerra do Vietnã – entre 15 e 16 mil militares- recebeu US$180 milhões das corporações químicas num acordo extrajudicial. Também os filhos dos veteranos que tiveram contato com o veneno nasceram com malformações. O governo dos EUA lançou o Agente Laranja numa área de 10 milhões de hectares, que era cultivada com milho, arroz e outras culturas. Alem disso, pulverizou cerca de 20 mil quilômetros quadrados de terras altas e florestas de mangue. No livro “Transgênicos : as Sementes do Mal”, os pesquisadores Antônio Inácio Andreoli e Richard Fulls relatam que foram jogadas 366 quilos de dioxina (TCDD) no Vietnã. Em 1976, num acidente com uma fábrica química na Itália em Seveso, que virou um desastre ambiental, foi liberado 1,5kg de dioxina.

Argumento engolido

Três vietnamitas no início dos anos 2000 entraram com uma ação de indenização contra as corporações num tribunal de Nova Iorque. Em 2009, o tribunal negou o pedido, sob o seguinte argumento: não estava estabelecido o vínculo entre a dioxina e as malformações congênitas dos vietnamitas afetados. Outro problema: pela legislação americana as empresas não são responsáveis pelo envenenamento porque agiram por ordem do governo. Em 1999, o deputado federal Dr. Rosinha, do PT do Paraná, encaminhou um projeto na Câmara para proibir o uso do 2,4-D no Brasil. Em 2004, o projeto foi aprovado pelo relator da Comissão de Bem Estar Social e Família. Em função disso o 2,4-D está sendo reavaliado pela ANVISA.

Ele é classificado como um agrotóxico classe 1, extremamente perigoso, mas seu uso é difundido pelo baixo custo e usado como complemento ao glifosato, um herbicida que perdeu efeito. Nos Estados Unidos o próprio Departamento de Agricultura registra mais de 10 milhões de hectares onde plantas como buva, corda de viola,capim amargoso se tornaram resistentes. Isso é um fato também no Brasil, na Argentina. Ou seja, as corporações precisam lançar novas sementes porque o argumento de redução no uso de agrotóxicos nos cultivos transgênicos literalmente foi engolido pela terra.

Brasil vai ser cobaia comercial

Voltando ao Enlist. O Departamento de Agricultura dos EUA pretende elaborar mais dois relatórios de impacto ambiental e saúde para liberar os produtos. No Brasil, o jornal Valor Econômico que fez uma visita paga a Indianópolis, sede da Dow Agrosciences, anunciou que o colegiado da CNTbio, encarregada pela liberação de cultivos transgênicos no Brasil, vai aprovar a liberação em outubro. É interessante o momento histórico, porque a CNTbio, através de seus membros – 27, a maioria biólogos moleculares favoráveis à transgenia – sempre usa como argumento a segurança do plantio por muitos anos – caso dos Estados Unidos, onde completou duas décadas.

No caso do Enlist o Brasil vai fazer o papel de cobaia comercial, já que as sementes Enlist estão sendo desenvolvidas em laboratório e em experimentos de campo há mais de uma década, mas nunca foram usadas em plantios comerciais. A Dow Agrosciences pretende pular da quinta para a terceira posição no mercado de sementes – o faturamento sairá de US$6,5 bilhões para US$12 bilhões em 2020. Um detalhe: em 2012 o mercado mundial de sementes arrecadou US$49,2 bilhões, enquanto o de agrotóxicos foi de US$47,4 bilhões. As corporações ganham dos dois lados. Além de duas sementes de soja e uma de milho Enlist, a Dow também entrou com um pedido para liberar um agrotóxico, que será uma nova versão do glifosato misturado ao 2,4-D(ácido diclorofenoxiacético).

Financiamento do BNDES

Ainda tem outra surpresa. No site do BNDES está anunciado desde julho de 2013:

“A Dow Agrosciences Sementes e Biotecnologia Brasil Ltda recebeu um financiamento de R$26,8 milhões para a implantação de um centro de pesquisa e desenvolvimento em Cravinhos (SP), corresponde a 43,6% do valor do projeto... foco em biotecnologia... desenvolverá atividade que poderão acelerar o lançamento de novas tecnologias para a agricultura brasileira, a partir do processo de melhoramento genético no segmento de sementes.”

A própria empresa já anunciou que vai inserir os genes no Brasil. Uma planta transgênica funciona de três maneiras: ou ela produz o veneno, no caso das variedades BT, ou ela tolera os herbicidas, ou então faz as duas coisas. O Enlist não foi aprovado nos Estados Unidos por uma questão óbvia: os americanos vão ter que mexer no passado, voltar a discutir a guerra do Vietnã e as consequências do Agente Laranja. Uma entidade chamada Centro para Segurança Alimentar lançou uma campanha que tem mais de 400 mil adesões contra a aprovação das variedades Enlist. Um dos argumentos é pela rápida propagação do 2,4-D no ambiente. Ele tem vida curta, diz a Força-Tarefa, mas se movimenta rápido. Tem cloro na composição, mas “é muito seguro, um dos princípios mais pesquisados no mundo”.

Não se deixe enganar

O Brasil é o segundo maior mercado de transgênicos do mundo, segundo as empresas que fazem o lobby da transgenia, o país já tem 36 milhões de hectares. Os Estados Unidos, o primeiro lugar, tem 69 milhões. Em terceiro vem a Argentina com quase 24 milhões de hectares. A China não planta transgênico, pelo menos oficialmente. No mês de agosto, o secretário Geral da Associação de Soja de Helong-Jiang, Wang Xiaoyu, lançou um petardo contra os transgênicos. Disse que as pessoas que comem óleo de soja transgênico são mais vulneráveis a desenvolver tumores e esterilidade, citando como referência os índices das províncias de Fujian e Guandong, onde o consumo é alto e os índices de câncer também.

Foi um pandemônio. A máquina trituradora das corporações quase invadiu a China, para desmentir, por falta de provas, metodologia e outras coisas do tipo. Mais polêmico ainda é o artigo da professora de economia da Universidade de Yunnan, Gu Xiulin, onde diz:

“Os alimentos transgênicos são uma faca mágica capaz de aniquilar o gênero humano e de destruir o meio ambiente... não se deixe enganar”.

Você seria um estúpido

A China compra 60% da soja comercializada no mundo. E planta 30 milhões de hectares.No Brasil é obrigatório, desde 2005, quando foi aprovada a lei da Biossegurança, onde está acentuado o “princípio da precaução”, que todo alimento que tiver mais de 1% de transgênico na sua composição precisa estar identificado com um T. Nunca emplacou. A lecitina de soja transgênica produzida no Brasil está presente em biscoitos, achocolatados, no próprio chocolate. Esse é um pesadelo que está evoluindo. Genes transgênicos espalhados pelo ambiente natural. Planta que produz veneno, que depois é transformado em alimento, que depois entra no consumo humano. Sem contar que a maioria da soja é transformada em ração para aves, suínos, bois e usada na forma de farelo. As corporações dizem que é um avanço da ciência, só não deixam pesquisar os resultados contrários. Quando surge uma pesquisa que aponte algum problema, a máquina trituradora acaba com o pesquisador, a entidade, o sujeito perde bolsa, cargo e por aí vai.

No livro “Roleta Genética”, de Jeffrey Smith, um dos maiores especialistas no assunto, tem o depoimento do Secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Dan Glickman, no governo Bill Clinton:

“Em geral o que eu vi no lado pró-biotecnologia foi a crença de que a tecnologia era boa e que era quase imoral dizer o contrário, uma vez que ela resolveria os problemas da raça humana, alimentando os famintos e vestindo os que não tinham roupas. E havia muito dinheiro investido nisso. Se você fosse contra seria considerado um ludita, você seria um estúpido. Esse, francamente, era o lado em que estava o nosso governo. Sem pensar, nós basicamente, considerávamos apenas o lado comercial e eles, seja lá quem fosse “eles”, queriam apenas manter nossos produtos fora do mercado. Você se sentia como um alienígena, desleal, por tentar apresentar uma visão mais abrangente em relação a algumas questões levantadas. Então eu repeti a retórica que todos repetiam”.

E assim o Brasil vai ser o pioneiro no sistema Enlist, que usa o 2,4-D, a porção do bem do Agente Laranja, com financiamento do BNDES. Tudo muito seguro.

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