quarta-feira, 9 de abril de 2014

O silêncio dos inocentes

Por Otto Filgueiras

Demorei pra entender. Ou, como dizem moças e moços de hoje, a ficha só caiu agora.

Foi a tal da fome com a vontade de comer. De fato, o pacto da Anistia nunca existiu.

Mas no fundo, além dos facínoras e do apoio à transição conservadora de Ernesto Geisel, havia a concordância dos reformistas, da turma de FHC e dos futuros demos ou demônios, sucessores do PFL, PDS e ARENA.

Foi uma questão de tempo para que comunistas combativos, hoje apenas de logotipo, e o chefe do futuro coletivo da Papuda, junto com Luiz Inácio Lula da Silva, escrevessem a Carta aos Brasileiros e chegassem finalmente ao governo federal.

Houve quem não concordasse e saísse do partido. Mas também há aqueles que ficaram pretendendo mudar o já sacramentado e impossível de ser mudado.

Nisso tudo, a vaidade tola cumpriu papel decisivo. Gente viva foi transformada em heroínas e heróis, passou-se a homenagear torturadas e torturados, perseguidas e perseguidos. Enfim, os que restaram da brutalidade atrás das muralhas.

No entanto, pareceu estranho o ufanismo dos que apregoam um golpe contra o Brasil e não principalmente contra a classe operária, trabalhadores do campo e das cidades. Até então, parecia apenas o velho aparelhamento de uma esquerda sem base social, fraudando a história e se auto-homenageando para sair bem na fotografia.

Mas aí chamou muita atenção a presença de Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde e candidato do PT ao governo de São Paulo, e de seu pai, Anivaldo, no dia do ato no antigo DOI-CODI paulista. Os dois berrando a favor da revisão da Lei da Anistia, para punir, finalmente, os facínoras.

Dava-se como certo que a pressão popular seria suficiente para convencer a turma do Geisel, e com garantia do apoio da presidente Dilma Rousseff, que teria sinalizado para alguns antigos companheiros sua disposição de rever a Lei da Anistia.

Mas o imponderável ou previsível aconteceu. Os bate-paus dos capitalistas, os militares torturadores, não serão tocados e a presidenta tratou de garantir que nada será alterado. Afinal, “pactos” precisam ser preservados.

Embora não tenha havido pacto algum, conforme comprovei documentalmente na pesquisa para o livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular. A proposta da direita, ou da ditadura, de Anistia foi aprovada com apenas quatro votos a mais no Congresso Nacional.

Quando falou da volta dos exilados, a presidenta até chorou.
A campanha das Diretas Já não obteve votos suficientes no Congresso Nacional; em seguida veio o Colégio Eleitoral, José Sarney, o neoliberalismo com Fernando Collor de Mello, Itamar Franco no meio e Fernando Henrique Cardoso, que depois de 1996 estabeleceu indenizações financeiras, pensões vitalícias, para as vítimas vivas do regime militar. Mais tarde, petistas e outros perseguidos (muitos por justiça, outros nem tanto) aceitaram de bom grado as indenizações e alguns se lambuzaram. Afinal, como diz o padeiro, é impossível fazer pão de primeira com farinha de terceira.

Agora houve um pacto de elites, armado pela presidente Dilma com os militares. O que esvazia a precária Comissão Nacional da Verdade e mais uma vez leva para a conciliação de classe e fortalece o capitalismo social-liberal no país.

O jogo de cena da investigação de atrocidades em algumas unidades militares tirou os crimes cometidos da justiça comum e os mandou para a corporativa justiça militar.

E ainda tem gente que acredita que a presidente fará a revisão da Lei da Anistia. Menos o Aton Fon Filho (‘O Estado brasileiro ainda se curva ao poder militar’ ), da Rede de Advogados Populares, que passou dez anos encarcerado, de 1969 a 1979, e barbaramente torturado. Em entrevista ao Correio da Cidadania, ele disse que recentemente o Estado brasileiro pediu desculpas pelas atrocidades que sofreu. E avisou ao ministro Celso Amorim que abre mão de qualquer reparação financeira pela revisão da Lei da Anistia e punição dos torturadores.

Nada parece suficiente para mudar a correlação de forças, nem mesmo a valentia do deputado Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Mas um dia, mais hoje, mais amanhã, mesmo depois que o socialismo finalmente triunfar, os pegaremos. E se os antigos militares e civis torturadores tiverem morrido, pela idade, os seus sucessores, os novos trogloditas, serão julgados nos tribunais do poder operário e popular.


Otto Filgueiras é jornalista.

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