
O início de 2011 foi marcado pela perspectiva de que o governo da
Presidenta Dilma pudesse percorrer o caminho para superar os desafios e
impasses históricos da Reforma Agrária no Brasil. Com o apoio da maioria
no Congresso Nacional, a nova Presidenta teria, nesse campo
estratégico, condições políticas para impulsionar um processo de Reforma
Agrária, o que nunca foi feito no Brasil.
Apesar dessas legítimas expectativas, o que se configurou na prática
foi que o Estado brasileiro direcionou toda a sua energia para garantir o
avanço de um modelo ultrapassado de desenvolvimento para o país, com um
perfil concentrador de renda, prejudicial ao meio-ambiente e às
populações tradicionais.
De fato, as diretrizes política e econômica do governo são as mesmas
do grande capital. Como consequência desta opção, os maiores impactados
foram os trabalhadores e trabalhadoras rurais, as comunidades
tradicionais, indígenas, posseiros, ribeirinhos, toda a diversidade de
povos que vivem no campo brasileiro e a mãe Terra.
De um lado, isso reflete uma violência e o abandono do povo excluído.
Do outro, tem provocado um momento de retomada de mobilizações e
independência dos pequenos, frente à traição de quem julgavam ser
aliados. Essa importante retomada vem acontecendo em toda América
Latina.
No Brasil, a obsessão do Governo da Presidenta Dilma pela implantação
de grandes projetos e pela produção ilimitada de commodities tem levado
as populações tradicionais, indígenas e camponeses a retomarem seus
originais métodos de protesto. Exemplo emblemático disto é o debate em
torno da Hidroelétrica de Belo Monte e do Código Florestal.
A Reforma Agrária agoniza
Os números da Reforma Agrária deste governo, em relação às famílias
assentadas, foram ainda piores do que o primeiro ano do governo
anterior. Em 2011, somente 6.072 famílias foram assentadas pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O número é
pífio e insignificante diante da quantidade de famílias acampadas que se
encontram do outro lado das cercas do latifúndio do agronegócio. De
acordo com estimativas do próprio Incra, existem aproximadamente 180 mil
famílias debaixo da lona preta em todo o país.
De um lado, o número insignificante de desapropriações. Do outro, um
imenso contingente de famílias sem terras. Esta realidade se choca com
outra: a da grande disponibilidade de terras improdutivas e devolutas no
país. Os dados oficiais mostram que mais de dois terços das
propriedades de grande e médio porte não cumprem com sua função social.
Terras improdutivas, assim como as devolutas, deveriam ser destinadas
imediatamente para fins de Reforma Agrária, no entanto já possuem um
destino definido: o agro-hidronegócio e os projetos de desenvolvimento.
Mesmo nas áreas de assentamentos, continuou faltando política de
Estado. Neste cenário de total ausência de incentivo à agricultura
camponesa, muitas famílias foram mantidas à mercê do capital, de seus
interesses e de seus instrumentos de controle e de exploração. Nas
regiões de monocultivo da cana-de-açúcar, por exemplo, as Usinas ocupam o
vácuo deixado pelo Estado e se apropriam do território camponês,
oferecendo financiamento, infraestrutura e assistência técnica às
famílias, tornando-as reféns da lógica definida pelo modelo de produção
do agronegócio.
Por outro lado, o Governo não mediu esforços para garantir o avanço
do agronegócio e do latifúndio, principalmente sob áreas
tradicionalmente ocupadas por camponeses e camponesas. Um dos exemplos
mais marcantes aconteceu em maio, quando a presidenta Dilma assinou de
uma única vez, o decreto de desapropriação de quase 14 mil hectares na
Chapada do Apodí/RN, para implantação do Projeto de irrigação que
beneficiará meia dúzia de empresas do agronegócio. Em consequência,
serão atingidos e prejudicados milhares de pequenos agricultores que
desenvolvem experiências de convivência com o semiárido, reconhecidas
internacionalmente.
É espantoso que Lula, em seus últimos anos de governo, não tenha
chegado a desapropriar 14 mil hectares para a Reforma Agrária no RN e
que Dilma, muito provavelmente, não desaproprie 14 mil hectares para
essa finalidade em todo o seu governo. Entretanto, logo no seu primeiro
ano de mandato, ela já desapropriou essa grande quantidade de terras
para atender ao agronegócio. Além deste caso, vimos também a
desapropriação de cerca de 8 mil hectares na região de Assú, também no
RN, para a Zona de Processamento de Exportação (ZPEs).
Para os Povos indígenas e quilombolas que travam no dia-a-dia um
embate pelo direito a terra, enfrentando a chegada do agronegócio e dos
projetos governamentais, não há o que comemorar em 2011. Foram
homologadas apenas três terras indígenas, sendo duas no estado do
Amazonas e uma no Pará. O Governo não se sensibilizou nem com a situação
dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial os Kaiowá e
Guarani, que vivem em conflito com fazendeiros e usineiros da região.
Nenhuma ação foi feita para homologação das terras neste estado. No caso
das populações descendentes de Zumbi dos Palmares, fora a
desapropriação do território da comunidade de Brejo dos Crioulos, em
Minas Gerais, poucos foram os resultados conseguidos frente às
reivindicações e resistências das 3,5 mil comunidades quilombolas
existentes no Brasil. De todas, apenas 6% tem a titulação de suas
terras.
Também em 2011 foi dada a concessão, pelo Ibama, da licença de
instalação para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), o
que possibilitou o início das construções na região. Belo Monte é uma
das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a
primeira de inúmeras usinas a ser instalada na região Amazônica para
beneficiar as grandes mineradoras, devastar a floresta e acabar com a
forma de viver dos índios. Com ela, expande-se sobre a floresta o modelo
de exploração e degradação planejado há 50 anos pelo grande capital.
Na contramão do que reivindicam as populações tradicionais e os sem
terras, o Governo ainda anunciou uma redução do orçamento da Reforma
Agrária para 2012. De acordo com o projeto de lei orçamentária previsto
para o ano que se avizinha, as ações de obtenção de terras terão uma
drástica redução de 28% em relação a 2011 e de 31,2% em relação a 2010.
Além disso, a assistência técnica, já inviabilizada pelo Governo nos
anos anteriores, ainda sofrerá uma redução de 30% em relação a 2010.
Para a implantação de infraestrutura, o orçamento prevê uma perda de 8%
em relação a 2011. Já a área da educação sofreu uma perda de quase R$ 55
milhões em comparação a 2009, correspondendo a uma redução de 63% de
seu orçamento.
O Retrocesso continuou também na lei. O ano se encerra com mais uma
vitória da Bancada Ruralista. A aprovação do Código Florestal no
Congresso Nacional ultrapassou as expectativas dos aliados da motoserra
no Governo. Com retrocessos históricos, o Código prevê, entre outros
exemplos gritantes, a anistia aos desmatadores anteriormente a julho de
2008, no que diz respeito ao dever de recuperação ambiental. Posição
esta, aquém do entendimento consolidado até então pelo conservador Poder
Judiciário brasileiro.
Como se não bastasse, a Lei complementar de nº 140, no que se refere à
gestão ambiental, foi sancionada pela presidenta Dilma no final do ano,
sem alardes. Com a aprovação da lei complementar, as competências de
gestão ambiental ficam diluídas nos Estados e nos Municípios, que são
muito mais vulneráveis a pressões políticas e empresariais.
A nova ameaça de retrocesso em curso é o lobby para um novo Código
Mineral, que vem sendo redigido no Governo e no Congresso Nacional, sem o
debate e sem a participação da sociedade e das populações diretamente
interessadas e que serão atingidas, em sua grande maioria comunidades
tradicionais.
Enquanto isso, avançam os grandes projetos de forma truculenta
Em 2011, obras impactantes como a Transposição do Rio São Francisco, a
Transnordestina, projetos de mineração, construções de BR’s, a
especulação imobiliária, obras da Copa, Porto de Suape, a construção da
Hidrelétrica de Belo Monte e do Rio Madeira, barragens, além de outros
mega-projetos, foram um dos principais causadores de conflitos agrários
no país.
Para se ter uma ideia da gravidade desses efeitos sobre as populações
tradicionais, no período de janeiro a setembro de 2011, registramos um
total de 17 assassinatos de trabalhadores no campo. Destes assassinatos,
pelo menos 8 têm ligações com a defesa do meio ambiente, 04 estão
relacionados com as comunidades originárias ou tradicionais.
Em Alagoas, ocorreu o avanço do projeto de plantação de Eucalipto por
parte do Grupo Suzano, especializado na fabricação de papel e celulose.
O Grupo reivindica uma área de 30 mil hectares para viabilizar o
investimento. O Governo do Estado já sinalizou positivamente e já tem
mapeadas as terras que serão destinadas para a plantação do monocultivo.
Na Paraíba, outro fato emblemático foi o apoio incondicional do
Governo para a implementação de uma Fábrica de Cimentos da Empresa
Elizabeth em uma área de assentamento no litoral sul do Estado. A área
que será ocupada pela Empresa também é reivindicada pelo povo indígena
Tabajara.
Em Pernambuco, a Transnordestina atingiu as comunidades camponesas
por onde tem passado, desde o Sertão, como o caso do município de
Betânia até a Zona da Mata, como as famílias de Fleixeiras, no município
de Escada, que resistiram bravamente ao despejo que daria lugar aos
trilhos da Ferrovia.
Lutas e Resistência Camponesa em 2011
Os camponeses e as camponesas continuam lutando pela Reforma Agrária e
resistindo ao avanço do latifúndio e do agronegócio. Mesmo diante de
todas as dificuldades impostas pelo Estado e pelo agronegócio, estes
camponeses teimam em reescrever a história. Das 789.542 famílias
assentadas nos últimos dez anos, 87% permanecem resistindo e produzindo
no campo, sem qualquer tipo de incentivo governamental para a
agricultura camponesa.
Apesar da diminuição das ocorrências das ocupações e acampamentos em
2011, aumentou o número de famílias envolvidas nestes conflitos. Este
ano, de acordo com os dados parciais da CPT, foram 245.420 pessoas
envolvidas no período de janeiro a setembro de 2011, enquanto que no
mesmo período de 2010, foram 234.150 pessoas envolvidas.
Registramos em 2011 mais de 350 mobilizações no país, protagonizadas
pelos povos do campo. É como se em cada um dos 365 dias do ano,
camponeses e camponesas organizados se mobilizassem em defesa da Reforma
Agrária, dos direitos dos povos do campo e pelos territórios dos povos
originários e de uso comum.
Algumas grandes mobilizações marcaram este ano que se encerra. Em
agosto, cerca de 70 mil mulheres camponesas ocuparam as ruas de
Brasília, reivindicando seus direitos, durante a Marcha das Margaridas.
Naquele mesmo mês, mais de 4 mil trabalhadores rurais sem terra
ligados à Via Campesina montaram acampamento na capital federal,
exigindo do Governo o compromisso com a Reforma Agrária. Por sua vez,
“Aperte a Mão de Quem te Alimenta”, foi o nome da marcha realizada pelo
MLST, de Goiânia até Brasília, e que explicitou a importância da
produção agroecológica e da criação de assentamentos para garantir
alimentos saudáveis, sem utilização de agrotóxicos.
Mais recentemente, cerca de 15 mil pessoas foram as ruas em Juazeiro e
em Petrolina protestar contra a proposta do Governo de construir
cisternas de PVC, que vai contra toda a metodologia de relação com o
semiárido, construída pelas populações ao longo dos anos.
Além dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, os
quilombolas e indígenas também estiveram firmes em suas manifestações em
2011. Durante o mês de maio, os povos indígenas realizaram uma de suas
maiores mobilizações, o acampamento Terra Livre, realizado em Brasília e
que reuniu centenas de indígenas de mais de 230 povos de todo o país
para apresentar suas principais reivindicações. Já no início de
novembro, mais de dois mil quilombolas estiveram reunidos em Brasília,
quando ocuparam pela primeira vez o Palácio do Planalto durante a Marcha
Nacional em Defesa dos Direitos dos Quilombolas.
2012: Marcharemos na Luta pela Reforma Agrária
Apesar do Estado brasileiro e de seus governantes condenarem a
Reforma Agrária à morte, ela segue a cada dia pulsando com mais
intensidade nas veias dos camponeses e das camponesas, como se ouvissem
os ecos do compromisso de Elizabete Teixeira, na ocasião do sepultamento
do seu companheiro: “Continuarei a tua luta”. Este é o chamado que ecoa
para aqueles e aquelas que acreditam e lutam em defesa da vida, da vida
plena.
“Eu vim para que todos tenham Vida e Vida em abundância.” (João 10:10)
Comissão Pastoral da Terra – Nordeste II