Privatizações, privilégios, criminalização dos movimentos sociais, desperdício de dinheiro público
* Por Mariana Cristina
Diversos funcionários do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos Rio2016 acompanharam de perto as Olimpíadas de Londres,
com o intuito de aprender e tirar lições para a realização das
Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro. Mas tais conclusões são baseadas na
lógica que beneficia as grandes corporações e multinacionais e não a
população local.
O que nós trabalhadores vimos em Londres foi: a existência de uma
casta burocrata favorecida por privilégios explícitos; a privatização de
espaços públicos; desvios de investimentos que iriam para as áreas
sociais; verba pública indo para empresas privadas; gastos muito
maiores que os previstos e corrupção, dentre outras irregularidades.
Será isso que o Brasil foi aprender em Londres?
O Comitê Olímpico Internacional- COI funciona como uma grande empresa
comercial, a serviço dos burocratas do esporte e das corporações donas
das marcas que patrocinam a Olimpíada. Todo o processo de elaboração e
construção deste evento esportivo visa o lucro dessas grandes marcas e
multinacionais. O COI decide qual a cidade irá sediar a Olimpíada,
quais meios de comunicação vão transmiti-la e quem serão os
patrocinadores.
Quem paga o músico escolhe a melodia
As grandes marcas que patrocinam este evento esportivo pagaram 60
milhões de libras, em um contrato de 10 anos. Como “quem paga o músico
escolhe a melodia”, tais corporações possuem poder de decisão e
monopólio de vendas. Da mesma forma, as empresas que transmitem este
evento possuem absoluta exclusividade, ao ponto de proibirem turistas
de registrarem os jogos, para não postarem no Youtube.
Os privilégios não param por aí, foram criados 50 quilômetros de vias
exclusivas para a Família Olímpica (burocratas do esporte, mídia,
executivos e atletas), enquanto os britânicos sofrem com quilômetros de
trânsito. A falta de transparência e o controle absoluto do COI
potencializam os privilégios, como o mercado paralelo de ingressos. O
The Guardian relatou que, dos 80 mil assentos disponíveis para o final
dos 100 metros rasos masculinos, apenas 29 mil (36%) foram para o
público, os demais são distribuídos de acordo com os interesses desta
casta.
O pior desta história é que a farra de privilégios e lucros é
garantida com o dinheiro público, que poderia ser investido em
melhorias reais para a população. O orçamento inicial previsto para os
jogos de Londres era 2,4 bilhões de libras (3,8 bilhões de dólares) e
foi para 9,3 bilhões de libras (14,6 bilhões de dólares). Este valor já
aumentou e pode chegar até a 11 bilhões de libras. O Comitê de Contas
Públicas da Câmara dos Comuns admitiu que menos de 2% do orçamento das
Olimpíadas veio do financiamento privado, diferente do que imaginavam de
início.
Aumentos desproporcionais no orçamento de mega-eventos esportivos tem
se tornado a regra e não mais a exceção, como vimos nas Olimpíadas da
Grécia, nos jogos Panamericanos que ocorreram no Brasil em 2007, etc. A
falta de transparência nas contas e orçamentos nos permitem acreditar
que existe “caixa dois” nesses eventos, esquemas de corrupção e desvio
de dinheiro. Isso sem falar na criação de “enormes elefantes brancos”,
monumentos que não servem para nada, somente para gerar mais lucro para
as construtoras que os produzem.
O maior gasto foi com segurança
O maior gasto da Olimpíada de Londres foi com segurança pública, que
passou de 282 milhões de libras (902 milhões de reais) para 553 milhões
de libras (1,7 bilhões de reais). Esta é a maior operação de segurança
do Reino Unido, desde a 2ª Guerra Mundial. Usando o pretexto do auto
risco de ações terroristas, Londres aumentou seu aparato de coerção e
repressão, se precavendo de lutas sociais e manifestações populares.
Esta lógica que trata os lutadores como criminosos, a criminalização dos
movimentos sociais, vem se repetindo na história sempre que as
contradições do capitalismo estão emergentes e é necessário conter as
explosões populares.
Infelizmente no Brasil não tem sido diferente, vivemos no último
período um aumento nas lutas populares e sindicais. Junto com isso
também cresceram medidas que impedem a organização popular, como a multa
de cem mil reais por dia para a greve dos metroviários de São Paulo,
que seguiu uma onda de greves nos transportes, foram sete capitais. Além
disso, temos o assassinato de vários dirigentes populares no campo, mas
também na cidade, como os pescadores que foram assassinados no
município do Rio no primeiro semestre deste ano.
A política de segurança pública que tem sido adotada no Brasil
criminaliza a pobreza, reduzindo jovens pobres e negros a bandidos em
potencial. Isso ocorre principalmente com o modelo que está sendo
gestado no estado do Rio de Janeiro, baseado nas UPP, que será
implementado em outros estados. Desta forma, vemos que o crescente
controle policial é a meta dos governantes de nosso pais.
Nesse sentido, não foi sem intenção que em 2011 o prefeito do Rio de
Janeiro Eduardo Paes criou a Empresa Olímpica Municipal que será
responsável por coordenar a execução dos projetos municipais voltados
para 2016, semelhantes aos de Londres. Este visa utilizar o CPTED
(prevenção ao Crime através do Desenho Ambiental), técnica criada em
Londres que aponta para um maior controle sobre os ambientes urbanos. O
governo brasileiro se comprometeu a contratar mais 31 mil policiais até
as Olimpíadas, número que deve aumentar ainda mais.
O poder privado
A empresa de segurança privada G4S treinou 23.700 pessoas para
atuarem nas Olimpíadas deste ano. Tais medidas abrem um enorme espaço
para a privatização da segurança pública, o que diminui ainda mais a
possibilidade de controle da população sobre a guarda. Como vemos, a
classe dominante está “se armando” para impedir o fortalecimento das
lutas sociais, o que já vem ocorrendo no Brasil.
As privatizações não param por aí. O parque Olímpico, responsável
pelo aumento exorbitante no orçamento inicial de gastos do governo, será
administrado por uma empresa privada. A mesma empresa que fez este
projeto para as Olimpíadas em Londres, a Aecom, fará o Parque Olímpico
da Rio 2016. Como vemos, as lições que o Brasil está tirando de Londres é
a criminalização dos movimentos sociais e dos pobres, a privatização e o
aumento do lucro das corporações!
Ganho público menor do que o esperado
Fica claro que somente quem ganhou com essa Olimpíada de 2012 foi a
corja ligada ao COI. O rendimento normal que Londres adquiriu com a
vinda de turistas para conhecer a cidade caiu durante a Olimpíada, foram
somente 1/3 do fluxo de pessoas esperado para esta época do ano. A
previsão era de aumentar as vendas em 20% em função deste evento, ao
invés disso ela diminuiu 10%. Mais de 800 mil turistas britânicos
visitam Londres no verão, número que caiu pela metade.
Um elemento que justifica esta queda no fluxo de turistas é a
crescente crise econômica. Segundo o Escritório Nacional de
Estatísticas, a economia britânica caiu 0,7% entre abril e junho. É o
terceiro trimestre consecutivo de Produto Interno Bruto negativo, e a
segunda recessão em três anos.
Os efeitos da crise econômica se mostraram presentes em Londres e
deve ser considerado na Rio 2016. A tentativa de usar as Olimpíadas como
forma de alavancar a economia pode ser um tiro que sairá pela culatra.
Em momentos de instabilidade e insegurança econômica as corporações
diminuem seus investimentos, o que força o governo a usar dinheiro
público para investimentos que em nada beneficiam o povo, como vimos em
Londres. Também, a população tende a gastar menos. Exemplo explícito
desta combinação perigosa que contribuiu para o déficit público e a
crise social que assistimos hoje.
A desculpa para toda esta farsa é o incentivo ao esporte. Sim, uma
farsa, pois diminuíram o número de pessoas que praticam esportes em
Londres. Vale lembrar que a participação da população no esporte caiu
em mais de 100 mil na faixa etária entre 16 e 19 anos. A verba para o
incentivo da prática de esportes para pessoas portadoras de
necessidades especiais foi reduzida. As marcas patrocinadoras deste
evento nada têm a ver com a prática saudável de esportes, como Mc
Donalds e a Coca Cola, cujos produtos são sabidamente prejudiciais à
saúde. Por fim, assistimos as transmissões da mídia, muitas vezes de
forma sensacionalista e apelativa, usando da imagem/beleza física das
atletas para “vender” as notícias, tratando as mulheres como objetos e
desqualificando seu potencial como atleta.
Capital do mundo... para o capital privado
Infelizmente, já estamos assistindo este “filme” no Brasil. Com a
desculpa de preparar a cidade do Rio de Janeiro para os mega-eventos
esportivos, a cidade está sendo replanejada. A cidade-sede é pensada
como a capital do mundo, o que justifica intervenções urbanas brutais
para a população, que vão ao encontro dos interesses de políticos e das
construtoras, como a valorização do valor dos imóveis e a transformação
ou demolição de patrimônios históricos, culturais. O orçamento inicial
para as Olimpíadas Rio 2016 prevê gastos de R$ 25,9 bilhões. Somente com
a reforma do Maracanã, para se adaptar aos “padrões” exigidos pelos
mega-eventos, foi gasto 1 bilhão de reais.
Enquanto isso milhares de famílias já foram desalojadas de suas
casas, comunidades inteiras foram removidas e desintegradas, sem terem
um lugar adequado para serem realojadas pelo governo. Desta forma,
essas pessoas não perderam apenas suas casas, mas empregos, e até mesmo
suas identidades culturais por terem que migrar para outras regiões
muito diferentes de seus locais de origem.
Devemos aprender com as lições de Londres para exigirmos dos nossos
governantes as melhorias reais voltadas para os trabalhadores e
trabalhadoras, diferente do que assistimos nas Olimpíadas deste ano.
Quando a poeira abaixa, podemos ver o final do túnel! Se sabemos para
quem a COI e os governos locais estão trabalhando, não vamos esperar a
história se repetir, pois a história é feita por nós!
* Militante da Corrente Liberdade, Socialismo e Revolução - LSR - Rio de Janeiro